Audrey Cordon-Ragot sabe melhor do que a maioria como uma carreira no pelotão feminino pode ser precária. Competindo no Tour de France Femmes pela Human Powered Health, a ex-campeã nacional francesa sobreviveu a um derrame, duas falências de patrocinadores e à perspectiva de aposentadoria nos últimos 12 meses.

Enquanto se recuperava de um derrame no final do ano passado, sua carreira ficou à beira do precipício depois que sua mudança para a equipe francesa patrocinada pela B&B Hotels desmoronou.

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“O projeto da B&B parecia incrível”, diz Cordon-Ragot. “Mas depois de toda a expectativa e cobertura midiática, a realidade era que não havia dinheiro para financiar a equipe.”

“Tive meu derrame em setembro e três meses depois soube que a B&B estava desmoronando. Mentiram para mim desde o primeiro dia, provavelmente. Percebi que precisava recomeçar”, afirmou a ciclista em depoimento ao jornal britânico The Guardian.

Sua experiência não é única no pelotão feminino. É preciso um tipo especial de resiliência para suportar a incerteza dos patrocinadores e as dificuldades do treinamento e das corridas, muitas vezes não remuneradas, na esperança de que um dia seus esforços sejam recompensados. Competir de graça, ou até mesmo financiar a carreira através de familiares e amigos, tem sido comum há algum tempo.

Quando a australiana Jess Allen se mudou para a Europa em 2013, ela estava competindo sem remuneração enquanto tentava construir uma carreira no ciclismo feminino. Agora, uma década depois, ela está participando do seu primeiro Tour de France, pela equipe Jayco AlUla.

Jess Allen começou sua carreira europeia com a equipe Vienne Futuroscope que, nos anos seguintes, se transformou na equipe FDJ-Suez liderada por Cecilie Uttrup Ludwig. O orçamento da equipe patrocinada francesa cresceu de 500 mil euros (cerca de R$ 2,6 milhões) em 2016 para € 3,5 milhões (R$ 18,5 milhões) em 2023.

O diretor da equipe, Stephen Delcourt, é um dos que acreditam que os patrocinadores que investem em equipes masculinas também deveriam fazer o mesmo no cenário feminino. “Para uma marca nos dias de hoje, não ter uma equipe feminina parece uma catástrofe na minha opinião”, diz ele. “O potencial para o desenvolvimento é enorme, enquanto o cenário masculino já está saturado.”

Embora exista uma sobreposição de patrocinadores do World Tour masculino no World Tour feminino, o que significa que pessoal, equipamentos e ônibus da equipe podem ser compartilhados, muitas vezes há uma grande disparidade. Enquanto a campeã do Tour de France Femmes, Annemiek van Vleuten, da Movistar, cruza a linha de chegada e se refugia em um ônibus de luxo com ar-condicionado, outras não têm tanta sorte. Depois da corrida, as equipes menores se espremem como sardinhas em vans.

“Há uma grande diferença entre as melhores e as outras”, diz Pierre-Yves Thouault, diretor assistente de ciclismo da empresa promotora do Tour de France, a A.S.O. “Temos que levar isso em consideração ao projetar o percurso, especialmente no início da corrida, com etapas que não sejam muito difíceis ou longas, para garantir um certo equilíbrio.”

No cerne do problema está uma enorme diferença de financiamento. “Pode chocar algumas pessoas, mas há um nível do pelotão que não é remunerado ou recebe muito pouco”, diz Gaël Le Bellec, diretor esportivo da equipe Cofidis.

Enquanto isso, Cordon-Ragot, que se tornou profissional em 2008 com a Vienne Futuroscope, viu de tudo um pouco. Depois que a equipe B&B Hotels desmoronou no final de 2022, ela se mudou para um novo patrocinador espanhol, a efêmera Team Zaaf. “Aceitei porque basicamente não tinha escolha, mas a equipe não estava estruturada. Não havia nada lá.”

Sua nova equipe estava muito carente do básico necessário para competir no nível de elite. “Chegávamos sem um caminhão adequado, sem um mecânico adequado, sem equipe adequada”, diz ela. “Nossa aparência era ruim, e eu me sentia péssima. Eu estava chorando, minhas colegas de equipe estavam chorando.”

A lacuna no financiamento e habilidades está se fechando, mas não rapidamente o suficiente para acompanhar um calendário em rápido crescimento e expectativas cada vez maiores dos patrocinadores e do público.

“Para mim, as coisas estão progredindo um pouco rápido demais. Os patrocinadores precisam de mais dinheiro para pagar mais ciclistas. É tudo uma questão de dinheiro, mas ao mesmo tempo precisamos dos Grand Tours, porque eles trazem dinheiro para o ciclismo.”

Agora existem três Grand Tours femininos: a Vuelta Femenina de maio, vencida por Van Vleuten, a corrida italiana Giro Donne de julho, também vencida pela ciclista holandesa, e o Tour de France Femmes. A premiação em todas as três corridas é comparativamente baixa em relação às premiações masculinas.

No Tour de France masculino, que tem três semanas de duração, o vencedor geral recebe € 500 mil (R$ 2,6 milhões) e os vencedores de etapa recebem € 11 mil (R$ 57 mil). No Tour de France Femmes, a campeã da corrida ganha apenas € 50 mil (R$ 260 mil), enquanto as vencedoras de etapa recebem € 4 mil (R$ 20 mil). O total do prêmio é de € 250 mil (R$ 1,3 milhão), comparado com € 2,3 milhões (R$ 12 milhões) para os homens.

“Atualmente há mais dinheiro no ciclismo feminino, mas o abismo está aumentando”, diz Le Bellec. “As equipes mais ricas estão ficando ainda mais ricas e as outras estão lutando para acompanhar.”







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