Skate no Brasil: Da contracultura à medalha Olímpica, uma revolução cultural em movimento

Skate no Brasil: Da contracultura à medalha Olímpica, uma revolução cultural em movimento
Skate Park masculino. Na foto o atleta Pedro Quintas durante fase classificatória para final Fotos: Gaspar Nóbrega/COB
Por Evelyn Rachid

Apesar da sua grande fama entre, principalmente, os jovens, o skate já foi uma atividade muito marginalizada e até proibida em São Paulo, no passado. E de Bob Burnquist, Chorão e Rayssa Leal, o skate resiste por anos no Brasil, criando um laço firme na nossa cultura, se desvinculando da imagem de “coisa de vagabundo”, para esporte Olímpico.

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Atualmente, estima-se que aproximadamente 8,5 milhões de pessoas praticam o esporte, e após a pandemia, com a grande estreia nas Olimpíadas de Tóquio, a atividade ficou ainda mais popular.

A popularização do skate no Brasil

O esporte surgiu por influência do surf, na Califórnia, nos Estados Unidos, em meados dos anos 1960. Ao que se sabe, os surfistas queriam uma alternativa para continuar surfando nas temporadas de maré baixa, fora do mar. A alternativa foi juntar rodinhas de patins com “shapes”, criando uma nova forma de surfar, que foi chamada de “sidewalk surf”.

O skate também chegou ao Brasil na década de 1960, provavelmente apresentado por quem ia passar temporadas na gringa, ou até mesmo dos norte-americanos que visitavam o Brasil. Na época, a atividade era chamada de “surfinho”, e teve sua criação semelhante à gambiarra que foi feita pelos californianos: com rodas de borracha ou ferro, e tábuas de madeira, que nada se pareciam com os shapes que a gente conhece hoje.

As revistas gringas também foram importantes para exportar essa atividade (que não demorou muito para se tornar um lifestyle) para o Brasil. Mas o grande ‘boom’ foi em 1970, no Rio de Janeiro, onde haviam até ruas para os skatistas praticarem suas manobras.

O skate e seus praticantes tiveram que driblar muitos preconceitos, sendo associados à marginalização e ao crime ao longo de décadas. Em 1988, o prefeito Jânio Quadros proibiu a circulação de skatistas em São Paulo, o que acarretou diversos protestos na capital contra as novas leis.

Skate no Brasil: Da contracultura à medalha Olímpica, uma revolução cultural em movimento
Reprodução/ Alexandre Tokitaka/ Folhapress

Em uma entrevista à Revista VICE, o skatista Rui Moleque, relembrou desta época contando que ele se sentia um criminoso, porque tinha que se esconder da polícia para andar de skate: “Colocava adesivo com os dizeres ‘Skate Não É Crime’ nos picos de skate, as delegacias com salas lotadas de até o teto. Era cômico, para não dizer trágico”.

O momento caótico entre Estado e skatistas durou até 1989, quando Luiza Erundina revogou as proibições no seu primeiro mês de mandato na cidade.

Mas se você viveu os anos 1990, com certeza vai se lembrar como a juventude respirava e vivia o skate com grande afinco. Isso porque, além das grandes lendas do skate, como Tony Hawk, Tony Alva e até mesmo o brasileiro Bob Burnquist – maior vencedor do X Games e melhor skatista do ano no mundo em 1997, eleito pela revista Trasher -, os brasileiros ainda tiveram uma grande influência que veio dos palcos, com a banda Charlie Brown Jr.

O skate como lifestyle dos jovens e influenciador na cultura do país

O vocalista da banda, Alexandre Magno Abrão, mais conhecido como Chorão (que faleceu em 2013), foi um dos percursores, se não o maior entre eles, a propagar a cultura do skate no Brasil, além das pistas, trazendo essa atividade para suas canções e estilo de vida; que, inclusive, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Spotify, o Charlie Brown Jr ainda é a banda mais ouvida entre os skatistas.

Em uma entrevista para a Go Outside, a atleta Yndiara Asp (25), finalista dos Jogos Olímpicos em Tóquio e a primeira brasileira a ser campeã mundial no Skate Park, comentou que a música sempre esteve atrelada ao esporte.

“Música faz parte da culta e do lifestyle do skate, nossas sessões e treinos sempre tem música tocando. Ajuda a drenar, elevar a energia e passar mensagens positivas e motivadoras, além de deixar tudo mais divertido”, comentou.

Outro ponto interessante, são as vestimentas. Independente da idade, os skatistas possuem um estilo bem característico, o que acabou influenciando bastante na prosperidade do mercado, movimentando cerca de 1 bilhão de reais ao ano em acessórios e roupas, de acordo com a Sports Good Intelligence (SGI Europe) em parceria com a Adventure Sports Fair (ASF).

Skate no Brasil: Da contracultura à medalha Olímpica, uma revolução cultural em movimento
Coleção Vans X Yndiara Asp. Foto: Divulgação

A verdade é que o skate, apesar de ser uma atividade praticada individualmente, trouxe para muitas pessoas o sentimento de pertencimento à uma comunidade. O que fez total diferença em diversas realidades, desde ajudar a retirar jovens do mundo das drogas e da criminalidade, até ajudar pessoas a terem uma vida mais saudável e menos sedentária.

O atleta Sandro Dias, mais conhecido como “Mineirinho”, e considerado o “Rei do 540”, atribuiu ao skate tudo o que ele tem hoje, desde suas conquistas, até lições importantes que ele carrega para a vida.

“O skate foi muito importante na minha formação como pessoa, de aprender a lidar com desafios, aprender a lidar com erros, principalmente; com acertos, me levou para uma vida mais saudável. Foi o skate que trouxe tudo o que tenho”, apontou ele.

“Eu sempre falo que o skate é um pouco de tudo: é um pouco da minha diversão, do meu trabalho, terapia, da minha família, meus amigos, minha paixão. Ele representa muita coisa na minha vida e é o que me faz bem. Ele me motiva a acordar, a continuar vivendo, sabendo que com o ele eu consigo ajudar muitas pessoas, consigo viver bem, consigo dar uma boa estrutura pra minha família. E hoje minha vida é toda voltada ao skate. Graças à ele eu estou aqui”.

Para Luiz Francisco, “Luizinho”, o skate foi a porta de entrada para uma vida melhor para ele e sua família.

Luizinho nas Olimpíadas de Tóquio 2020, competindo na categoria Park. Foto: @juliodetefon

“Comecei a andar de skate quando tinha cinco anos de idade. Um primo meu, na época, tinha ganhado um skate e eu fiquei com vontade de ter um também. Mas, naquele período, a minha mãe não tinha condições de me dar um. E ela também demorou um pouco para aceitar. Minha avó, então, que me deu um de presente. Desde então foi só alegria”, relembra ele com carinho.

“Eu sou do interior de São Paulo, de uma área periférica, então o skate me deu a oportunidade de sair dali e mudar a minha vida. O skate me deu a chance de mudar a vida da minha família”.

Felipe Gustavo trocou o futebol pelo skate aos 7 anos, e desde então tem sido uma trajetória e tanto!

“Comecei a andar depois que meu irmão mais velho começou. Eu jogava bola quando criança, mas ficava bolado sempre por ser um esporte que você depende das pessoas. Por isso, fui deixando a bola de lado e comecei a andar de skate. Ali era só eu e ele. Desde então, aos 7 anos, comecei a amar andar de skate. Hoje, aos 32, ainda tenho o mesmo amor. Não há nada melhor do que estar em cima do skate”.

O reconhecimento do skate como esporte nas Olimpíadas

Duas décadas antes, o esporte já havia sido cotado para integrar os Jogos Olímpicos, quando ocorreu uma das primeiras edições do X Games em 1996, com a participação de Tony Hawk, mas a ideia acabou sendo descartada. O skate precisou passar por um longo processo de desmarginalização até se tornar uma modalidade olímpica.

A ideia do Comitê Olímpico Internacional (COI) de integrar o esporte tanto tempo depois, foi de atrair a atenção de um publico mais jovem e urbanizar cada vez mais a competição, o que acabou sendo um acerto e tanto, já que durante o período da competição, a internet acabou se mobilizando para assistir skatistas dando um show nas categorias de Street e Park, principalmente os brasileiros, quando Rayssa Leal – a atleta mais jovem na história dos Jogos a representar o país – e Kelvin Hoefler garantiram seus lugares no pódio, com medalha de prata no Street, e Pedro Barros, no Park.

Skate no Brasil: Da contracultura à medalha Olímpica, uma revolução cultural em movimento
A atleta Rayssa Leal, medalhista de prata durante cerimônia de premiação. Foto: Wander Roberto/COB.

Após o grande sucesso nos Jogos Olímpicos, o skate tem crescido cada vez mais, e se antes o Brasil era considerado o país do futebol, talvez nos próximos anos o skate entre para o favoritismo de todos os brasileiros, já que, de acordo com a pesquisa do Atlas do Esporte no Brasil, o esporte está em sétimo lugar, como um dos mais praticados no país.

Para a nova geração, o efeito já está acontecendo. Com a ascensão da skatista Rayssa Leal, que quando começou, era a mais jovem na modalidade, outras crianças e jovens tem se dedicado ao esporte para conquistar seus sonhos, como a atleta Helena Laurino (11), medalhista de prata no STU Vert Battle em 2022, que sonha em ser medalhista mundial e olímpica.

“Comecei a andar de skate aos 6 anos. Eu andava de patins inline e fui proibida de entrar no Bowl do clube de patins, então pedi para o meu pai comprar um skate. O meu primeiro skate foi de brinquedo, da Barbie, mas logo depois meu pai comprou um skate de verdade e então passei a fazer aulas e andar em pistas diferentes”, contou ela.

“O skate me ensina todos os dias que para acertar uma manobra eu preciso de treino, repetição e vontade. O skate me faz cair e levantar até conseguir. Desde que comecei a andar de skate eu sempre gostei de competir e o meu maior desejo é ser uma medalhista mundial e olímpica”, conclui.

Apesar do esporte enfrentar diversos preconceitos até hoje, é incrível ver como ele venceu as barreiras do tempo, sob o esforço de tantos skatistas que lutaram pelo seu reconhecimento, proporcionando a mudança de vida de milhares de pessoas. E claro, se tornando um dos esportes mais comentados da atualidade, tanto nos Jogos Olímpicos, quanto fora dele.







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