Mente cíclica: a motivação de Henrique Avancini para seguir no topo

Por Alexandre Versiani

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Henrique Avancini vai pra cima em Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro. Foto: Felipe Almeida.

Maior ciclista brasileiro de todos os tempos, Henrique Avancini, 33 anos, sabe bem como os pensamentos negativos podem afetar diretamente o desempenho de um grande atleta. Por isso, de tempos em tempos, o mountain biker natural de Petrópolis tira uma pausa nas altas montanhas da região serrana do Rio para planejar os próximos passos da carreira.

Nas pistas e trilhas uma das suas principais motivações foi sempre tentar ser pioneiro, atitude que moldou uma carreira recheada de conquistas inéditas e grandiosas. Entre dezenas de títulos, Avancini foi o primeiro brasileiro a ganhar uma etapa de Copa do Mundo, o primeiro da história a vencer provas em todas as modalidades do mountain bike e o único brasileiro a conquistar o título de campeão mundial (XCM, em 2018).

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Mais do que isso, com muita perseverança e uma maturidade fora da curva, foi de azarão do circuito mundial para um dos maiores nomes da modalidade, quebrando paradigmas em um esporte tradicionalmente dominado pelos europeus.  

Ainda assim, mesmo com tantas façanhas no currículo, Avancini não conseguiu escapar de conflitos internos dos quais nem mesmo os grandes ícones da história escapam. Ao terminar 2020 vencendo a Copa do Mundo e liderando o ranking mundial, a motivação já não era mais a mesma durante a pandemia. Sem conseguir manter o mesmo nível de performance, foi preciso repensar alguns pontos da carreira.

Avancini representará as cores da Caloi nesta temporada. Foto: Felipe Almeida.

“Em um momento comecei a me questionar se valia a pena buscar mais coisas, e por que eu continuava fazendo isso. Quando cheguei ao posto de número 1 do mundo, achei que todos à minha volta ficariam felizes, mas não foi exatamente o que aconteceu”, conta Avança. “Quando você está em lugar de maior destaque, você passa a incomodar mais, começa a ter mais conflitos, divergências. Isso foi algo que pesou muito para mim”, complementa o brasileiro, que já representou o País em dois Jogos Olímpicos.

Na época, aos 30 e poucos anos — e os primeiros fios de cabelo branco na cabeça — Avancini precisou de auxílio profissional, do apoio da família e de velhos amigos para se reerguer. O prazer de pedalar só voltou em meados de 2022, quando foi o anfitrião da histórica etapa do mundial de short track e cross country olímpico no seu quintal de casa. Consequentemente, as belas montanhas da Cidade Imperial também o fizeram vislumbrar o que seria preciso para recuperar o seu lugar no topo da pirâmide do MTB mundial.

Assim, depois de oito anos de Cannondale, o atleta decidiu trocar de equipe, passando a representar as cores da Caloi nesta temporada. Da marca que o projetou internacionalmente, Avancini ganhou carta branca para montar uma equipe, atrair novos parceiros e desenvolver produtos. Em um projeto ambicioso, ele também terá a missão de reposicionar a marca no mercado brasileiro de alta performance. Para isso, será o comandante de um staff de 15 profissionais de ponta, incluindo um time exclusivo para a base na Europa.

O projeto prevê a participação da equipe nas maiores provas do calendário internacional, como Cape Epic, Copa do Mundo, Campeonato Mundial, além das principais corridas do calendário nacional. A equipe Caloi / Henrique Avancini Racing também contará com três expoentes da nova geração do MTB brasileiro: Ulan Galinski, Sabrina Oliveira e Cainã Oliveira.

Em Petrópolis, onde tudo começou para o atleta, Avancini recebeu a equipe da Go Outside para uma conversa sobre a nova fase da carreira.

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Foto: Felipe Almeida.

Como foi a decisão de deixar a Cannondale?

Profissionalmente foi um momento bem difícil, de muitos atritos, negociações, e que durou mais de um ano. Passei oito anos em uma equipe de fábrica, e neste período fui crescendo, conquistando respeito internacionalmente, ganhando destaque no Brasil e no mundo. Cresci em todos os aspectos na minha carreira. Financeiramente também, cheguei a ser o segundo atleta mais bem pago da elite do MTB mundial e o mais bem pago da história da Cannondale. Mas houve uma hora em que alguns princípios meus como atleta começaram a entrar em conflito com as pessoas à minha volta e também dentro de mim. Comecei a lutar muito com isso. Foi aí que literalmente pedi para sair. Queria ter liberdade, ter escolhas. Foi uma das decisões mais importantes da minha carreira, conquistar esse ponto de liberdade.

E como foi o processo de acerto com a Caloi?

Após o término do meu contrato, recebi muitas ligações de diretores de empresas, team managers, e nesse período, antes de qualquer coisa, preferi sentar e conversar com algumas pessoas importantes na minha vida. Recebi propostas maiores, quantias que jamais havia imaginado, propostas realmente interessantes e que me deixaram muito feliz. Mas analisei as possibilidades e escolhi seguir pelo caminho que talvez represente o maior desafio e a maior chance de deixar algo significativo na minha carreira e no esporte do Brasil. Então, antes de mais nada, essa nova parceria representa para mim um passo a mais na minha trajetória. 

Como combinar a disciplina e a determinação que um atleta precisa ter e ao mesmo tempo administrar uma equipe?

Não é nenhuma novidade para mim. Faço gestão de um time há oito anos, desenvolvo produtos desde que fui para a Europa, com 20 anos. A diferença agora é a proporção, que mudou tudo. Ter praticamente carta branca, acesso livre a grandes marcas. Então isso está abrindo novas possibilidades. A força que a gente tem para desenvolver produtos, parcerias a nível global, tem me impressionado muito. Por isso que chegamos a uma das bikes mais leves — e diria uma das mais eficientes — do pelotão mundial. Então acho que isso já diz muito.

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Os Jogos de Paris 2024 serão sua prioridade?

Voltar a conquistar bons resultados no campeonato mundial é minha prioridade para depois quem sabe pensar em Olimpíadas. Mas a minha atividade agora não é só como atleta, priorizo outras coisas também. Coisas que eu já fazia de forma secundária. Então isso sim será um desafio.

Avancini comanda os treinos com a nova equipe. Foto: Felipe Almeida.

Como tem sido os primeiros momentos com a equipe?

Tenho trabalhado muito na forma de como vamos nos estruturar, encontrar o equilíbrio mental e assim continuar buscando ferramentas para otimizar a minha preparação. Nas reuniões costumo dizer que não sou um cachorro velho voltando para o canil para morrer. Vim para esse projeto porque eu enxerguei um enorme desafio e a oportunidade de, fazendo isso dar certo, chegar à maior conquista que eu posso ter na minha carreira. Ganhei grandes eventos e construí uma carreira significante no cenário mundial. Mas isso se deu correndo por uma equipe de fábrica que já existia, que já era consolidada. Agora tem muito mais coisa inédita acontecendo, muitos outros desafios rolando ao mesmo tempo. Meu grande objetivo e sonho é ganhar esse ambiente.

Qual o maior legado que você acredita que possa deixar para o mountain bike?

Antes de mais nada eu não me vejo como um ser especial. Gosto de reforçar e de frisar isso. E gostaria muito de inspirar as pessoas nesse sentido, lembrando que eu não sou necessário para o mountain bike, que as coisas grandiosas e extraordinárias que conquistei, foram alcançadas respeitando essa humanidade que eu tenho. Essa é a mensagem que eu tento passar ao máximo para estimular as pessoas. Não quero ser visto como algo “necessário” para a modalidade ou para a bicicleta no Brasil. Sei da minha relevância, construí algo de valor para o MTB e o ciclismo no Brasil, mas não gosto de ser necessário. Acho que tenho prazo de validade e sou sujeito ao fluxo normal da vida. Eu estava buscando a renovação para continuar sendo esse tipo de exemplo, e não outra coisa. Então talvez o maior legado que eu posso deixar é a mudança de mentalidade.

Ter uma equipe própria, formada por atletas da nova geração, é uma forma de retribuir o que o MTB fez por você?

Sim, acredito que é uma forma de retribuir, mas além disso é uma forma de eu extrair ainda mais do MTB. Acho que é uma troca contínua e quanto mais eu tento dar para o esporte, mais eu acabo tendo a possibilidade de receber do esporte também. Esse é um projeto ambicioso, arriscado, de uma amplitude ainda maior e com barreiras maiores também. Eu sei que se der certo o retorno em todos os aspectos tende a ser mais positivo também e é isso que eu venho buscando.

Teremos um novo Avancini em breve?

Acho que muita gente tem essa expectativa, que a partir de um projeto como esse venha o próximo Avancini, um novo Avancini no ambiente do MTB brasileiro. Eu acredito muito na individualidade, no poder de cada um, no valor da característica pessoal e da história que cada um pode contar. Isso eu tento valorizar através do nosso time. Acho que o meu momento, a minha jornada de carreira, praticamente não dá para repetir. Porque eu vim de um esporte que ainda não era grande no Brasil, e hoje é. O mercado está desenvolvido, a gente não tinha grandes competições, hoje nós temos. A gente não tinha investimento, hoje temos. Isso cria certas facilidades, porém traz também certos desafios. Então o ambiente é totalmente diferente, muito maior, muito mais complexo. Sim, traz grandes possibilidades para que nós tenhamos outros atletas de expressão de nível mundial, acredito que isso possa acontecer, mas acredito que essa jornada vai ser um pouquinho diferente. Talvez com menos barreiras do que tive no começo, mas para chegar ali de fato no topo esses atletas talvez tenham mais desafios, como brasileiros, de lidar com a expectativa de ser comparado com alguém que já foi número 1, que já venceu a Copa do Mundo. Então já existe um padrão de comparação que eu não tive.

Como será sua preparação mental neste ano para fazer diferente das últimas temporadas?

Estou tentando fazer algumas coisas diferentes nesse ano. O primeiro grande desafio foi estruturar o ambiente em que eu iria trabalhar. Construir o staff e toda operação esportiva foi um primeiro desafio pensando em performance. Foi aí que eu pude ajustar muitas coisas que eu fazia em relação a otimizar essa parte de operação esportiva, seguindo o que minha experiência diz, o que é melhor para mim ou para um atleta brasileiro. Assim, é uma coisa muito mais segmentada. Acredito que isso vá  trazer um ganho de performance a curto ou médio prazo. Além disso, entro numa fase de calibragem de certas coisas na minha preparação, e preciso buscar novos estímulos. Acho que minha motivação voltou a estar muito alta. Eu tenho por outro lado a experiência e a vivência, só preciso achar os inputs certos ali, as faíscas certas para realmente aproveitar esse ano e transferir isso para minha performance.







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