Sou ciclista de gravel, embaixadora da Swift Carbon BR e tenho sido, até o momento, a única mulher a largar nas provas que tenho feito da série de BRMs (ou brevets) mistos do Randounneurs Mogi das Cruzes – RMC (300km, 400km, 200km). A ansiedade é uma constante antes das provas, tenho medo. Mas gosto muito de me permitir ir mais longe. Dessa vez não foi diferente.
Estava apreensiva com a previsão do tempo, falei com amigos “se chover, eu não vou”, não ia dar tempo, o percurso era muito duro por si mesmo para enfrentar qualquer intempérie. Foram 200 km, com 4.300m, sendo que a “cereja” do bolo estava após 130 km: tínhamos que enfrentar 50 km de terra com praticamente 2.000m. Parecia impossível, mas eu queria me desafiar, eu não tinha ideia do que meu corpo seria capaz nessa equação de distância/altimetria/tempo. O desejo de me desafiar, mais uma vez, venceu meu medo e ansiedade.
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Dois dias antes da prova, cheguei a achar que tinha perdido a minha carteira e pensei “pronto, não vou poder ir, estou sem documento”. Achei a carteira e estava apenas perdida em casa. Na véspera da prova, viajei de carona com dois dos organizadores, questionei eles sobre a possibilidade de largar mais cedo, como é nas provas maiores: 300, 400 e 600. Mas disseram que todos largariam juntos. Mais uma vez, um medo: ficar para trás e sozinha. Gosto de largar mais cedo como forma de garantir que sempre vai ter gente atrás para me alcançar, mas não teve jeito.
Largaríamos às 7 horas, todos juntos. Consegui dormir bem nas noites dos dias anteriores, fiz recovery, treinei leve durante a semana, comi bem no café da manhã e era só “executar” o que eu sei fazer: parar pouco, comer na hora certa, ser constante e pedalar. O dia estava lindo, o clima perfeito e o percurso duríssimo, provavelmente o brevet de 200 km mais difícil do Brasil.
Minha cabeça estava um turbilhão de pensamentos, questões pessoais assombraram minha mente. Nessas horas é bom deixar tudo sair, pensar, chorar e seguir em frente. Aos poucos o flow da prova entra em um nível absurdo na cabeça que nada importa mais que o presente, a paisagem, a bicicleta e você.
Não estava no meu dia mais focado, mas dei tudo de mim, fui super objetiva nas paradas, apenas comprando água, indo no banheiro, se necessário, e seguindo. Otimizei tudo que poderia, levei comida e suplementação suficiente para isso.
Tive alguns problemas bobos com lanterna que me fizeram perder um pouco mais de tempo do que gostaria, pegar uma descida longa de terra (10 km) de noite, com pedras soltas me fez reduzir bem também. Quando estava chegando no último PC vi o Alan voltando e ele me gritou “corre que dá tempo”, eu já me sentia exausta e queria apenas chegar. Tinha mais uma subida e depois uma descida sem nenhum tipo de iluminação, nem olho de gato, também não me senti segura para acelerar, optei por ir num ritmo que me permitisse não cometer erros.
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Compartilhei a estrada com inúmeras pessoas, recebi e dei muitas palavras de incentivo. O apoio para continuar é muito grande. Como sou extremamente constante, muitas pessoas ficaram pra trás e eu fui descobrindo ao longo do percurso. Parei 45 minutos ao todo, mais tempo do que eu gostaria, mas o estritamente necessário para me abastecer e continuar, assim como resolver alguns imprevistos: queda de corrente, troca de pilhas de lanterna, etc.
Cheguei em Monteiro Lobato (SP) e meus amigos estavam lá, me recebendo, na maior alegria por eu ter terminado. Cheguei com 15 minutos além do tempo previsto para brevetar, mas, sem dúvida, numa alegria enorme de ter me permitido me desafiar mais uma vez a estar na linha de largada. Espero que mais pessoas se desafiem, permitam-se viver novas experiências e ir mais longe!
Minha cabeça estava um turbilhão de pensamentos, questões pessoais assombraram minha mente. Nessas horas é bom deixar tudo sair, pensar, chorar e seguir em frente. Aos poucos o flow da prova entra em um nível absurdo na cabeça que nada importa mais que o presente, a paisagem, a bicicleta e você.
Há dois anos escolhi comemorar meu aniversário fazendo o brevet misto de 300 km de Guararema do RMC, que sempre cai na data do meu aniversário. Pedalar o dia todo é uma festa. Li uma vez “Nós” da Tamara Klink e um trecho me marcou muito, sobre as minhas alegrias, paixões e desejos do ciclismo de longa distância: “como comemorar a chegada se a nossa festa é ir sempre mais longe?”.
Acompanhem os próximos desafios dessa jornada rumo ao troféu Paralelepído Dourado (troféu para quem completa a série mista do RMC em um ano).
*Helena Coelho é ciclista e idealizadora da página Mulheres de Gravel.