Travessias brasileiras: Transmantiqueira

Por Verônica Mambrini

Transmantiqueira
Imagem: Luan Alves Chaves

Ah, a Transmantiqueira! Das travessias brasileiras, é um dos percursos mais sonhados. Trata-se de uma trilha que está em fase de implementação, pelo ICMBio e com o apoio de dezenas de voluntários. Hoje, ela ainda não apresenta-se com um traçado fixo, determinado e definitivo. Mas vários grupos já fizeram o percurso unindo alguns dos pontos principais que são consenso, entre os picos mais altos da Mantiqueira. Pico do Lopo, Marins e Itaguaré, Serra Fina, Pedra do Baú, Serra do Papagaio. A mais recente empreitada foi a viagem do trio Emanuel Silveira, Manuella Karmann e Luan Alves Chaves.

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A ideia de realizar essa travessia já vinha sendo trabalhada por Emanuel e um amigo. “Meu planejamento era de fazer a transmantiqueira com o Marcelo Peres, um grande amigo meu. Estávamos planejando essa trilha há anos, e finalmente daria certo dessa vez de irmos juntos. Porém, por conta de um problema no trabalho, ele acabou não conseguindo vir. Nesse meio tempo foram feitas várias formações, cada hora com um ou dois amigos diferentes. Mas para uma trilha desse porte é necessário dedicação e tempo, e depois de muitas tentativas, finalmente chegamos a essa formação, que foi na verdade uma surpresa”, conta Emanuel. 

Imagem: Luan Alves Chaves

Com um vasto planejamento em mãos, os três começaram a se preparar para a trilha. Emanuel conheceu Manuella pelo Instagram; Luan e ele se conheceram em uma exposição de fotógrafos de montanha. O trio acionou seus contatos na região – Manuella é artista plástica e mora em São Bento do Sapucaí, Luan e Emanuel são fotógrafos de montanha – para facilitar pontos de reposição de comida. “Saímos de São Paulo já com comida para os primeiros dias, a segunda reposição seria em São Bento do Sapucaí na casa da Manuella, mais uma na base do pico do Carrasco. A terceira caixa foi deixada no refúgio do Dito na base do pico do Marins. Em seguida tinha outra caixa em Passa Quatro na casa do Marcelo, outra caixa no engenho da Serra em Itamonte na casa de uma amiga e por fim, a última caixa seria no vale do Garrafão antes de subir para o pico santo Agostinho”, conta Emanuel. 

O grupo fez 567 km em 45 dias, sem pressa, e sem determinar de forma rígida na partida os pontos de pouso. “Como somos dois fotógrafos e uma pintora, estávamos sem nenhuma pressa de cumprir quilometragem”, conta Emanuel. “O ponto alto foi vivenciar a Mantiqueira com a sensação de viver nômade nela. Não estávamos somente fazendo uma trilha, estávamos imersos nesse planeta que a Mantiqueira é, conhecendo pessoas incríveis e lugares maravilhosos, dependendo da água da montanha para viver e da gentileza das pessoas, que não falhava”, conta Manuella. 

Foram muitos os desafios físicos, como na mesma trilha enfrentar ondas extremas de frio e calor. Para Manuella, couberam dois ciclos menstruais para encarar como nômade, carregando uma mochila com um terço do seu peso. Emanuel se colocou à prova também: ele entrou na trilha recém-recuperado de uma lesão nos pés em 2019 que o fazia gritar de dor caminhando pequenas distâncias. Atravessar quase 600km com uma mochila pesada parecia impossível, mas o trabalho de recuperação foi bem feito e deu tudo certo. Dias inteiros sob o sol, bolhas nos pés, falta d’água e mesmo de locais adequados para o pernoite foram uma constante.

Os três – como qualquer montanhista apaixonado pela Mantiqueira – já haviam feito trechos e travessias menores dos principais pontos que compõem a região. “A Mantiqueira é tão gigante e tão maravilhosa que merecia um tempo dedicado apenas a ela”, destaca Emanuel. O roteiro que eles fizeram começou a ser mapeado por Emanuel há cerca de 6 anos, com uma coleção de pontos de interesse que ele ia organizando num app chamado Maps.Me. “O caminho é dinâmico, muitas vezes um local traçado no mapa previamente não era possível seguir por algum motivo, como  trilhas que sumiram com o tempo, outras que não existiam mais, e outras que não estavam mapeadas, então algumas vezes alterações no percurso foram feitas”, detalha Luan.

Transmantiqueira
Picos dos Marins e do Itaguaré vistos da Transmantiqueira. Foto: Emanuel Silveira
Transmantiqueira
Imagem: Luan Alves Chaves

O próprio ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) tem um projeto de criação da Transmantiqueira. Projeto antigo, na proposta do ICMBIo a trilha de longo percurso atravessaria toda a Serra da Mantiqueira, cruzando 37 municípios de três estados, totalizando mais de 750 quilômetros e passando por várias unidades de conservação. Existe um admirável esforço do ICMBIo criação de um Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso, no contexto do Programa Conectividade de Paisagens – Corredores Ecológicos, que atende uma demanda instituída por portaria do Ministério do Meio Ambiente. Trata-se, contudo, de um projeto de difícil implementação, pela sua complexidade e pela enorme quantidade de entes envolvidos. 

“De fato a Transmantiqueira é ainda uma ideia. Ainda falta muito para ela se consolidar, assim como vemos na Pacific Crest Trail, Appalachian trail, Te Araroa Trail e diversas outras trilhas de longo curso ao redor do mundo”, acredita Emanuel. No caso da Transmantiqueira, entre as unidades de conservação, muitos trechos passam por estradas, propriedades particulares e trechos urbanos. “Nós precisamos em vários momentos enfrentar quilômetros e quilômetros de estradas, pegamos um dia inteiro de puro asfalto e entramos e saímos de cidades e propriedades particulares. Eu me sentia numa espécie de jornada nômade. Estarmos sempre mesclando passagem por cidades, vilas e pequenas comunidades, transformou nossa trilha em uma jornada cultural também”, diz Emanuel. “Mas alguém tem que se dispor a fazê-la para que as pessoas vejam que é possível e também tentem, talvez assim a cultura sobre o caminho comece a existir e uma estrutura venha com ela”, completa Luan. 

Transmantiqueira
Imagem: Luan Alves Chaves

Devido aos incêndios que devastaram a Serra Fina em 2020, o grupo tomou a difícil decisão de excluí-la do roteiro, para respeitar o tempo de recuperação da montanha. “Não passar pela Pedra da Mina, que considero o coração da serra Mantiqueira, me deixou chateado. Porém, conseguimos montar um roteiro que cruzasse para o outro lado bordeando as montanhas e sem interferir no processo de recuperação da região, o que foi incrível também, pois estávamos sempre avistando a travessia e os picos clássicos por outros ângulos”, diz.

O trio deve produzir um documentário a partir de filmagens captadas por Emanuel e um livro com as fotos feitas por ele e por Luan, assim como pinturas de Manuella. 

Confira o roteiro da Transmantiqueira como realizado pelo trio

Dia 1 – Vargem, SP – Pico do Lopo
Dia 2 – Pico do Lopo – Joanópolis
Dia 3 – Joanópolis – Cachoeira dos Pretos
Dia 4 – Cachoeira dos Pretos – Igrejinha rural entre o Bairro dos Pretos e São Francisco Xavier
Dia 5 – Igrejinha – propriedade particular em SFX
Dia 6 – propriedade particular SFX – condomínio em início de obras em Monte Verde
Dia 7 – condomínio monte verde – heliponto em propriedade particular entre Monte Verde e Sapucaí Mirim
Dia 8 – heliponto – propriedade particular em Sapucaí Mirim a 5km da Pedra Bonita
Dia 9 – estrada Pedra Bonita – Haras em Sapucaí Mirim (propriedade particular)
Dia 0 – Sapucaí Mirim – Fazenda Lila em São Bento do Sapucaí (4 dias)
Dia 10 – Fazenda Lila – camping na pousada Barão Montês, São Bento do Sapucaí
Dia 11 – Barão Montês – pico do Imbiri, Campos do Jordão
Dia 12 – Imbiri – casa Tati e Saito em Campos do Jordão (dia da chuva)
Dia 13 – casa Tati e Saito – Pico do Diamante, Campos do Jordão
Dia 14 – Pico do Diamante – camping próximo ao parque Itapeva, Campos do Jordão
Dia 15 – parque Itapeva – chalé abandonado horto florestal, Campos do Jordão
Dia 16 – chalé horto – pousada Santa Maria da serra, Pindamonhangaba
Dia 0 – pousada maria serra – fazenda Lila (4 dias de recuperação pós intoxicação alimentar de um de nós)
Dia 17 – estrada em Pindamonhangaba- fazenda da onça, Delfim Moreira
Dia 18 – fazenda da onça – vale abaixo do pico do carrasco, Delfim Moreira
Dia 19 – vale carrasco – Mirante pico do cabrito, Piquete
Dia 20 – pico cabrito mirante – fazenda Saiqui (propriedade particular), Marmelópolis
Dia 21 – fazenda saiqui – abrigo base pico dos Marins, Piquete
Dia 22 – abrigo Marins – Marins
Dia 23 – Marins – pedra redonda
Dia 24 – pedra redonda – Itaguaré
Dia 25 – Itaguaré – casa Marcelo, Passa Quatro
Dias 0 – casa Marcelo (2 dias)
Dia 26 – casa do Marcelo – campo do muro, Passa Quatro
Dia 27 – campo do muro – casa pesquisador, Floresta Nacional de Passa Quatro
Dia 28 – casa pesquisador – fazenda de queijo de bufala, propriedade particular, Passa Quatro
Dia 29 – fazenda bufula – casa em vilarejo Rio Abaixo, propriedade particular, Itamonte
Dia 30 – casa rio abaixo – camping do Will, Engenho da Serra
Dia 31 – camping Will – quintal do Zé, propriedade particular, entre pedra do Picu e serra das colinas
Dia 32 – quintal do Zé – Parque Nacional do Itatiaia, RJ
Dia 33 – PNI
Dia 34 – PNI
Dia 35 – PNI – camping saída do parque
Dia 36 – camping saída do parque – camping em frente a casa do Juvanil, propriedade Particular, Campo Redondo
Dia 37 – casa Juvanil – camping em frente a casa do Rafael, propriedade particular, em Aberta
Dia 38 – casa Rafael – beira estrada chuva, propriedade particular próxima a LMG-881
Dia 39 – vale do Garrafão, Parque Nacional Serra do Papagaio
Dia 40 – vale do Garrafão – pico do Garrafão
Dia 41 – Garrafão – camping selvagem serra papagaio
Dia 42 – camping selvagem – Abrigo Chorão
Dia 43 – Abrigo Chorão – cachoeira do Charco
Dia 44 – Cachoeira do Charco – Retiro dos Pedros
Dia 45 – Retiro dos Pedros – Casal garcia

(Do dia 39 ao dia 45 estivemos sempre dentro do Parque Nacional Serra do Papagaio)







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