Exploramos as reservas selvagens da África do Sul de mountain bike

Fotos e texto por Martin Bissig*

PRIVILÉGIO: Três dos cinco mountain bikers que atravessaram uma reserva selvagem na África do Sul.

“Antes de partirmos, existem algumas regras que vocês precisam seguir para sobreviver na savana. No caso de um ataque de elefante, peguem as bikes pelo tubo superior do quadro, deem um giro de 180º e pedalem o mais rápido que puderem na direção oposta, enquanto eu deixo um rastro de spray de pimenta no chão”.

Se búfalos atacarem, parem imediatamente e, aconteça o que acontecer, não se mexam. Se houver uma árvore por perto, escale-a.” Este é apenas o começo das instruções de segurança de Anton, nosso guia. Se antes ainda não estava claro para mim, agora não resta dúvidas. Isso não é um passeio no parque. É sério.

Se você já visitou algum parque nacional de vida selvagem na África, sabe que não deve sair do seu veículo em circunstância alguma. Tudo que temos são nossas bicicletas. E Anton. Embora Anton esteja equipado de muito conhecimento, uma arma, spray de pimenta e uma buzina de ar comprimido, será que estas coisas serão suficientes se dermos de cara com uma manada de animais selvagens? Tem que ser. Não há plano B. Bem-vindo à África selvagem!

As recomendações de segurança de Anton continuam: “Se encontrarmos rinocerontes, esperemos que sejam rinocerontes brancos. Eles são pacíficos e relativamente inofensivos. Mas se forem rinocerontes pretos, a situação muda completamente. Fiquem totalmente quietos e não façam nenhum barulho. Se o animal parecer agressivo, escondam-se no arbusto mais próximo e, aconteça o que acontecer, não se mexam. O rinoceronte baterá os pés, bufará e fará um ruído característico de irritação. Mas, afortunadamente, sua visão é bastante ruim, e ele não os encontrará se vocês permanecerem fora de seu campo de visão, escondidos no arbusto e imóveis.

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Também há os grandes felinos. O mesmo vale para eles: fiquem calmos. De forma alguma corram ou fujam pedalando, porque desse jeito o felino os verá como presas. Afastem-se lentamente, mas mantenham o olhar no predador. No geral, os animais têm medo de nós, humanos, e raramente há enfrentamentos”.

Esperemos que ele esteja certo. Anton é um dos 14 proprietários cujas terras constituem os 27 mil hectares da Reserva de Caça Selati. A reserva é privada e atualmente não está aberta ao público – a não ser que você conheça alguém como o Anton. Então você até poderá pedalar sua MTB pelo parque, que abriga um número incrível de pássaros, antílopes, gazelas, zebras, crocodilos, além dos Big Five: leões, búfalos, rinocerontes, elefantes e leopardos (os cinco mamíferos selvagens de grande porte mais difíceis de serem caçados pelo homem). Antes da nossa viagem, eu me perguntava se chegaríamos a ver esses animais. Mas agora não tenho certeza se realmente quero encontrá-los.

Nós partimos montados em nossas magrelas. Quando digo nós, eu me refiro a Paul, Zandri, Fränzi, Anton e a mim. Paul Ingpen é a razão pela qual estou nesta viagem. Ele é editor de diversas revistas na África do Sul. Além de revistas de triathlon, golfe e corrida, ele também edita uma de mountain bike. E costuma publicar minhas fotorreportagens.

Quando Paul me ligou e perguntou se eu queria fazer uma matéria em uma reserva de caça com os Big Five, não pensei duas vezes. E ele disse que eu tinha que levar alguém comigo. “Que tal Fränzi, que saiu na capa das duas últimas edições?”, eu lhe perguntei. “Perfeito!”

Então Fränzi e eu fomos da Suíça para a África do Sul. Quando chegamos lá, Zandri Strydom se uniu ao grupo. A ciclista de 19 anos, patrocinada pela Specialized, com inúmeros títulos nacionais e internacionais, é uma das promessas mais talentosas do mountain bike sul-africano. Com Anton, nosso grupo está completo. Um grande latifundiário, aventureiro e apaixonado por MTB, nossa vida estaria em suas mãos.

À SUA DIREITA: LEOPARDOS

Saímos da pousada às 6h30 da manhã, aproximadamente meia hora antes de o sol nascer. Queremos aproveitar a incrível luz do amanhecer para as primeiras fotografias. Em junho, o Hemisfério Sul é bem frio, e estou contente de ter trazido minha jaqueta de pluma, porque até o sol aparecer a temperatura é de apenas alguns graus acima de zero. Todos permanecemos perto de Anton. Suas instruções da noite anterior tinham claramente impactado o grupo. Pedalamos por estradas de cascalho, atravessando estepes e pequenas florestas. Todos estão olhando para um lado e para o outro ao pedalar. Nós nos assustávamos com qualquer ruído e farfalhar de galhos. Quem sabe? Poderia ser um elefante à procura de café da manhã. Ou um leopardo que decidiu que refeições sobre rodas seriam uma alternativa saborosa.

Até mesmo Anton parece aflito. Nossa falta de conhecimento se manifesta em forma de medo, num nítido contraste com o claro respeito que ele sente por seus arredores. Pedalamos em apreensivo silêncio por estradas esburacadas.

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De repente, Anton freia e levanta a mão: “Parem! Alguma coisa parece estar se movendo à nossa frente”. Nós nos aproximamos lentamente e vemos dois leopardos em cima de um monte de terra absorvendo os primeiros raios de sol do dia! Eles nos veem e não parecem estar particularmente incomodados com nossa presença. Nós mantemos nossa distância. Não porque eles representassem uma ameaça para nós, mas porque queremos dar a eles seu espaço. E, claro, quero tirar algumas fotos desses felinos antes de eles partirem.

Nunca, nem mesmo nos meus sonhos mais selvagens, eu tinha me imaginado tirando fotos de ciclistas e leopardos. Damos a volta por trás dos animais silenciosa e cuidadosamente. Tudo que preciso fazer é mudar de lugar para poder registrar os felinos e os ciclistas de um ângulo diferente. Depois de cerca de 15 minutos, nossos modelos animais estão satisfeitos e abandonam sua ensolarada colina. Que espetáculo para o primeiro dia!

Um veículo de apoio acompanha o grupo ao longo de todo o percurso.

PISTA 25: AUTORIZADA PARA DECOLAGEM

Mas seríamos surpreendidos por mais animais além de leopardos. Ao longo dos três dias seguintes, vimos praticamente tudo que pode passar por sua cabeça ao imaginar uma pedalada numa reserva de caça na África: rinocerontes e elefantes de uma distância considerável e segura; leões que estão simplesmente tão assustados de nos ver quanto nós de vê-los e desaparecem imediatamente; rebanhos de zebras com filhotes pastando sob o sol matinal; girafas mordiscando folhas do alto das árvores; e muitos dos mais de 50 tipos diferentes de mamíferos de tamanho médio e grande que têm nesse parque sua morada. Atravessamos a reserva de oeste a leste, ziguezagueando de um lado para outro e percorrendo entre 40 e 60 km todos os dias.

Pedalamos sobretudo por trilhas de jipe, e de vez em quando Anton nos guia diretamente pelo mato, seguindo batidos caminhos de rebanhos de animais. Não há rotas estabelecidas aqui, nós simplesmente atravessamos vastidões, parando para descansos em depressões com água. Nessas paradas, encontramos nosso veículo de apoio e nos abastecemos de água e comida.

“Atravessamos a reserva de oeste a leste, ziguezagueando de um lado para outro
e percorrendo entre 40 e 60 km todos os dias.”

Pedalamos sobre pontes antigas e entre enormes formações de granito, até que de repente nos vemos sobre uma estrada ampla no meio da imensidão. Parece estranho ver essa rodovia asfaltada com uma faixa central cuidadosamente pintada no meio do nada. Mas alguma coisa nela parece diferente: ela possui apenas algumas centenas de metros de comprimento e está sinalizada com um enorme número 25.

Foi então que me dei conta: estamos numa pista de bush planes! Por sorte, esse não é um aeroporto movimentado de cidade, e podemos acelerar de um lado para o outro da pista aérea várias vezes.

RUDI, O CHEFE DA UNIDADE ANTICAÇA ILEGAL

Enquanto tiro fotos da minha equipe torcendo o cabo no asfalto abandonado, uma picape branca se aproxima. Quando o veículo para, leio nas portas: Unidade Anticaça Ilegal. Um homem gigante sai da caminhonete sorrindo de orelha a orelha. “Oi, galera, sou Rudi”, ele diz, se apresentando.

Rudi é a personificação de como você imaginaria um guarda florestal. Tão forte e grande como um urso, ele é o chefe de uma equipe de cinco guardas que monitora o parque. “Na verdade, precisaríamos de uma tropa de pelo menos 15 para um parque deste tamanho. Infelizmente, isso não cabe no orçamento, então fazemos o melhor que podemos com nossa equipe enxuta para manter os caçadores ilegais fora do parque”, ele explica.

Estou ansioso para saber mais sobre seu emocionante trabalho, e Rudi fala comigo abertamente de seus deveres e desafios. “Temos um helicóptero e duas picapes à nossa disposição. Nós os utilizamos para monitorar e contar a população de animais sob nossa guarda. O maior problema são os caçadores ilegais, que costumam planejar suas operações e viajar até aqui desde o exterior. O alvo deles são os rinocerontes. Um chifre de rinoceronte pesa de 5 a 10 kg. No mercado negro asiático, o quilo pode chegar a custar US$ 30 mil.

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Os caçadores ilegais, que estão no topo da cadeia de abastecimento, ficam com apenas uma pequena parte desse valor. São as gangues de criminosos da Ásia que contratam a caça ilegal e que vendem o chifre para o Vietnã ou a China.”

Entretanto Rudi e sua tropa não estão totalmente impotentes ao enfrentar esses caçadores ilegais. Eles combatem os criminosos de forma antecipada, removendo os chifres dos rinocerontes. Os animais são sedados para o procedimento, que é realizado por um veterinário e leva várias horas.

Como ele explica: “É indolor para o animal e pode fazer a diferença entre estar vivo ou morto. A única desvantagem é que o chifre de um rinoceronte é como a unha dos humanos e cresce novamente depois de dois ou três anos, então todo o processo precisa ser repetido. Temos trabalho garantido no longo prazo”, ironiza o guarda florestal.

Conversamos bastante tempo, e Rudi me mostra seu colete à prova de balas e sua arma. Ele me conta histórias e anedotas de sua vida – eu poderia ter conversado com ele durante horas. Mas temos que seguir viagem. Nossa próxima parada, o Parque Nacional Kruger, nos espera.

DE TURISTAS À ATRAÇÃO PRINCIPAL

Depois de quatro dias emocionantes, continuamos em direção nordeste. Paramos justo antes do Parque Nacional Kruger, em Masisi. Essa pequena aldeia está a cerca de 20 km de Pafuri Gate, a entrada mais setentrional da maior reserva de vida selvagem da África do Sul.

Aproveitamos esse tempo para pegar comida para os próximos dias e explorar os arredores com nossas bikes. Paul se permite fazer a barba em uma barbearia ao ar livre, já Fränzi, com seu cabelo loiro, se torna rapidamente a atração principal para todas as crianças da aldeia.

Some a isso as habilidades de Zandri empinando sua magrela e, em pouco tempo, uma multidão se reúne ao nosso redor. Os papéis se invertem rapidamente, e nós, turistas brancos, logo deixamos de ser os visitantes e nos transformamos no ponto de foco das câmeras dos celulares dos moradores da aldeia.

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Depois de visitar a escola, com direito a aulas de mountain bike para as crianças, está mais do que na hora de começarmos a segunda parte do nosso safari sobre duas rodas.

Os mountain bikers são atração mais exótica do que os animais da região.

COM SHILUVA NA TERRA DOS MAKULEKE

Shiluva nos espera do outro lado do Pafuri Gate. Ela é uma das pouquíssimas guardas florestais mulheres do parque e nos acompanhará durante os próximos dias. Mais de 90% de seus colegas de trabalho são homens. Shiluva pertence ao povo Makuleke, que nos permitiram visitar suas terras. A parte mais setentrional do parque nacional faz fronteira com o Zimbábue e Moçambique. Como está tão longe de Johanesburgo, esse parque é outro destino para viajantes bem-informados e recebe bem poucos visitantes.

Por um lado, o território pertence ao Parque Nacional Kruger; por outro, não. Embora estejamos dentro das fronteiras do Parque Kruger, os Makuleke negociaram um acordo especial: eles cederam suas terras para a reserva de vida selvagem, mas os ganhos obtidos com taxas de entrada e pernoites vão para a comunidade. Além disso, a maioria dos empregados vem de dentro do povo Makuleke, e outras regras são aplicadas aqui, diferentemente do resto da área do parque. Uma delas inclui a autorização para cicloviagens, mas, claro, apenas sob supervisão dos guardas florestais. Estamos com sorte!

Shiluva nos guia por “suas” terras durante os próximos três dias. Sempre partimos de manhã bem cedo e terminamos nossos dias no fim da tarde. Aqui, assim como na Reserva de Caça Selati, as rotas ciclísticas não são especialmente desafiadoras, mas elas compensam por se mostrarem emocionantes e variadas. Pedalamos sobretudo em estradinhas de terra muito utilizadas por veículos 4×4, mas de vez em quando desviamos por singletracks e rodamos entre relva e arbustos altos.

“Pedalamos sobretudo por trilhas de jipe,
e de vez em quando Anton nos guia diretamente pelo mato, seguindo batidos caminhos de rebanhos de animais. Não há rotas estabelecidas aqui.”

Precisamos de mais tempo do que o planejado para alcançar nosso objetivo de pedalar de 40 a 60 km por dia. Paramos com muita frequência, observando macacos carregarem seus filhotes nas costas, crocodilos tomarem sol nas margens de rios, manadas de hipopótamos resfolegarem alegremente na água e de elefantes arrastando-se intencionalmente entre a vegetação.

Na última noite, pedimos que Shiluva nos mostre seu lugar favorito. Ela senta atrás do volante de um Range Rover sem capota e nós a seguimos com nossas bikes colina acima, até encontrar grandiosos baobás centenários. Daqui, temos uma excelente vista do parque, e os últimos metros da nossa aventura nos fazem pedalar em direção ao pôr do sol africano. Shiluva já está nos esperando no topo da montanha com um gin tônica gelado.

Uma das poucas guardas mulheres, Shiluva guiou o grupo por três dias em terras da Reserva de Caça Selati.

Escutamos suas histórias, extasiados e rodeados pelos sons dos animais. Pedalamos entre a escuridão da noite até nossas barracas, guiados apenas pelos faróis dianteiros da caminhonete. Depois de uma semana na savana africana, mais uma vez chego à conclusão de que a maior parte da emoção não depende do que acontece sobre nossas rodas de aro 29, mas de encontros com pessoas como Anton, Rudi ou Shiluva, assim como do tempo compartilhado com eles.

Obrigado, Paul, por me ligar e perguntar: “Ei, Martin, quer vir para a África do Sul para uma pedalada inesquecível?”. Como ele estava certo! Foi a viagem da minha vida!

*Matéria originalmente publicada na edição 171 da revista Go Outside.







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