Daiane dos Santos, a mais bem sucedida atleta da ginástica artística brasileira falou, sobre ginástica nas Olimpíadas, sua trajetória, vida e carreira. Em entrevista ao portal UOL a ex-atleta de 38 anos contou sobre a difícil decisão de parar, falou a respeito da difícil rotina de manutenção de peso e dos passos rumo à formação de novos ginastas no Brasil. Atualmente, ela lidera um projeto que atende 250 crianças.
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Primeira brasileira a ser campeã mundial de ginástica artística, Daiane participou de três edições dos Jogos Olímpicos, e foi finalista em dois deles. Além disso, batizou pelo menos dois movimentos na modalidade, um feito raro e especial para qualquer atleta: os saltos de alto grau de dificuldade “Dos Santos I” e “Dos Santos II”, duplo twist carpado e duplo twist esticado, respectivamente.
A decisão de se aposentar, portanto, foi difícil. “Tentei racionalizar as ideias e entender que eu já havia colaborado muito como atleta. Fiz o que pude, e o que pude fazer foi muito. Quando venci o Mundial de 2003, foi inacreditável. Pensava: “Sou campeã do mundo, a melhor do mundo no solo. Nem acredito”. A gente fica extasiada. É uma trajetória de dar orgulho”, contou.
Êxtase e frustração
“Quando o resultado chega, você sente alívio e se lembra com satisfação dos momentos que não foram tão bons para chegar até ali. Agora, quando esse resultado não chega, como aconteceu em 2004, em Atenas, é preciso parar para entender o porquê”, reflete.
Na época, Daiane dos Santos vivia o sonho de sua primeira participação na ginástica pelas Olimpíadas, e acredita ter errado por excesso. “Sentia um desejo tão grande de fazer o melhor, que passei do ponto”, avalia. “Mas é importante reconhecer nossas pequenas vitórias — e as grandes também —, reconhecer que não fazemos nada sozinhos. Nenhuma vitória minha foi só minha.”, diz.
“Emocionalmente, toda essa trajetória não foi simples. Estar no patamar mais alto do esporte no país demanda dedicação e doação acima da média, e existem peculiaridades do esporte. No caso da ginástica, é preciso ter força. Então, tínhamos de treinar força, subir na corda. As mãos, os antebraços e os ombros precisam de força. É aí que entra a parte da manutenção do peso, que não é estética. Manter um peso corporal baixo é uma questão de segurança. Aos 25 anos, eu pesava 39,3 kg e tinha de ter força para aguentar o impacto no solo. A cada aterrissagem, são 150 kg de impacto. É muita coisa.”, revela Daiane.
Uma nova esperança para o esporte
Hoje, aos 38 anos, Daiane encabeça o projeto Brasileirinhos, que proporciona aulas de ginástica para crianças e adolescentes na comunidade de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Segundo conta, é um cenário similar ao que permeou seu primeiro contato com o esporte. Ela foi notada pela professora Cleusa de Paula aos 11 anos —uma idade já avançada para começar na ginástica. Em três anos de esporte, Daiane já fazia parte da seleção brasileira.
Então, vieram Atenas em 2004, Pequim em 2008 e Londres, em 2012.
“Depois das Olimpíadas de Pequim, em 2008, eu, como atleta do Esporte Clube Pinheiros, passei a integrar o programa para os jogos de Londres. No entanto, havia muitas situações limitantes que permeavam minha participação. Eu havia acabado de terminar a reabilitação de uma cirurgia grande no joelho e estava finalizando a faculdade de Educação Física. Minha cabeça não estava totalmente no ginásio, e isso ficou claro em 2012.”, reavalia.
Depois de Londres, Daiane dos Santos entendeu que sua jornada unindo ginástica e Olimpíadas estava no fim; e que já tinha colaborado o máximo com a modalidade, como atleta. Ainda assim, queria fazer mais pelo esporte, como cidadã.
“O esporte me fez mudar de vida, me deu formação acadêmica e permitiu que eu conhecesse diversas culturas. A ginástica fez com que eu me descobrisse e me reconhecesse. E tudo isso foi tão grandioso que eu sentia, de algum modo, que deveria proporcionar o mesmo para outras pessoas. Daí veio a ideia do Brasileirinhos.”, conta, orgulhosa, sobre o projeto que atende atualmente 250 crianças.
Educação, inclusão e racismo
“Esporte é inclusão. Em um país com mais de 55% de população negra, são poucos os que ascendem dentro de empresas e clubes como treinadores ou dirigentes. Temos um problema, né? As pessoas têm de ser bem tratadas independentemente da cor, do credo, da orientação sexual e da condição financeira —e, infelizmente, não é o que a gente vive no Brasil. São assuntos delicados, mas que precisam ser explicados.”, diz Daiane.
Ela conta que tenta fazer isso com amor e explicar, pacientemente, que “não é normal seu amigo preto ser seguido por seguranças no shopping”, usa como exemplo. E completa: “antes, gente preconceituosa tinha medo de se expressar. Hoje, essas pessoas se sentem respaldadas, sentem que não serão punidas. Alegam liberdade de expressão, mas ofender a existência do outro não é liberdade de expressão.”, opina.
Essa reflexão é a mais importante, e, para essa e tantas lutas resultarem em mudanças práticas, temos e devemos segurar uns nas mãos dos outros, trabalhar aos poucos —dentro de casa, no trabalho, onde estiver. E mesmo dentro de si mesmo. É isso que busco.