O corpo humano está repleto de micróbios, por dentro e por fora. E apenas agora os cientistas estão descobrindo o quanto eles são importantes para os atletas
Por Alex Hutchinson
ALGUNS DOS DESAFIOS que os corredores tiveram que enfrentar na ultramaratona Race Across USA, prova de 140 dias de duração, já eram esperados: atravessar passos de montanha de quase 2.500 metros de altura, sofrer com inúmeras bolhas nos pés e lidar com o acúmulo de cansaço enquanto percorrem a vastidão dos 4.984 quilômetros que separam Huntington Beach, na Califórnia, da baía de Chesapeake, em Maryland.
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Outros, nem tanto, como a chegada, a cada duas ou três semanas, de kits de coleta de amostras embrulhados em gelo seco, que os corredores eram obrigados e preencher com suas próprias fezes e enviar de volta por FedEx a um laboratório na Universidade da Califórnia, em São Francisco, dentro de, no máximo, 24 horas.
“Você está lá superfocado em uma rotina diária de esforço físico e de repente pedem que você faça cocô por encomenda”, diz Bryce Carlson, antropólogo da Universidade Purdue que participou da competição ao mesmo tempo em que coordenou o projeto de pesquisa realizado com seus colegas corredores.
O objetivo do projeto era estudar como a extenuante corrida afetava a microbiota – os trilhões de bactérias que vivem dentro e sobre cada um de nós. Sabe-se de longa data que os micróbios desempenham um papel crucial na digestão, no funcionamento do sistema imunológico e até mesmo na química cerebral, mas apenas recentemente cientistas começaram a explorar como e por que esses pequenos seres provavelmente afetam também a performance física. E vice-versa.
A microbiota de um atleta de elite pode ser bastante diferente da de uma pessoa sedentária. No ano passado, pesquisadores irlandeses compararam os micróbios do intestino de 40 jogadores profissionais de rúgbi com os de pessoas não atletas e descobriram que os esportistas tinham, em média, o dobro de diversidade microbiana. Não está claro se a diferença foi causada pelos treinos, dieta ou alguma outra coisa, porém um estudo recente realizado com ratos pela Universidade de Calgary, no Canadá, sugere que o exercício tem efeitos diretos sobre a variedade dos micróbios de cada pessoa.
Uma microbiota mais heterogênea pode ser benéfica para atletas por muitas razões. Pesquisadores taiwaneses descobriram que ratos com uma flora intestinal mais diversificada aguentam mais tempo em um teste no qual precisam nadar até a exaustão e produzem mais enzimas antioxidantes para proteger seus corpos do estresse do esforço intenso.
E um estudo da Universidade da Tasmânia, na Austrália, descobriu que corredores apresentaram uma melhor performance na esteira com um calor de 35oC depois de tomar probióticos de múltiplas espécies durante quatro semanas. “O fluxo das bactérias do intestino para a corrente sanguínea durante atividades físicas intensas causa inflamações que podem elevar a temperatura corporal”, explica Cecília Kitic, chefe da pesquisa.
Ao tonarem o revestimento do intestino mais saudável, parece que os probióticos ajudam o corpo a tolerar melhor condições quentes. Os micróbios do intestino também liberam na corrente sanguínea hormônios como dopamina, serotonina e noradrenalina, e desempenham um papel-chave ensinando o sistema imunológico a distinguir entre bactérias boas e bactérias prejudiciais à saúde.
NENHUMA DESSAS PESQUISAS, no entanto, estabeleceu uma relação definitiva entre o aumento da microbiota de um atleta e a conquista de um lugar no pódio em suas competições. Mesmo assim, se você é um atleta sério, está claro que precisa prestar atenção nessas questões.
Uma forma de fazer isso: ajudando seu sistema imunológico. Probióticos podem aumentar a quantidade dos micróbios intestinais associados com o funcionamento da imunidade, evitando que você fique doente durante períodos de treinamento pesado.
As evidências indicam “benefícios pequenos e variáveis” em atletas, principalmente evitando que desenvolvam doenças gastrointestinais, diz David Pyne, fisiologista do Australian Institute of Sport. David e seus colegas também descobriram que corredores tomando Lactobacillus fermentum, um probiótico usado em suplementos, diminuem pela metade a incidência de problemas respiratórios durante os treinos de inverno.
É igualmente importante preservar os micróbios que você já tem. Bactérias benéficas localizadas na parte de baixo da língua transformam o nitrato dos alimentos em um novo composto que torna o exercício aeróbico mais eficiente. É por isso que os melhores maratonistas e outros atletas de endurance tomam suco de beterraba, rico em nitratos, antes de competir.
Mas você não obterá nenhum benefício de uma alimentação rica em nitrato se tiver matado as bactérias da sua língua, o que, de acordo com um estudo publicado em setembro por Sined McDonagh e seus colegas da Universidade de Exeter, na Inglaterra, pode ser feito até mesmo com o uso de suaves antissépticos bucais que não precisam de receita médica. Depois da publicação do estudo, cerca de 50 pessoas de Exeter – a maioria atletas e outros pesquisadores – pararam de usar antissépticos bucais.
Atualmente, as amostras de fezes dos corredores da Race Across USA estão sendo classificadas para revelar os grupos de genes e de bactérias presentes neles. Quando as análises estiverem completas, os resultados oferecerão uma primeira visão sobre quão seriamente os exercícios de endurance e os micróbios estão relacionados. Devido às crescentes evidências sobre a importância dos micróbios para a performance, a curiosidade do antropólogo Bryce Carlson, que aparece no início deste texto, é tão pessoal quanto profissional. “Tenho interesse como pesquisador”, diz ele. “Mas também sou corredor, né?”
Otimize suas bactérias
Seguindo estas quatro dicas da nutricionista esportiva norte-americana Jennifer Sygo
> “Alimentos fermentados contêm bactérias que podem ajudar a desenvolver um intestino saudável. Então capriche no iogurte, kefir, chucrute, sopa de missô e kombucha [um tipo de chá de origem oriental feito a partir da fermentação de um fungo].”
> “Coma cebola, alho-poró, semente de chia, banana, alcachofra e mel. Esses alimentos contêm carboidratos não digeríveis que servem de comida para os probióticos.”
> “Tome um probiótico de amplo-espectro que contenha tanto lactobacillus como bifidobacterium, que aportam bactérias saudáveis ao intestino.”
> “Fique longe de sabonetes antibacterianos. Não apenas há poucas evidências de que eles ofereçam mais benefícios que os sabonetes normais e água, mas se teme sobre a possibilidade de que possam diminuir a eficiência dos antibióticos.”