Montanhismo: Qual é a travessia mais difícil do Brasil?

Por Pedro Hauck*, do Alta Montanha

Montanhismo: Qual é a travessia mais difícil do Brasil?
Imagem: Fernando Brasil/Unsplash

Travessia é o conceito dado a uma caminhada que começa em um ponto e termina em outro diferente. No montanhismo se tornou um conceito famoso, pois, de acordo com ele, para ir de um ponto a outro você não escala uma montanha somente, mas sim várias e de uma só tacada — geralmente escalando uma serra inteira. Mas, afinal, qual é a travessia mais difícil do Brasil?

Falando na mais difícil, sempre nos vem à mente a travessia da Serra Fina, localizada na Serra da Mantiqueira, no Maciço de Passa Quatro, entre São Paulo e Minas — mas não é essa a mais complicada do país.

No entanto, ela de fato não é a mais fácil. Como o nome sugere, essa travessia se desenvolve em cristas de montanhas com mais de 2.000 metros, em locais que às vezes são tão finos que dão vertigem. A grande dificuldade é exatamente essa. Na crista da montanha, não há nascentes de rios, e o montanhista que desafia essa travessia de 32 km, que passa pelos picos do Capim Amarelo, Pedra da Mina, Cupim de Boi, Três Estados, Altos Ivos e outros sem nome, ficam quase sem água o tempo todo, sendo necessário carregar o precioso liquido em mochilas.

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Apesar das dificuldades, a Travessia da Serra Fina não é, nem de longe, a mais difícil do Brasil, como muitas pessoas gostam de afirmar. Na verdade é difícil dar um título de “a mais difícil”, pois com a evolução do montanhismo no país, mais e mais pessoas têm conquistado travessias muito difíceis. Mesmo se considerarmos apenas as travessias já famosas e consolidadas, ainda assim a Serra Fina não seria a mais difícil.

Isso porque, na década de 1990, diversos montanhistas casca-grossa do Paraná resolveram abrir travessias nos principais blocos montanhosos da Serra do Mar. A primeira grande travessia aberta por lá foi a da Serra do Marumbi. Essa travessia começa no Morro do Canal, passa pelo Ferradura, Carvalho, Sem Nome, Mesa, Alvorada 2, 3 e 4, Espinhento, Pelado, Ângelo, Leão, Boa Vista, Olimpo, Gigante, Ponta do Tigre e enfim termina na estação Marumbi.

São cerca de 20 km, bem menos que as anteriores. Porém, pela quantidade de cumes e distância, dá para ter ideia que o sobe-e-desce é muito grande. Outra dificuldade é a vegetação. Lá a serra é mais baixa, chove mais, tem mais vegetação e a trilha quase não existe, pois o número de gente que percorre a trilha é insuficiente para que fique aberta. Essa travessia foi denominada nos anos 60 de Alfa-Ômega pelo veterano montanhista Henrique “Vitamina” Schmidlin, pois percorre o Marumbi do começou ao fim.

A mesma equipe de amigos que repetiu a Alfa-Ômega em 1995, publicando o feito na antiga revista Vertigem, um pouco depois se ocupou em conquistar uma nova travessia entre os cumes ainda desconhecidos da Serra da Farinha Seca, um bloco montanhoso um pouco mais ao norte do Marumbi. A Farinha Seca, erroneamente chamada de Serra da Graciosa, por ser tangenciada ao norte pela famosa estrada que liga o planalto curitibano ao litoral paranaense e é até hoje um bloco montanhoso pouco conhecido e frequentado, com diversos cumes sem nome definido.

Para finalizar as travessias casca grossa do Paraná, resta relatar a mais frequentada e mais difícil de todas, a travessia da Serra do Ibitiraquire, o bloco montanhoso onde fica a maior elevação do Sul do Brasil, o Pico Paraná.

A “Transmantiqueira”

É difícil afirmar qual é a travessia mais difícil do Brasil. Há uns dez anos, uma equipe de São Paulo, liderados pelo Antonio Calvo, uniu três travessias na Serra da Mantiqueira: a Travessia Marins x Itaguaré, Serra Fina e Posto do Marcão x Visconde de Mauá, no Parque Nacional do Itatiaia, numa única travessia por eles denominada de “Transmantiqueira”, que seria a maior travessia entre montanhas do Brasil. De fato ela é, mas entre cada bloco montanhoso e outro, há extensos trechos de estrada rural e até BR´s, que tiram um pouco o ar de travessia em montanha da Transmantiqueira. Ela já foi feita inteiramente à pé e em solitário, mas só seria de fato aceita se fosse percorrida de começo a fim por trilhas, mesmo que tangencie algumas estradas.

Vejo que o futuro das grandes travessias seja unir trechos consolidados com novos trechos, fazendo que o começo e o fim fiquem cada vez mais distantes e completos. Mesmo sem definir qual é a travessia mais difícil do Brasil e ainda incompleto, pois aqui retrato fatos que são do meu conhecimento, neste artigo posso concluir que a Travessia da Serra Fina não é nem de longe a mais difícil do Brasil, sendo apenas o fruto de um mito.

Apesar de todas as histórias que citei, acredito que existam dezenas de outras travessias Brasil afora que sejam muito mais difíceis e também lindas como a Serra a Fina. Justiça seja feita e que o reconhecimento venha para os protagonistas das histórias produzidas por aqueles homens e mulheres que venceram o desconhecido e desbravaram serras inteiras em busca de aventura e superação.

* Pedro Hauck é escalador, montanhista, geógrafo, professor e atual editor do site Alta Montanha, onde publica suas experiências desde 2007. O Alta Montanha é um espaço virtual inteiramente dedicado ao montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui.







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