Por trás dos uniformes coloridos e do pelotão em alta velocidade, o Tour de France é uma panela de pressão e nervos à flor da pele para os 176 ciclistas da prova. Durante 23 dias, eles lutam uns contra os outros por uma vitória que consolidará suas carreiras sob o olhar atento de fãs barulhentos e jornalistas curiosos.

A maioria deles passou milhares de horas treinando especificamente para este evento. Faz calor. Eles caem. As margens para erros são mínimas. Tudo isso é uma receita para o estresse psicológico, e ao longo dos anos vimos estrelas do Tour se transformarem em pessoas mal-humoradas e até mesmo violentas.

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Nas minhas quatro viagens para relatar o Tour, nunca tive a sensação de que alguém estava se divertindo muito. E então surge Tadej Pogačar.

Este ano, o prodígio esloveno de 24 anos floresceu como o santo padroeiro da bobagem, injetando uma boa dose de humor em um Tour normalmente sisudo. Ele anima as entrevistas pré-corrida, conta piadas e dá risadas. Todas as manhãs, enquanto os corredores se alinham no início, Pogačar faz uma ronda, cumprimentando os concorrentes com os punhos cerrados. Online, ele tem inundado as redes sociais com fotos e vídeos de brincadeiras ainda mais engraçadas.

Pogacar já fez photobombing (a arte de arruinar uma foto) em vencedores de etapas e jogou basquete com fãs à beira da estrada. No vídeo mais recente, durante o dia de descanso, Pogačar pedala por uma rua francesa com uma baguete saindo do bolso da sua camisa. Ele pega um pedaço de pão, dá uma mordida poderosa e faz graça para a câmera.

O Tour de France pode ser a corrida de bicicleta mais difícil do mundo, mas Tadej Pogačar parece estar se divertindo com ela.

Olhando para Pogačar, você nunca adivinharia que ele está atualmente envolvido em uma das batalhas mais acirradas do Tour dos últimos anos. Após a décima etapa de terça-feira (11), Pogačar está atrás do atual campeão Jonas Vingegaard, da Dinamarca, por apenas 17 segundos na classificação geral. E Pogačar parece ter vantagem. Depois de perder tempo para Vingegaard na quinta etapa, ele voltou à disputa no dia seguinte, vencendo a sexta etapa antes de ganhar valiosos segundos na subida da nona etapa.

Não se engane: Pogačar e Vingegaard são rivais de primeira categoria. Como a maior promessa jovem de sua geração, Pogačar venceu o Tour em 2020 e 2021, e a maioria dos especialistas esperava que ele vencesse facilmente no ano passado. Mas Vingegaard e seus companheiros de equipe da Jumbo-Visma prepararam uma armadilha brilhante para Pogačar nos Alpes, e seu plano astuto o destronou, relegando-o ao segundo lugar. Toda a situação foi relatada no episódio quatro da série Netflix “Tour de France: Unchained“, que eu recomendo muito.

Novamente, você nunca adivinharia que Pogačar e Vingegaard são inimigos. Após cada etapa este ano, Pogačar abraça o ciclista dinamarquês ou o cumprimenta com um toque de punho de congratulações. Deixe-me dizer uma coisa – assisto ao Tour todos os anos desde 2001, e esse comportamento é altamente incomum. Lance Armstrong tentava intimidar seus rivais com olhares gélidos. Chris Froome, vencedor de quatro vezes, sorria e acenava. Outros campeões do Tour simplesmente saíam rapidamente após a chegada para fazer entrevistas e depois se concentravam em descansar, se recuperar e se reabilitar antes da próxima etapa. Cada segundo conta na luta pela camisa amarela. Então, por que desperdiçar energia valiosa com um abraço suado?

Estou aqui para as brincadeiras de Pogačar. Como fã de ciclismo a vida toda, muitas vezes desejei que os corredores mostrassem suas personalidades para o mundo, especialmente durante o Tour. Alguns fizeram isso ao longo dos anos. A estrela eslovaca Peter Sagan ficou famosa por empinar a roda durante o Tour e produzir vídeos engraçados nas redes sociais, o que fez a Outside USA chamá-lo de “uma anomalia bem-vinda em um esporte que parece ser dominado por ciborgues”. Outros ciclistas lançaram podcasts ou publicaram colunas escritas para mostrar quem realmente são.

Mas nenhum ciclista, que eu saiba, manteve esse nível de diversão enquanto também luta pelo maior prêmio do Tour. E nesse sentido, Pogačar realmente é um unicórnio entre os robôs.

Por que Pogačar consegue manter uma atitude tão descontraída em uma situação tão estressante? Ele já enfrentou muito estresse no Tour ao longo dessas últimas três edições, então talvez ele seja como um aluno do último ano do ensino médio, pronto para brincar e não levar a aula de trigonometria muito a sério. Talvez o humor seja a chave para manter a confiança sob pressão. Ou talvez ele seja realmente assim despreocupado.

Não importa a razão, Pogačar está tornando o Tour de 2023 uma corrida divertida de acompanhar, tanto na transmissão ao vivo quanto nas redes sociais. E pensar que o Tour ainda nem chegou à sua metade.