Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP (Universidade de São Paulo) encontraram, em um simples e antigo hábito, uma solução para melhorar o controle da hipertensão arterial.
Em estudos com ratos, foi observado que o exercício físico aeróbico é capaz de corrigir a disfunção da barreira hematoencefálica, tanto na hipertensão crônica como na insuficiência cardíaca, restaurando o fluxo sanguíneo do cérebro mesmo na persistência da doença.
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A barreira hematoencefálica é uma estrutura que tem a função de regular o transporte de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central, barrando a entrada de substâncias tóxicas e de hormônios plasmáticos em excesso.
Esses hormônios, quando em excesso, são capazes de ativar neurônios que estão envolvidos na regulação do sistema cardiovascular, levando à disfunção autonômica e ao desequilíbrio da circulação sanguínea. Isso facilita o aparecimento de lesões em órgãos-alvo, podendo comprometer coração, cérebro, rim, entre outros órgãos.
“Além de corrigir o controle autonômico da circulação, o treinamento aeróbico também contribui para reduzir de 10% a 15% os níveis da pressão arterial nos hipertensos”, afirma Lisete Compagno Michelini, coordenadora do Laboratório de Fisiologia Cardiovascular, responsável pelos estudos.
Filtro de substâncias
Encontrada nos capilares cerebrais por onde o sangue circula, a barreira hematoencefálica é composta de células endoteliais intimamente ligadas umas às outras por junções, que limitam a passagem de substâncias hidrossolúveis (solúveis em água). Não há limite para a passagem de substância lipossolúveis, como oxigênio e gás carbônico, através da célula endotelial. O problema são as macromoléculas.
“Em indivíduos saudáveis, a passagem de macromoléculas, como substâncias tóxicas e hormônios plasmáticos, feita através de vesículas sanguíneas, é bastante limitada. No entanto, observamos que em hipertensos e portadores de insuficiência cardíaca há um aumento expressivo no número dessas vesículas em áreas autonômicas, o que eleva a permeabilidade da barreira hematoencefálica. Por outro lado, observamos que o treinamento aeróbico reduziu em muito a formação dessas vesículas, além de normalizar a permeabilidade da barreira hematoencefálica”, explica.
Segundo Michelini, já se sabia que em casos de acidente vascular cerebral (AVC), traumas e doenças neurodegenerativas a integridade da barreira era comprometida pela quebra das junções oclusivas, o que permitia livre acesso das substâncias. “Em nossos experimentos, observamos que na hipertensão e insuficiência cardíaca não há quebra em áreas de controle cardiovascular, mas sim, aumento da permeabilidade por facilitação do transporte das vesículas, o que pode ser prontamente corrigido pelo treinamento aeróbico”, destaca.
As descobertas feitas pela equipe reforçam a importância do treinamento físico para a melhora do controle autonômico da circulação, pois além de ser um importante aliado no tratamento farmacológico dessas patologias, possibilita a diminuição da quantidade necessária de medicamentos e, consequentemente, há menos efeitos colaterais. “O exercício físico, assim como diferentes fármacos, favorece a vasodilatação vascular, ajuda a balancear desvios do sistema renina-angiotensina, responsável por regular a pressão arterial, e melhora o controle autonômico da circulação”, afirma.
Os estudos foram realizados no âmbito do projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) Barreira Hematoencefálica – Um novo paradigma no tratamento da Hipertensão e foram publicados em periódicos de circulação internacional (veja abaixo). Outros estudos estão em fase de revisão por pares ou em fase de conclusão.
Desde que teve início, em junho de 2019, o projeto já recebeu, por meio de estudos vinculados a ele, seis premiações nacionais e internacionais, como o título de melhor trabalho publicado recentemente em seleção da Sociedade Americana de Fisiologia; o prêmio de pesquisadora revelação da International Society of Hypertension, concedido à pós-doutoranda Hiviny de Ataídes Raquel; e o 3º lugar no prêmio Álvaro Ozório de Almeida da Sociedade Brasileira de Fisiologia 2022 concedido à mestranda Sany Martins Pérego.
O projeto temático tem vigência até maio de 2024. O grupo segue estudando o funcionamento da barreira hematoencefálica, agora com o objetivo de avaliar se o transporte vesicular aumentado na hipertensão e insuficiência cardíaca, mas reduzido em ambas as situações pelo treinamento aeróbio, são mediados pela disponibilidade do hormônio angiotensina II e/ou de citocinas pró-inflamatórias. O grupo irá ainda verificar se os resultados obtidos na hipertensão primária, de origem neurogênica, são também aplicáveis à hipertensão secundária, ou seja, derivada de uma outra condição.
Fonte: Jornal da USP