Publicidade
InícioDestaquesParaty e o turismo de base comunitária

Paraty e o turismo de base comunitária

Por Luciana Guilliod

Que Paraty é Patrimônio da Humanidade, com seu casario colonial preservado entre o azul do mar e o verde da Mata Atlântica, você já sabe. Localizada entre Rio e São Paulo, a cidade é, há décadas, um imã turístico e um polo de diversão ao ar livre no Brasil. O calendário é recheado de eventos como a Feira Literária de Paraty (FLIP), Festival de Jazz e Blues, diversas corridas e provas de MTB. Em setembro, Paraty receberá a primeira edição brasileira da mais prestigiada corrida de montanha do mundo, a UTMB.

Mas além do rosário turístico, existe uma outra Paraty que também tem história, cultura, gastronomia, praia, cachoeira, arquitetura e tradição – mas para os iniciados. É a Paraty do Turismo de Base Comunitária, que envolve comunidades quilombolas, caiçaras, indígenas e Hare Krishna, a alguns quilômetros do centro histórico.

Veja também
+ Acatenango: como é o trekking neste vulcão ativo da Guatemala
+ UTMB World Series traz seu selo de qualidade ao Brasil
+ Dicas de trekking no Saco do Mamanguá, o único fiorde brasileiro
Turismo de Base Comunitária

O que é Turismo de Base Comunitária (ou TBC)? É um tipo de viagem no qual a comunidade local é protagonista da criação à execução do roteiro, definindo a história que será contada e fornecendo o máximo de serviços disponíveis como hospedagem, guias, refeições e oficinas.

Vila Caiçara de Tarituba, onde foi gravada a novela Mulheres de Areia. Foto: Arquivo Pessoal.

O TBC é uma fonte de renda, emprego e oportunidade para as comunidades locais, permitindo a permanência em suas residências ao mesmo tempo que preservam seus costumes tradicionais. Os viajantes têm a oportunidade de explorar histórias, vivências, crenças e culturas dos povos originários do brasil, contribuindo para a preservação e valorização de sua sabedoria ancestral. O TBC incentiva os jovens a permanecerem em suas comunidades, orgulhando-se de suas raízes e transmitindo as tradições às próximas gerações.

Vamos lá?

Quilombo do Campinho

Camarão marinado na cachaça é uma das tradições do Restaurante do Quilombo. Foto: Arquivo pessoal.

A primeira comunidade quilombola do Rio de Janeiro a ter suas terras tituladas, em 1999, é o mais popular expoente do TBC na região. Localizada a poucos quilômetros do centro histórico, praticamente toda a comunidade de 550 pessoas de 14 núcleos familiares é descendente de três irmãs. As escravizadas viviam na casa grande da Fazenda Independência e seguiram na terra após o fim da escravidão.

A programação é variada: tem roda de samba, de jongo e de conversa. Tem festivais de cultura negra, festa junina, oficina de percussão e de dança afro, lojas de artesanato e o que mais couber na criatividade dos moradores. É possível achar casas ou quartos para aluguel por temporada, mas saiba que o luxo vem em forma de vivências, não em quantidade de fios do lençol. Confira as redes sociais do Quilombo para se informar sobre a programação ou agendar uma visita guiada.

O Restaurante do Quilombo, inaugurado em 2007, fez parte do Guia Quatro Rodas e foi indicado ao Garfo de Ouro. E não é por menos. Muitos dos ingredientes são produzidos ali mesmo, nas hortas dos moradores. Minha escolha foi o camarão marinado na cachaça acompanhado de taioba refogada no alho e óleo e arroz com banana da terra, que estava tão delicioso quanto a descrição pareceu. Para molhar o bico, nada melhor que uma cachaça das dezenas de alambiques pelos quais Paraty é conhecida. Essa terra realmente tem de tudo.

Vila Caiçara de Tarituba

Pouco mais de 30 quilômetros separam a efervescência cultural do centro histórico da Paraty dessa vila de duas ruas e 970 habitantes. Se Tarituba parecer familiar, é porque lá foi gravada a novela Mulheres de Areia.

O Distrito de Tarituba foi fundado no século XIX por uma família de pescadores. A família Bulhões dá nome rua principal e até hoje mora vila, salvaguardando importante tradições do patrimônio imaterial caiçara local. Por lá existem não mais que meia dúzia de bares e restaurantes, posto de saúde e escola primária. Há uma pousadinha e do píer saem passeios de barco para ilhas próximas.

E você também encontra cateretê, cana verde, tontinha, caboco véio, arara, caranguejo e chapéu: em atividade desde a década de 1970, o Grupo de Dança Folclórica de Tarituba atua na preservação das danças seculares em seus bailes próprios e em eventos oficiais de Paraty. A Escola Ciranda de Tarituba oferece oficinas de música, dança, artesanato e foi indicada ao Prêmio de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro na categoria Patrimônio Imaterial 2011.

A pesca artesanal e a gastronomia caiçara são outros dos saberes preservados da região, que até hoje vive da pesca. Mas como Tarituba está localizada numa área de Unidade de Conservação federal de proteção integral (a ESEC Tamoios), existem aproximadamente 40 licenças para a comunidade, que deve pescar sob cartas regras – como não usar barcos a motor, por exemplo.

 Aldeia Pataxó Iriri Kãnã Pataxi Üi Tanara

Nesta aldeia, os Pataxós cultivam alimentos, produzem artesanato, cuidam e protegem a natureza local. Foto: Arquivo Pessoal.

“Iriri Kãnã Pataxi Üi Tanara” significa “minha aldeia é minha terra”. Não é lindo?

Os pataxós são originários do sul da Bahia, mas parte da etnia vive na aldeia assentada desde a década de 90: como nada nessa vida tem uma solução simples, a terra indígena era anteriormente ocupada pelos Tupinanbás. Uma equipe de trabalho conjunta com os órgãos competentes encontrou vários artefatos históricos que comprovam que a localidade de Iriri, a cerca de 15 quilômetros do Centro Histórico de Paraty, sempre foi terra indígena.

Por ali moram 62 pessoas de todas as idades que pertencem a 15 famílias que vivem do artesanato e do turismo. A aldeia é totalmente preservada e conta com cachoeira, praia quiosque, loja de artesanato e espaço para realização de rituais. É pedida uma contribuição para visitar a cachoeira.

Artesanato local. Foto: Arquivo Pessoal.

Na aldeia, os Pataxós cultivam alimentos, produzem artesanato, cuidam e protegem a natureza local e transmitem aos seus descendentes o que foi preservado de sua língua nativa. Os viajantes podem se juntar aos rituais de Rapé (que também é vendido para consumo doméstico), Sananga e Ayahuasca. Há também jogos indígenas, pesca, caça, e pinturas corporais. A hospedagem existe, mas é bastante limitada.

Ecovila Goura Vrindávana

A comunidade Hare Krishna habita as montanhas da Serra da Bocaina e luta por reconhecimento. Foto: Arquivo Pessoal.

A comunidade Hare Krishna que habita as montanhas da Serra da Bocaina não é um povo tradicional brasileiro, mas rende uma visita super interessante. Ou almoço. Ou retiro. Ou Voluntariado. Sim, eles têm todas essas opções.

Uma população fixa de 25 pessoas habita o Asharam que nasceu na década de 80 com a intenção de inaugurar uma ecovila, mas não encontraram maneira de ter uma operação 100% autossustentável e parte dos insumos e serviços vêm da cidade. Os Hare Krishna enfrentam algumas dificuldades legais, como a geração própria de energia e o estabelecimento de uma escola reconhecida pelo MEC.

A comunidade se formou para cultivar um processo espiritual de autorrealização e autoaperfeiçoamento e congregar pessoas que queiram viver num ambiente comunitário. Mas também para dar oportunidade a qualquer pessoa a participar direta ou indiretamente desse projeto, mesmo residindo em locais distantes da comunidade.

A forma mais simples de conhecer a Goura Vrindávana é pagar uma diária de R$50,00 que dá direto a passar o dia inteiro no espaço desfrutando de muito verde, um templo, três cachoeiras e um delicioso buffet de almoço vegetariano. Passei o Natal por lá, me perguntando onde mais no Brasil teria o privilégio de nadar sem roupa numa cachoeira só para mim. A comunidade produz cosméticos ayurvédicos, à venda no local.

Está convencida ou convencido?

Paraty lado B. Foto: Arquivo Pessoal.

A construção da rodovia BR-101 (Rio-Santos), nos anos 70, resgatou Paraty do esquecimento, mas trouxe a supervalorização de um pedacinho do Brasil onde se encontram diversas comunidades tradicionais. Toda a região de Paraty ganhou empreendimentos turísticos, mas como consequência, grande parte da população tradicional foi expulsa de suas terras.

O Turismo de Base Comunitária garante a permanência das comunidades nos territórios tradicionais. Aventura, Música, Diversão, Passeios, Artesanato, Eventos, Arquitetura, Tradição: venha com muita energia, porque Paraty é inesgotável.

Para acompanhar as aventuras de Luciana Guilliod, siga o perfil @lucianaguilliod no Instagram ou site Chicken or Pasta.







Minha Aventura
Minha Aventura
Minha Aventura é a nova coluna da Go Outside e reúne grandes histórias dos nossos leitores. Para compartilhar a sua aventura, envie e-mail para redacao@rockymountain.com.br.