Mais amortecimento nos treinos pode nos proteger de canelites e fraturas por estresse?

Por Alex Hutchinson, da Outside USA

Foto: Shutterstock.

AO LONGO dos últimos quatro anos, uma nova safra de parrudos modelos de tênis da linha Nike Vaporfly redefiniu os recordes das corridas de rua. Mas o novo debate sobre as vantagens performáticas do Vaportfly acabou deixando de lado um velho dilema de grande interesse para 99,9% dos corredores: mais amortecimento nos treinos pode nos proteger de canelites, fraturas de estresse e outras lesões causadas pelo impacto?

Em 2011, o princípio-chave do movimento minimalista era que o design dos modelos convencionais não estava amparado em comprovações científicas. Aspectos como solados elevados, controle de pronação e entressolas grossas pareciam fazer algum sentido, como argumentavam os minimalistas, mas ninguém havia testado seus benefícios contra lesões em estudos clínicos randomizados – ou seja, com grupos escolhidos aleatoriamente.

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Mesmo o pessoal da indústria de calçados era obrigado a admitir que as críticas tinham fundamento. Como resultado, na última década vimos inúmeras pesquisas voltadas para medir de que forma os materiais e a construção desses calçados contribuem na prevenção de lesões, incluindo um estudo publicado no início deste ano que ajudou a decifrar um velho enigma sobre o papel do amortecimento.

O novo estudo foi publicado no European Journal of Sport Science por Laurent Malisoux, do Instituto de Saúde de Luxemburgo. Laurent ficou conhecido como ferrenho defensor de testes realizados com placebos.

Se um pesquisador te escolher aleatoriamente para correr com um modelo grandalhão da Hoka ou uma sandália de dedo, suas expectativas sobre essas duas opções vão afetar sua corrida – e talvez a sua percepção de eventuais dores que surjam durante o estudo. E aí, se uma das opções se revelar melhor que a outra, será impossível dizer se foi o amortecimento, o drop ou qualquer uma das dezenas de diferenças dignas de nota entre os dois modelos.

Para enfrentar esse problema, Laurent e seus colegas colaboraram com a gigante francesa de artigos esportivos Decathlon para produzir modelos customizados de tênis de corrida feitos para serem visualmente indistinguíveis em cada rodada de testes, sendo diferentes apenas em um mínimo detalhe técnico.

Isso permitiu a Laurent realizar testes às cegas, onde nem o objeto de estudo, nem o pesquisador sabem que tipo de calçado está sendo usado. O estudo descobriu que os modelos que inibem a pronação (uma rotação do tornozelo para dentro quando seus pés aterrissam no chão) reduzem o risco de lesão; outro que drops (diferença de altura entre a parte de trás e da frente do tênis) de 0 a 10mm tinham efeitos diversos, dependendo de quantos quilômetros os atletas corriam por semana.

Os testes aleatórios mais recentes realizados por Laurent investigaram o papel do amortecimento. A Decathlon confeccionou dois protótipos, cada um com entressolas de 25,4 mm de espessura, feitas de espuma EVA.

A composição do EVA foi manipulada de tal forma que metade das unidades tinham amortecimento macio, enquanto a outra metade recebeu uma espuma mais firme. Os calçados foram distribuídos aleatoriamente para 848 corredores que realizaram testes na esteira, para garantir a análise das passadas, e depois foram acompanhados por seis meses para monitoramento de lesões.

Os primeiros resultados, publicados em 2020, concluíram que aqueles que correram com calçados mais duros ficaram 52% mais propensos a desenvolver lesões durante o período de acompanhamento, o que pareceu confirmar a proteção oferecida pelos amortecimentos mais macios. Mas a análise das passadas trouxe uma incógnita.

Os sensores de força da esteira mostraram que os corredores tinham um pico maior de impacto na parte baixa das pernas quando usavam os tênis mais macios – uma descoberta que intuitivamente nos levaria a conclusões direcionadas a mais lesões, não menos. O estudo de Laurent se aprofunda em dados de biomecânica na tentativa de solucionar o que já ficou conhecido como “o paradoxo do amortecimento”.

A resposta da charada? O intervalo dos impactos. Quando seu pé toca o asfalto enquanto você corre, acontecem dois impactos distintos: o primeiro é resultado da desaceleração abrupta assimilada pela parte baixa da sua perna; o segundo, alguns milésimos depois, é o mais forte, distribuído pelo resto do seu corpo.

Aquele primeiro impacto é o que os pesquisadores suspeitam estar ligado às lesões, já que a força é aplicada de uma só vez. É também o que parece maior, de acordo com os estudos de Laurent, entre os corredores com calçados mais macios.

Um dos efeitos do amortecimento macio é que ele ameniza o primeiro solavanco, quando a parte baixa da perna desacelera. A combinação dos dois impactos faz a força total parecer maior, dando a impressão de que os tênis mais macios produzem mais impacto. Mas, quando Laurent se valeu de técnicas matemáticas para separar os valores distintos do primeiro e do segundo, descobriu que o primeiro – relacionado às lesões – é na verdade menor nos modelos mais macios.

Foi a resposta redentora à noção de que o amortecimento pode suavizar a carga nas articulações e reduzir os riscos de lesão. E também a resposta para algumas ideias que surgiram durante o boom do minimalismo.

Um dos benefícios de trocar a aterrissagem nos calcanhares (comum nos tênis com mais amortecimento) para a aterrissagem no mediopé ou antepé (comum nos modelos minimalistas) é que ela atrasa o pico daquele impacto inicial e o distribui por um intervalo maior de tempo – da mesma maneira que o amortecimento faz. Em outras palavras, não existe uma resposta certa. Você pode escolher o seu caminho.

Para esta nova geração de solados grossos, os riscos de lesão continuam sendo um tema para debates acalorados. Tudo o que o amortecimento fofinho deveria fazer, em tese, é reduzir o impacto, segundo Laurent. Mas a maior parte desses calçados também vem com uma rígida placa de carbono acoplada à entressola, e seus efeitos sobre riscos de lesões seguem sem testes. A altura dos solados também pode deixar corredores mais vulneráveis à pronação excessiva e reduzir a estabilidade, especialmente nas curvas. Só o tempo – e estudos de design bem-feitos – dirá.

Apesar de toda essa pesquisa, Laurent acredita que ainda sabemos bem pouco sobre as complexas relações entre calçados e lesões. Por enquanto o conselho dele é: fique com a escolha que tem feito sua corrida feliz. Se decidir mudar para um tênis diferente, pense com calma sobre as razões que estão te levando a fazer essa troca, experimente vários modelos e não tenha pressa na transição.

Por fim, e talvez o mais importante: ignore todos os conselhos alheios, diz Laurent. “Cada corredor é único, e os tênis que funcionam bem para o seu amigo podem não servir para você”.







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