Quando você está assistindo algo no YouTube, ou lendo algo em um formato como aqui – a sensação transmitida é sempre parcial – e pode até ser intensa. Mas nada comparado a realmente estar dentro da sua própria história, vivendo e explorando exatamente aquilo que você deseja.
Sou o Kawai, fotógrafo e aventureiro, e acredito que nossa jornada deve ser realmente vivida entre grandes objetivos e pequenos momentos.
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Para mim, planejar uma aventura é um ato de fé, uma oportunidade para desbravar aquele pontinho que ainda é desconhecido, além de conhecer novos lugares, novas pessoas e também me conhecer de uma forma mais íntima – e mais profunda.
Em 2017, quando estava fazendo um trekking do Norte até o Sul da Califórnia, ouvi falar sobre um lugar remoto, chamado de “Jardim do Éden” pelas pessoas que o visitavam.
As histórias descreveram uma praia no Norte do Havaí, onde árvores frutíferas de maracujá, goiaba e muitas outras, cercavam todos os cantos.
Me contaram sobre um paraíso perdido no tempo, com cavernas na beira do mar, penhascos gigantes e nascentes de água, tão doces e cristalinas, que nenhum tipo de filtro era necessário para matar a sede dos viajantes. “Apenas histórias…” pensei. E segui em frente.
Até que, em março deste ano, estava sentado no meu sofá assistindo alguns vídeos de aventura no YouTube, quando achei um destaque sobre a “Kalalau Trail” – uma trilha de 35 km (ida e volta) no Norte da ilha Kauai, onde o cume era uma praia que combinava exatamente com a descrição das histórias que escutei anos atrás.
Tracei um plano e montei o roteiro ali mesmo, em uma noite.
A viagem foi marcada para a primeira semana de maio de 2022, momento do meu aniversário, começo de um novo ciclo e uma oportunidade perfeita para reflexão.
Kauai é uma das menores ilhas do Havaí e também uma das menos desenvolvidas, então não tive muitas opções de como chegar no começo da trilha a não ser caminhar do aeroporto, em Lihue, no sul da ilha, até o começo dela, em Waihina, no litoral norte.
O único mapa que tinha comigo eram os prints que tirei no Google Maps do meu celular, e o resto foi exatamente como descrevi antes: um processo de fé.
Assim, creio que como tudo na vida, é preciso se preparar, planejar e ter prudência – mas ainda mesmo, sempre haverá fatores imprevisíveis. Para mim o importante é fluir com esses fatores e seguir em frente em busca de nossos objetivos.
Cheguei no começo da trilha na segunda-feira, durante o meu segundo dia em Kauai – e fui barrado na entrada.
A guarda responsável pela trilha me explicou que havia chovido muito na noite anterior e que parte do caminho estava inacessível. Ainda mais, a possibilidade de a trilha ser fechada para o resto da semana também se tornou grande.
Decidi acampar à beira-mar em um lugar perto da entrada e tentar novamente no dia seguinte.
Na terça-feira a chuva passou, o céu abriu e quando comecei a caminhar, um pouco antes do sol amanhecer, a trilha já estava seca e sem lama.
O resto do dia foi assim, caminhando entre penhascos e vales, florestas e riachos, até chegar ao Camp 6, onde montei meu acampamento.
Antes de dormir, conversei com dois caras que já haviam chegado à praia e estavam voltando para o começo da trilha. Me avisaram para tomar cuidado no próximo trecho da trilha, onde um casal ficou preso no dia anterior e precisou ser resgatado.
O trecho que eles descreveram é o famoso “Crawler’s Ledge” – um ponto na caminhada onde a travessia segue com menos de um metro de largura em vários pontos, abraçando os penhascos.
A consequência de uma tropeçada ali é uma queda livre de mais de 100 metros até o Oceano Pacifico. Mais uma vez, tudo dependeu da fé.
Quando acordei no terceiro dia, caminhei do camp 6 até o Crawler’s Ledge e logo presenciei a imensidão dos penhascos me cercando.
Nunca senti medo em qualquer outra trilha ou momento outdoor anterior, mas com o caminho ainda molhado pela umidade da manhã, senti um frio na barriga e tive apenas duas opções: virar as costas e voltar para casa ou aceitar o risco e seguir em frente até o fim.
Respirei bem fundo e segui em frente, atravessando o Crawler’s Ledge e chegando à Kalalau Beach após mais 9 quilômetros de trekking.
A caminhada não foi fácil, mas foi extremamente gratificante.
Na chegada, percebi que a praia realmente era igual às descrições das histórias – e até mais linda.
Árvores frutíferas cercavam a areia e formavam a base de um verdadeiro anfiteatro gigantesco, composto de pedras vulcânicas, cachoeiras e penhascos imensos.
Em lugares um pouco mais afastados, havia ruínas de lugares sagrados que os havaianos nativos construíram há séculos – e em alguns momentos visitam até hoje.
Na ponta mais longe da praia encontrei uma caverna na base de um penhasco beirando o mar. Dentro dela havia uma piscina de água cristalina e gelada, onde sentei por algumas horas e observei a natureza ao meu redor.
Percebi que lugares belos como esse ainda existem, não só no Havaí, mas também no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo inteiro.
Eles não só existem, como também merecem o nosso respeito. O apreciamento de qualquer jornada também vem com responsabilidade de cuidar dos lugares por onde passamos.
Quando estava planejando a viagem sentado no meu sofá, em Maine, nunca imaginei que essa praia realmente fosse tão linda e que a experiência para chegar até ela seria tão intensa.
Na sexta-feira, dia 6 de maio, deixei a praia e fiz a caminhada de volta ao começo da trilha. Após essa experiência voltei pra casa mais leve e feliz, e hoje busco a minha próxima aventura!
Para acompanhar mais aventuras do fotógrafo Kawai Marin, siga o perfil @kawaigmarin no Instagram.