Como combater a cultura da dieta na infância

Por Virginia Sole-Smith, da Outside USA

Como combater a cultura da dieta na infância
Foto: Shutterstock

Nunca é tarde para ajudar seus filhos a terem uma atitude mental mais saudável diante da comida. Comece com estes passos para combater a cultura da dieta na infância.

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Algumas semanas atrás, uma amiga me mandou uma mensagem: “Preciso te contar o que aconteceu no jantar hoje”. Sua filha de seis anos havia anunciado, entusiasmada, que um colega de escola estava seguindo uma dieta e “estava funcionando!”. O colega? Seis anos também.

Minha amiga se viu perdida e eu achei meio deprimente, mas não me surpreendi. No meu trabalho como jornalista, que cobre temas como a cultura da dieta, gordofobia, e parentalidade, ouço histórias parecidas de pais, mães e crianças o tempo todo: um grupo de crianças de sete anos, brincando no parquinho e comparando os tamanhos de suas roupas. Filhos de nove anos que se pesam antes e depois de cada refeição. Adolescentes de 13 a 15 anos que evoluíram de pequenos experimentos dietéticos para sérios distúrbios alimentares.

Quando o assunto é a autoimagem e o relacionamento com comida essa molecada não está nada bem. E os problemas começam cedo. Pesquisas mostram que crianças começam a associar “gordura” e “mal” entre três e cinco anos. Os primeiros estudos que documentaram atitudes negativas em relação a peso foram conduzidos na década de 1960: pesquisadores mostraram fotos de crianças com vários tipos de corpos e constataram que as crianças gordas era sistematicamente colocadas em último no ranking que media qual a figura de que mais gostavam.

Crianças estão recebendo estas mensagens de uma cultura da dieta, nosso sistema de crenças que idolatra e agrega valor moral a corpos magros, enquanto promove e premia a perda de peso. Você pode achar que esse papo de dietas e body shaming está restrito às mães de mini-misses ou aos perfis de influencers fitness, ou ainda que as dietas estacionaram nas contagens de calorias e molhos de salada light. Mas justamente porque a cultura da dieta é tão persuasiva todos nós internalizamos padrões e estigmas sobre peso, comida, e saúde.

A cultura da dieta na infância

A cultura da dieta está na mídia, no consultório dos médicos, nas escolas, e nos jantares de família. Nossos filhos estão atentos quando dizemos que precisam a sobremesa é só uma “recompensa” depois de um dia de caminhada ou um longo passeio de bike, ou quando classificamos seus salgadinhos como “porcaria” e tentamos troca-los por versões que vêm dos mercados orgânicos e vegetarianos. E estão de olho quando cortamos o glúten ou censuramos o tamanho dos nossos quadris ou o aspecto do nosso abdome.

A boa notícia é que há muito que se pode fazer para mudar esta narrativa. Começando com a premissa de falar menos: não rotule comidas como boas ou más. Não fique falando sobre a necessidade de perder peso nem faça críticas sobre o corpo deles, o seu, ou o de outras pessoas.

Isso requer prática. Eu comecei quando minha filha de – agora – oito anos tinha apenas um ano e meio e me ouviu dizer “eu odeio meu corpo”. Imediatamente ela começou a apalpar o próprio corpo dizendo “Meu corpo! Meu corpo” e eu vi como aquilo poderia acabar mal. Isso foi meses antes de eu parar completamente de pronunciar opiniões negativas sobre comida e corpo em voz alta. E levou bem mais tempo para que esses pensamentos ficassem menos frequentes na minha cabeça.

Mas este tipo de cuidado tem efeitos poderosos. Quando pesquisadores ouviram 581 pais e mães de crianças entre 9 e 15 anos num estudo de 2018, descobriram que os filhos daqueles que não investiam em assuntos relacionados à “gordura” eram menos propensos a desenvolver distúrbios alimentares. Por outro lado, os 43.6% dos pais e mães que falavam negativamente sobre o corpo de seus filhos eram os que mais tendiam a lidar com filhos que comem escondido, em excesso, ou adotam restrições por conta própria – e esses comportamentos também eram mais comuns em crianças cujos pais criticavam o próprio corpo na frente dos filhos.

Falar menos, no entanto, é apenas o primeiro passo. Nós também temos que instruir nossos filhos sobre a cultura da dieta e os discursos anti-gordura para que eles possam reconhecer a lidar com eles. Esta parte pode ser mais difícil já que ainda não temos parâmetros comprovadamente eficazes para explicar gordofobia no jardim da infância. E também tem o medo de, ao introduzir estes conceitos tão cedo, o tiro saia pela culatra e acabemos trazendo mais preocupações sobre o corpo dos pequenos. Mas também sabemos que quando pais e mães brancos não falam sobre racismo têm mais chances de criar filhos racistas. E que quando pais e mães não falam sobre sexo, as crianças aprendem com a pornografia. Então faz sentido que se discuta gordofobia, e se explique que dietas não funcionam assim como pornô não é real.

Ouça as crianças

Se seu filho começar a contar sobre um colega que está seguindo uma dieta, tente fazer perguntas curiosas e amigáveis como: “Me conte o que você sabe sobre dietas?”, ou “E o que você acha disso?”. Eles podem pensar que fazer dieta é simplesmente comer vegetais. Ou então podem achar que uma dieta prescrita a um colega por um médico é o mesmo que tomar antibióticos para uma infecção de ouvido. Descubra em que página eles estão, antes de dizer a eles onde você está no assunto.

Na minha casa, o tema surgiu pela primeira vez alguns meses atrás, quando minha filha e eu lemos Starfish – estrela do mar, em português -, um livro lindo de Lisa Fipp, sobre uma menina de 11 anos cuja mãe a submetia a várias dietas, por toda a vida. Quando a palavra dieta surgiu na narrativa pela primeira vez, perguntei a minha filha se ela sabia o significado. Ela balançou a cabeça e eu disse “Uma dieta é quando as pessoas tentam comer menos para deixar o corpo delas menor do que ele é. Não funciona, e ainda pode deixar as pessoas doentes, especialmente para crianças, que estão crescendo e precisam comer o quanto quiserem”. Ela ouviu e seguimos a história.

Se seu pequeno usa a palavra “gordura” para descrever eles mesmos ou outras pessoas, tente evitar a reação imediata do “Isso não é legal de dizer” ou “Você não é gordo, você é lindo!”. No lugar disso, mais uma vez, experimente as perguntas: “Por que você escolheu esta palavra?” ou “O que você acha que gordura significa?”. Se a resposta claramente estiver associada a algum dos estereótipos que costumam acompanhar as pessoas gordas (preguiçosas, desleixadas, comem demais) explique que essas crenças negativas sobre pessoas grandes não são verdadeiras. E aí prossiga: “Muita gente pensa e diz coisas bem ruins sobre pessoas gordas. Isso se chama gordofobia e é um problema bem sério no nosso mundo, que adultos como eu estão tentando resolver”.

Jeff Hunger, um professor assistente de psicologia social da Miami Univerity em Ohio, sugere que se identifique gordofobia em termos concretos que crianças possam reconhecer. Você pode dizer algo como “Sei que seus bonecos e seus personagens favoritos são todos magros e aí você pode achar que você deve ser igual eles também. Mas o corpo de cada pessoa é diferente e isso é bom!”.

Se alguém chamar seu filho de gordo ou fizer algum comentário maldoso sobre seus hábitos alimentares, comece validando seus sentimentos. “A gente fica mesmo muito triste quando algum amigo diz que não devemos comer um doce, né?”. E aí dê a eles espaço para explorar e processar estes sentimentos. Você também vai ter que se responsabilizar por algo que você tenha feito ou dito no passado e que tenha contribuído. (Se seu filho estiver sofrendo bullying por causa do peso na escola ou por membros da família, um terapeuta pode ajudar).

Então, redefina o que eles experienciaram: “Seu corpo não é o problema. Você não precisa nunca tentar emagrecer através de uma dieta.” O mundo vai tentar de mil maneiras dizer algo diferente disso. Mas eles devem sempre ouvir dos pais a verdade.

(Virginia Sole-Smith é autora do livro The Eating Instinct: Food Culture, Body Image and Guilt in America [O instinto de comer: Cultura da comida, imagem corporal e culta na América]. Seus artigos sobre cultura da dieta, saúde e parentalidade estão no The New York Times, Scientific American e muitas outras publicações.)







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