Em expedições, um mero descuido com a higiene bucal pode acabar com a sua viagem

Por Verônica Mambrini

Você está a milhares de quilômetros de casa e a dezenas de quilômetros da cidade mais próxima, curtindo uma aventura que planejou e sonhos durante meses. Está tudo perfeito… até que uma dor de dente resolve acabar com sua alegria. A seguir, algumas maneiras de se precaver contra essa estraga-prazeres.

Faça uma faxina geral

Vai ficar muito tempo fora de casa? Antes de partir, inclua no planejamento de sua viagem uma visita ao dentista. Agende uma limpeza três meses antes de botar o pé na estrada. Esse prazo costuma ser suficiente para diagnosticar um problema maior. Assim o dentista terá tempo para verificar a existência de cáries, gengivite (inflamação e infecção da gengiva) ou periodontite (inflamação e infecção dos ossos e ligamentos que dão suporte aos dentes). Também é recomendado fazer uma radiografia panorâmica para ver se há algo mais grave a ser tratado. “Na radiografia, dá para identificar falhas nas restaurações, por exemplo”, explica a cirurgiã-dentista e montanhista Myrna Biondo. A radiografia mostra problemas como um dente que ainda não nasceu e pode ajudar a diagnosticar uma longa lista de doenças bem difíceis de gerenciar durante uma temporada em áreas remotas.

Não descuide do sistema imunológico

Em viagens longas, a exigência física muitas vezes é alta e pode ser difícil manter a mesma rotina de descanso, sono e alimentação. Após algumas semanas, o sistema imunológico começa a fraquejar. “Qualquer baixa de imunidade deixa o corpo mais vulnerável a uma inflamação ou infecção”, explica Myrna. “Condições adversas do ambiente de montanha, como frio, exercícios físicos rigorosos, más condições de higiene geral e alterações emocionais, podem fazer com que problemas odontológicos pré-existentes aumentem ou surjam outros novos”, diz o dentista e escalador João Luís Pereira Pinto. Portanto evite estresses desnecessários, alimente-se bem, tente descansar e não abuse da sorte. Lembre-se de que seus dentes exigem cuidados especiais, que não devem ser deixados de lado nem durante a expedição mais casca-grossa – do contrário você corre o risco de voltar para casa antes do previsto.

Fique atento às inflamações

Mesmo com o check-up em dia, a região da boca está sujeita a inflamações repentinas. “Pode levar apenas algumas horas para um problema de gengiva se instalar”, conta João Luís. Por isso, coloque em seu estojo de primeiros-socorros um frasco de água oxigenada 10 volumes, para ser aplicada com cotonete na área inflamada, ou para fazer bochechos com uma colher de sopa diluída em meio copo de água morna (três vezes ao dia). Produtos como Periogard ou Periokin, à base de clorhexidina, são antibióticos de superfície com a mesma função. Se os sintomas não melhorarem após as primeiras aplicações, fique de olho, pois há chances de ser mais que uma inflamação. Nesse caso, consulte um médico imediatamente.

Faça bochechos após as refeições

Nem sempre é possível escovar os dentes com frequência quando se está em uma viagem outdoor. Se o sorriso está em dia, não é o fim do mundo pular algumas (poucas) escovações. “Um dente saudável leva uns seis meses para desenvolver uma cárie que traga problemas para o paciente”, diz João Luís. Mesmo assim há dicas para “quebrar o galho” até você conseguir escovar os dentes e passar fio dental. Por exemplo: em até mais ou menos 40 minutos após uma refeição, ocorre um pico de acidez bucal que favorece o desenvolvimento de microorganismos que se alimentam dos restos de comida que se fixam na boca – principalmente carboidratos e açúcares, indispensáveis na reposição energética.

Por isso tente fazer um bochecho com água depois de comer ou ingira alimentos fibrosos, que funcionam como uma “vassoura” nos dentes. Uma maçã ou barra de cereais cumpre bem essa função. “Goma de mascar sem açúcar também ajuda a neutralizar o Ph da boca”, recomenda Myrna.

Saiba como agir em casos de emergência

O que fazer em situações de quedas ou pancadas no rosto e na boca? Depende da gravidade do acidente. Em caso de pequenas fraturas sem sangramento, nervos expostos ou deformações, dá para esperar um pouco para procurar ajuda médica. “Além de um analgésico para aliviar a dor, é bom ter no estojo de primeiros socorros um antiinflamatório e um antibiótico de amplo espectro indicado por seu médico ou dentista”, sugere Myrna. “Hoje existem antiinflamatórios inteligentes, muito usados em corridas de aventura. Um corredor com abscesso [acúmulo de pus] pode tomar um antiinflamatório que age tanto localmente como no sistema nervoso central para reduzir a dor e o desconforto.” Mas dores agudas significam que está acontecendo um processo inflamatório infeccioso, com todas as repercussões que isso pode causar: febre, prostração, dificuldade de dormir, irritabilidade. “Nesse caso, a pessoa deve procurar atendimento especializado o mais rápido possível”, avisa João Luís.

Cuidado com as queimaduras bucais

Você pode ter feito a lição de casa direitinho no que se refere à proteção solar, mas há um fato do qual não dá para escapar: condições extremas de frio e calor queimam. De repente, lá está uma queimadura onde você menos esperava: no céu da boca ou na língua. “Todas as queimaduras bucais, sejam pela neve, alimentos muito aquecidos ou uma escoriação alimentar, são processos inflamatórios que regridem sozinhos em até uma semana”, explica João Luís. Enquanto o inconveniente não vai embora, uma saída é tomar um comprimido de antiinflamatório ou, então, fazer bochechos com uma solução de clorhexidina.

Não tensione o rosto

Pedalar na descida em meio a um vendaval ou escalar um paredão difícil nos faz endurecer os ombros e contrair o rosto, quase sempre sem percebermos. Tensionar o corpo é capaz de desencadear uma reação muscular que “trava” não só músculos do core, mas também da região do maxilar. O pior: sem se dar conta, a pessoa aperta os dentes, como se isso ajudasse na concentração. Indícios de problema são dores de cabeça e dor para falar ou mastigar, sem causa aparente. Em casos extremos, a pressão nos nervos dos dentes pode até matá-los, já que sintomas como latejamento e agulhadas muitas vezes demoram para aparecer. Tente não contrair a região do rosto durante situações tensas. E peça a seu dentista para checar se há pressão excessiva nos dentes causada por esse tipo de tensão.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2014)