Quer criar filhos que amam a vida ao ar livre? Siga este exemplo da Noruega

Por Gordy Megroz*

ar livre
Uma criança brincando na neve em Oslo, 1935.

Bem antes do antes do nascimento da minha filha Sophie, na primavera passada, eu sentia uma certa desilusão com o modo americano de criar os filhos. Muitas das minhas objeções convergiam em um único e amplo tema: não cultivamos mais em nossos filhos um relacionamento saudável com as brincadeiras ao ar livre.

O problema é familiar: estudos recentes mostram que o tempo não estruturado ao ar livre – conhecido como o livre brincar, nas palavras de especialistas em desenvolvimento infantil – melhora o bem-estar físico e mental, mas as crianças não conseguem se desvencilhar de seus tablets, smartphones e Xboxes por mais de uns poucos minutos.

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Quando as atividades ao ar livre estão presentes, a ênfase é estritamente focada na especialização esportiva e na competição. Onde moro, perto de Aspen, Colorado, vejo crianças monitoradas tão de perto pelos pais que qualquer coisa que se pareça com autonomia ou autoconfiança é perdida. Não é assim que quero criar Sophie. Quero que ela faça suas próprias coisas, experimente várias atividades e desenvolva as habilidades que lhe permitirão encontrar alegria ao ar livre.

Nas semanas que antecederam seu nascimento, pesquisei países que adotam uma abordagem diferente para a criação dos filhos. Me deparei com um estudo de 2020 publicado na The Lancet, a mais importante revista médica com revisão por pares da Inglaterra, que identificou várias métricas mentais e físicas entre crianças – tudo, desde felicidade e satisfação com a vida até nutrição e saúde – e classificou os países de acordo. Os Estados Unidos ficaram em 39º. No topo da lista: Noruega.

O relatório levantou uma questão óbvia: Por que os pais noruegueses estão se saindo tão melhor do que os americanos? Como descobri, o acesso ao ar livre e o gosto por brincar livremente são essenciais.

Minha pesquisa foi auxiliada por uma feliz coincidência. No início do ano passado, conheci os Lockers, uma família norueguesa-americana que recentemente se mudou para Aspen. Alguns meses antes de Sophie nascer, sentei-me com John e Camilla Locker para entender sua perspectiva sobre a criação de filhos ao ar livre no estilo norueguês. John é da cidade de Nova York; Camilla nasceu e foi criada em Oslo. Durante a pandemia, a família mudou-se para a Noruega e mandou o filho de três anos e meio para uma escola na floresta – uma pré-escola onde tudo acontece principalmente ao ar livre.

“A interação entre as crianças e o ambiente, que podem ser playgrounds urbanos ou a floresta ou montanhas em uma área mais rural, é o que cria resiliência”, disse Kristin Vindhol Evensen, da Escola Norueguesa de Ciências do Esporte.

“Ele voltou para casa no primeiro dia com uma faca”, disse John. “Fiquei chocado. Mas eles o ensinaram a usá-la com segurança, e logo ele estava trazendo colheres, tigelas e outras coisas que ele mesmo talhava.”

Nas escolas da floresta, mesmo o clima inclemente proporciona diversão ao ar livre, contam os Lockers. “Nos dias de chuva”, lembra Camilla, “eles colocam uma grande lona em um morro, cobrem com sabão e deixam as crianças escorregarem”. Os pequenos tiravam sonecas do lado de fora no auge do inverno.

“Isso porque usamos lã”, disse a norueguesa Anine Husebye Haug. Haug, 22, estava passando o inverno com os Lockers e contou histórias de sua própria criação. Ela ficou chocada com as más escolhas de agasalhos que viu no Colorado. “Os americanos usam roupas erradas – sintéticas! – então, quando estão esquiando, devem entrar para tomar chocolate quente a cada duas descidas. Nós nunca entramos.” Acontece que esses suéteres de lã pesados são mais do que moda.

Essas experiências – frequentar uma escola na floresta, dormir ao ar livre no inverno – fazem parte da identidade nacional dos noruegueses, que em parte está enraizada na capacidade e resiliência da vida selvagem. Axel Rosenberg, professor da Escola Norueguesa de Ciências do Esporte em Oslo, me contou que essa característica é capturada pela palavra friluftsliv (nem se preocupe em tentar pronunciá-la). O termo remonta ao final do século 19 e foi popularizado por Roald Amundsen, que em 1911 se tornou o primeiro explorador a chegar ao Pólo Sul.

“Traduzido literalmente, significa ‘vida ao ar livre’, disse Rosenberg. “É como pensamos sobre a natureza, como nos relacionamos com a natureza e como integramos a natureza em nossas vidas diárias.”

O termo é creditado a Henrik Ibsen, que o usou no poema de 1859 “On the Heights”, sobre a jornada de um agricultor pelo deserto. Mais tarde, por volta da virada do século 20, os noruegueses procuraram se diferenciar da Dinamarca – os dois países existiram sob um governo unificado até 1814 – e o friluftsliv ajudou a estabelecer uma identidade distintamente norueguesa. Amundsen, junto com os exploradores Fridtjof Nansen e Paul Knutsen, construíram a tradição com suas extenuantes expedições polares.

“Eles creditaram à friluftsliv a abertura do seu mundo”, disse Rosenberg. “A capacidade de lidar com a Mãe Natureza tornou-se uma referência.”

No entanto, os noruegueses não eram tão experientes em atividades ao ar livre quanto pensavam. No domingo de Páscoa de 1967, um grupo de 15 noruegueses morreu devido à exposição ao frio enquanto caminhava pelas montanhas, uma tragédia que gerou manchetes em todo o país. De acordo com Rosenberg, o incidente provocou uma mudança na filosofia da vida ao ar livre da Noruega, com ênfase nas habilidades que mantêm as pessoas seguras. O país criou o Fjellvettreglene, ou Norwegian Mountain Code, um conjunto de protocolos para lidar com as atividades na natureza. As escolas começaram a expor os alunos à natureza e a enfatizar as lições de vida que só poderiam ser absorvidas ao ar livre.

O sistema educacional da Noruega envolve tentativa e erro, disse-me Rosenberg. As crianças aprendem fazendo, em vez de apenas receberem palestras sobre segurança. “Ao começar cedo, você descobre que a natureza não é perigosa se você ficar dentro de seus limites”, disse ele.

Quando visitei os Lockers, a família enfatizou a seriedade com que os pais noruegueses levam a ideia de permitir que as crianças falhem. “Não existe cultura de babá”, disse Camilla. “Na Noruega, as crianças vagam e voltam para casa sujas e felizes.”

De acordo com essa filosofia, as crianças participam de atividades ao ar livre desde tenra idade. Pouco depois de aprenderem a andar, já estão passeando pela cidade em esquis de plástico. Eles vão para a escola de bicicleta ou, no inverno, de esqui cross-country. Andar de bicicleta é tão importante que, aos dez anos, as crianças fazem um teste para garantir que são competentes ao andar ao lado dos carros na estrada.

À medida em que seu conjunto de habilidades melhora, as crianças norueguesas não apenas desenvolvem uma apreciação pelo ar livre, mas também evoluem na coordenação, resistência e capacidade de resolver problemas. “Brincar livremente – desde subir em árvores até construir fortes na floresta – é crucial”, disse Kristin Vindhol Evensen, professora associada da Escola Norueguesa de Ciências do Esporte. “A interação entre as crianças e o ambiente local, que podem ser playgrounds em um ambiente urbano, floresta ou montanhas em uma área mais rural, é o que cria resiliência.”

O autor e sua parceira, Tess, com a filha, Sophie, em Maroon Bells, no Colorado. Foto: Arquivo Pessoal.

Minha suposição era que toda a competência da primeira idade levaria a ligas juvenis ultracompetitivas. Mas os noruegueses valorizam o brincar e a aquisição de habilidades acima da competição. Em 1987, o país ratificou os Direitos da Criança no Esporte, legislação formal que estabelece diretrizes para o esporte juvenil. Entre suas principais diretrizes está a de que o objetivo primordial do esporte é adquirir habilidades, fazer amigos e se divertir; não há nada sobre ganhar. Na verdade, as diretrizes proíbem explicitamente classificações, pontuação e competição cronometrada antes dos 11 anos de idade. Outro mandato: nenhuma criança pode participar de um campeonato até os 13 anos de idade.

As diretrizes enfatizam o prazer e o autoaperfeiçoamento. Haug me disse que uma das brincadeiras favoritas das crianças é correr ou esquiar em um percurso de um a cinco quilômetros e depois repetir. O objetivo não é bater o tempo anterior; é manter o mesmo ritmo e chegar o mais perto possível de repeti-lo. Tendo crescido no mundo das corridas de esqui, tive que rir.

“Tudo é um jogo – você meio que é levado a aprender”, disse-me Haug. “Desde muito jovem, você sobe nos esquis cross-country e brinca de pega-pega ou pique-bandeira com eles nos pés”. Os treinadores dão dicas, mas apenas para ajudar as crianças a se desenvolverem. Nesta fase, vencer não é o objetivo.

É difícil argumentar com a fórmula norueguesa. Não apenas ela produz adultos fisicamente aptos e aparentemente bem ajustados, mas também alguns dos melhores atletas do mundo. A Noruega dominou as duas últimas Olimpíadas de Inverno. Em Pequim, em 2022, a Noruega contou com 84 atletas e conquistou 16 medalhas de ouro, o maior número de uma única nação em Jogos de Inverno. Em contrapartida, os Estados Unidos enviaram 224 atletas, conquistaram oito ouros, com 11 medalhas a menos que a Noruega. Foi uma performance incrível de um país com apenas cinco milhões de pessoas.

“Ser capaz de brincar e aprender sem se preocupar com a competição até ficar mais velho é grande parte do sucesso dos atletas noruegueses.”

As proezas do esporte norueguês também estão acontecendo longe da neve. Em 2022, Casper Ruud se tornou o primeiro tenista da história do país a chegar entre os top ten, terminando o ano em terceiro lugar. O triatleta Kristian Blummenfelt é medalhista de ouro olímpico e detentor do recorde mundial de Ironman; seu compatriota Gustav Iden venceu o Ironman do Havaí em outubro. Anders Mol e Christian Sørum são a melhor dupla de vôlei de praia do planeta. Jakob Ingebrigtsen é considerado um dos melhores corredores de meia distância do mundo e o atleta Karsten Warholm conquistou o ouro na corrida com obstáculos nos Jogos de Tóquio de 2020.

“Ser capaz de brincar e aprender sem se preocupar com a competição até ficar mais velho é grande parte do sucesso dos atletas noruegueses”, disse Felix McGrath, ex-membro da Equipe de Esqui Alpino dos Estados Unidos. McGrath viu de perto o sistema norueguês: trabalhou como treinador de esqui por 20 anos. Sua esposa, Selma Lie, era membro da equipe nacional de esqui cross-country, e os dois criaram seus quatro filhos em Oslo. O filho de McGrath, Atle, esquia pela seleção alpina norueguesa e venceu duas provas da Copa do Mundo na última temporada.

A abordagem norueguesa tem uma vantagem definitiva sobre a americana, enlouquecida pela competição, disse-me McGrath. Desenfatizar os resultados em crianças e pré-adolescentes permite que as crianças – cujos corpos ainda estão se desenvolvendo – prosperem. “Nos Estados Unidos, essas crianças são derrotadas e isso é desmoralizante. Eles acabam desistindo antes de ficarem maiores e mais fortes e estarem prontos para superar. Na Noruega, elas só passam a ter seu tempo cronometrado ou marcam pontos quando já atingiram uma idade em que seus corpos e mentes amadureceram o suficiente para competir.”

McGrath se perguntou se Atle teria prosperado no sistema americano, onde as crianças são identificadas como talentosas (ou não) muito cedo, muitas vezes antes de atingirem a puberdade.

Minhas conversas com os Lockers, Rosenberg, McGrath e outros foram esclarecedoras, mas eu tinha minhas dúvidas de que criar Sophie do jeito norueguês fosse possível nos Estados Unidos. Nossa cultura não permite brincadeiras livres e tentativas e erros ao ar livre. Os americanos são muito mais litigiosos – daí toda a paternidade superprotetora. Se Sophie caísse e quebrasse alguma coisa, meu seguro de saúde poderia tornar o conserto desafiador e inacessível.

Ainda assim, acredito que existem maneiras de aplicar o método norueguês. Camas elásticas de quintal abundam em cidades e bairros noruegueses, e já estou planejando como obter permissão da associação de proprietários para instalar uma delas em uma área verde do bairro. Também estou ensaiando maneiras de persuadir Sophie a se deslocar de bicicleta. Não quero que ela se machuque, é claro, mas estou decidido a encorajá-la a superar seus limites.

Adotar a atitude norueguesa em relação aos esportes juvenis será mais difícil. Será quase impossível dizer à minha filha quando ela fizer 11 anos que não pode jogar futebol porque “o papai tem um plano melhor”, embora haja alguns exemplos desse modelo funcionando nos Estados Unidos. Richard Williams, o pai de Venus e Serena, ficou famoso por tirar suas filhas do circuito de torneios quando elas tinham dez anos para ajudá-las a entrar no jogo aos poucos. Ted Ligety, o lendário esquiador que ganhou duas medalhas de ouro olímpicas, escreveu recentemente no Instagram sobre o quanto ele se beneficiou do esqui recreativo com os amigos após os treinos. Ligety e seus amigos tiravam os esquis de competição, colocavam os recreativos e se divertiram desafiando-se uns aos outros nas mesmas pistas que os turistas usam. “Sem brincar e experimentar, eu teria continuado um bom esquiador de competição e talvez um bom esquiador universitário”, escreveu. “Mas eu brinquei e experimentei, e isso fez toda a diferença.”

O melhor conselho que recebi foi manter as atividades ao ar livre leves e divertidas. Rosenberg me contou sobre outra tradição norueguesa chamada Søndagstur, ou “passeio de domingo”.”Os noruegueses passam o dia inteiro esquiando com a família, fazem uma fogueira e assam salsicha”, conta. Feito, feito e feito.

*Gordy Megroz é editor colaborador da Outside. Ele mora em Basalt, Colorado (EUA).







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