Um SMS com um pedido de ajuda urgente desencadeou uma série de eventos que levaram ao ousado resgate e evacuação de 165 pessoas – dentre elas dezenas de jovens ciclistas – do Afeganistão.
+ Talibã proíbe mulheres de praticarem esportes no Afeganistão
+ Por que a volta do Talibã é uma ameaça às mulheres ciclistas do Afeganistão?
+ A poucos quilômetros de SP, trilha pública de MTB é ótima opção para o pedal
Há algumas semanas, enquanto o governo apoiado pelos EUA desabava sob a pressão do Talibã no Afeganistão, uma jornalista enviou mensagens frenéticas para seus contatos da equipe Israel Start-Up Nation.
O recado era urgente e sucinto: “Por favor, ajude-os a sair”.
A partir daí, as rodas da solidariedade internacional começaram a girar.
Na segunda-feira, 11 de outubro, a UCI (Union Cycliste Internationale) enviou um comunicado à imprensa confirmando a evacuação bem-sucedida de 165 afegãos que, com a ajuda de muitos membros da comunidade internacional de ciclismo, conseguiram escapar das garras do Talibã.
“[Cerca de] 125 cidadãos afegãos, incluindo ciclistas e membros da gestão do ciclismo, artistas, um juiz, vários jornalistas e ativistas dos direitos humanos, conseguiram chegar à Europa através de Tirana, capital da Albânia”, afirmou o comunicado. “Trinta e oito estão sendo assentados na Suíça com os outros indo para o Canadá, França, Israel e EUA.”
O comunicado de imprensa, no entanto, não contou a história completa de como Sylvan Adams, proprietário da Israel Start-Up Nation, ajudou a organizar a operação de resgate ao lado de dezenas de funcionários da UCI, funcionários afegãos de ciclismo, uma ONG israelense e os governos do Canadá e da Suíça.
Falando à equipe do site VeloNews sobre os bastidores, fontes próximas aos esforços de resgate e evacuação ajudaram a preencher algumas lacunas de como e o que aconteceu na ousada operação.
SMS: ‘Preciso de sua ajuda com urgência’
Uma jornalista que trabalhava em estreita colaboração com a equipe feminina de ciclismo afegã percebeu como a Israel Start-Up Nation estava promovendo o ciclismo em Ruanda e perguntou se a equipe poderia ajudar em uma situação ainda mais desesperadora e urgente.
A mensagem SMS foi rapidamente retransmitida para Adams, o bilionário proprietário da equipe de ciclismo do UCI World Tour, e também um importante filantropo em Israel e no Canadá. Adams foi rápido em responder ao apelo.
Ele prometeu fazer o que pudesse para ajudar e contatou funcionários do IsraAID, uma ONG sem fins lucrativos que já estava trabalhando em outros planos de evacuação no Afeganistão.
Adams também contatou outros governos, ONGs e órgãos governamentais, incluindo a UCI, e rapidamente todos se prontificaram a ajudar.
Foi uma corrida desesperada contra o tempo.
Para deixar Cabul, os afegãos precisariam de patrocinadores e países de asilo. E sem um plano de fuga, as jovens ciclistas não poderiam pedir o status de refugiadas ou vencer a burocracia a tempo, antes que o Talibã assumisse o controle total do país.
E o tempo estava se esgotando quando o governo afegão entrou em colapso e o Talibã assumiu o controle de Cabul, cortando o acesso ao aeroporto internacional.
Nos últimos dias caóticos da evacuação liderada pelos EUA, um avião fretado pago por Adams voou para Cabul para ajudar a evacuar o maior número possível de pessoas, incluindo dezenas de mulheres ciclistas afegãs que perceberam que seus dias como atletas promissoras logo acabariam sob o domínio do grupo extremista.
Para chegar ao aeroporto, ciclistas e alguns parentes tiveram que fugir do caos de Cabul e tentar passar pelos postos de controle do Talibã. Às vezes, as pessoas eram rejeitadas pelo grupo e não tinham acesso ao aeroporto, aumentando ainda mais os temores e a incerteza. Outros também se viram forçados a tentar escapar pelas fronteiras terrestres com países vizinhos do Afeganistão.
Uma fonte descreveu os esforços como “incrivelmente arriscados” e cheios de “enormes riscos”.
‘Nem todos saíram ainda’
No que foi descrito pela UCI como uma “vasta operação”, as evacuações foram realizadas por várias semanas, inclusive após a saída apressada das forças militares dos EUA. Mas ainda não foi confirmado exatamente quantos ciclistas conseguiram deixar o Afeganistão.
Fontes também dizem que ainda há jovens ciclistas e famílias presos dentro do Afeganistão e que não conseguiram sair.
Todos prometem continuar trabalhando para tirar o maior número possível, disseram as fontes.
Depois de décadas de guerra, o ciclismo estava começando a se estabelecer no Afeganistão, e as mulheres organizaram sua primeira corrida em 2017. Mulheres ciclistas são especialmente vulneráveis sob o Talibã, que está impondo uma interpretação radical da Lei Sharia em seu retorno ao poder.
Em comunicado à imprensa na última segunda-feira (18), o presidente da UCI David Lappartient disse que a Suíça concordou em receber 38 afegãos entre os que foram evacuados e que a entidade vai ajudar a abrigá-los no Centro Mundial de Ciclismo da UCI conforme forem reassentados.
Em nota à imprensa, Lappartient também agradeceu aos diversos atores envolvidos na operação de fuga.
“Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos aos governos da Suíça, França, Canadá, Albânia, Emirados Árabes, Israel e outros países que trabalharam neste projeto”, disse Lappartient.
“Também gostaria de agradecer ao Sr. Philippe Leuba, chefe do departamento de economia, inovação e esporte do Cantão de Vaud (Suíça), que esteve envolvido na operação desde a queda de Cabul e passou toda a semana passada em Tirana a fim de facilitar os procedimentos práticos e administrativos para a entrada deles na Suíça. Também gostaria de agradecer ao Sr. Osama Ahmed Abdullah Al Shafar, vice-presidente da UCI e presidente da Confederação de Ciclismo Asiático, por seu compromisso decisivo com as operações que estão em andamento e, é claro, a IsraAID e seu CEO Yotam Politzer, e Sylvan Adams, que apresentaram o projeto ao IsraAID e financiaram a evacuação. Também gostaria de agradecer e homenagear a comunidade ciclista afegã, que trabalhou sob a égide de nossa Federação Nacional e de seu presidente Fazli Ahmad Fazli para fornecer ajuda crucial nas evacuações.”
A declaração acima revela o escopo e a complexidade da operação para tentar ajudar jovens ciclistas afegãos a escapar das garras do Talibã.
A história ainda deve ganhar novos capítulos…