O treino com restrição do fluxo sanguíneo é o futuro da performance esportiva?

Por Hayden Carpenter

coração
Foto: Shutterstock.

DEPOIS DE UM TREINO, vários anos atrás, Mikaela Shiffrin colocou manguitos infláveis nos braços e nas pernas e iniciou um circuito de 20 minutos de exercícios relativamente fáceis. “Em 15 minutos eu estava exausta, mais exausta do que me sentia em uma sessão de força de duas horas”, disse a duas vezes medalhista de ouro olímpica. “Eu me lembro de pensar: ‘Meu Deus, meus braços estão doloridos’, como se eu tivesse feito 200 flexões ou algo assim.”

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A exaustão era o ponto crucial. A técnica – chamada de Treinamento com Restrição de Fluxo Sanguíneo (BFR, em inglês), também conhecida como Kaatsu – usa pressão em torno dos braços e das pernas para limitar significativamente a circulação, desencadeando uma ampla gama de adaptações no corpo.

Desenvolvido em 1966 por Yoshiaki Sato, médico e pesquisador, o treinamento BFR foi adotado pela primeira vez por fisiculturistas e levantadores de peso japoneses. Foi só no início dos anos 2000 que ele saiu do Japão, em parte graças a Jim Stray-Gundersen, fisiologista, médico e ex-consultor médico do Comitê Olímpico Internacional, da Federação Internacional de Esqui e da NASA.

Depois de ouvir sobre o Treinamento com Restrição de Fluxo Sanguíneo em uma conferência, Jim viajou para o Japão em 2013 para estudar a técnica. Não demorou muito para se associar a Yoshiaki e lançar o Kaatsu na América do Norte. Eles seguiram caminhos diferentes, e Jim fundou seu próprio sistema BFR, chamado B Strong.

Desde 2010, mais de 900 artigos foram publicados sobre o BFR sugerindo que combiná-lo com um treinamento de resistência relativamente leve ou alguma atividade aeróbica pode levar a um rápido aumento no volume e força muscular, capacidade oxidativa e densidade dos tendões. Sua eficiência é o motivo pelo qual a popularidade do BFR cresceu na última década para a reabilitação de lesões, especialmente pós-cirúrgicas. Agora, atletas como Mikaela e o maratonista Galen Rupp estão usando o BFR para melhorar o desempenho.

Você conhece a sensação no fim de uma longa descida de esqui – aquela dor nas pernas, quase insuportável? Imagine essa sensação persistindo e aumentando até que seus músculos colapsem por completo. Isso é, em poucas palavras, o treinamento BFR. Limitar o fluxo sanguíneo durante o exercício restringe o fornecimento de oxigênio para os músculos em atividade, ao mesmo tempo que acelera a produção de subprodutos metabólicos, como o lactato.

Isso perturba rapidamente a homeostase, o delicado equilíbrio físico e químico em seu corpo, criando um estado temporário de crise metabólica, ao enviar um forte sinal de fadiga ao cérebro, que desencadeia uma cascata de respostas hormonais, segundo Jim.

“Extraímos esses recursos anabólicos enganando o corpo, fazendo-o pensar que vários danos importantes estão sendo causados, quando na realidade é uma combinação prática de exercícios fáceis e restrição do fluxo sanguíneo”, explica.

Para um esporte como o esqui alpino, que requer força e resistência consideráveis, o BFR “tica várias caixinhas”, diz Jeff Lackie, treinador de força e condicionamento de Mikaela. Como o BFR envolve cargas relativamente modestas, Jeff e Mikaela o utilizam fora da temporada para aumentar o volume com segurança durante as sessões de treinamento de força. Depois que o calendário de provas começa, contam com ele para manter seu nível de força e ajudar na recuperação, apesar de uma agenda caótica de viagens.

Existe um componente mental distinto. A quantidade avassaladora de lactato que se acumula nos músculos é horrível – mas é exatamente isso que Mikaela experimenta no fim de uma prova longa na Copa do Mundo, de acordo com Jeff. Ao se acostumar com o desconforto, ela consegue manter a cabeça fria e se manter coordenada nas curvas finais. “Como qualquer coisa na vida que te deixa desconfortável, há um lado mental para superar isso”, afirma Mikaela.

Embora a fadiga seja a chave do método, existem desvantagens. “Quando as pessoas ficam cansadas, a mecânica desmorona”, explica Nicole Haas, fisioterapeuta e funda- dora do Boulder Physiolab, no Colorado (EUA). A execução desleixada pode reforçar os maus hábitos em vez de aumentar a conexão cérebro-corpo, que é uma parte importante do desempenho. “Eu me preocupo com lesões que acontecem apenas por tentar me cansar”, diz.

Nicole também observa que, embora os estudos tenham demonstrado que o BFR pode levar a melhorias significativas no tamanho do músculo e no VO2 máximo, não está claro se essas mudanças se traduzem em ganhos de desempenho no mundo real. Em um estudo de 2015 sobre os efeitos do treinamento suplementar de BFR entre ciclistas experientes, os participantes aumentaram o VO2 máximo em uma média de 4,5%. No entanto seu desempenho de contrarrelógio de 15 km não melhorou.

“Existem muitas variáveis quando você entra nos esportes e no desempenho, e essa é a parte difícil de medir”, afirma Nicole. Além do mais, como a maioria dos estudos clínicos que analisam o treinamento de BFR duram pouco tempo, há muito que não sabemos sobre os efeitos de longo prazo. Poderia haver uma forte resposta no início do treinamento e um platô mais tarde? E com tanto acúmulo de fadiga, há risco de overtraining? Depois, há o fato de que não há muito consenso sobre como implementar o Treinamento com Restrição de Fluxo Sanguíneo de maneira ideal.

A literatura científica é limitada, e somente por meio de décadas de experiência – tentativa e erro com várias técnicas em diversos esportes envolvendo todos os tipos de atletas – que as ideias ruins serão eliminadas. Por enquanto, “é uma excelente ferramenta na caixa de ferramentas”, diz Jeff. Mas é apenas uma delas: ele e Nicole são rápidos em enfatizar que veem o BFR como um complemento, e não um substituto, de outros métodos de treinamento.

Também não é um atalho para o desempenho. Você ainda precisa se esforçar. Mas o BFR permite que se adicione volume aos treinos com segurança e que a recuperação aconteça mais rápido, permitindo que o atleta treine mais durante uma determinada semana. “No fim das contas, quanto mais você treinar, contanto que se recupere, melhor será seu desempenho”, diz Jim.

Aquela primeira vez que Mikaela experimentou o BFR, quando os braços pareciam de chumbo? Ela acordou de um cochilo da tarde nova em folha, o suficiente para fazer força novamente em seu treino noturno. “Além de tornar cada sessão mais eficaz, eu estava me recuperando muito bem, talvez até melhor do que antes”, conta ela.

Matéria originalmente publicada na edição 171 da Go Outside.







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