Conheça o casal que pretende visitar todos os 74 parques nacionais do Brasil

Por Alexandre Versiani

De trailer, bike, caiaque ou a pé: Dennis Hyde e Letícia Alves já passaram por lugares icônicos do nosso país. Foto: Arquivo Pessoal.

DURANTE UMA viagem de férias ao Parque Nacional da Serra das Confusões, no sul do Piauí, o economista Dennis Hyde e a psicóloga Letícia Alves descobriram que eram os dois únicos visitantes daquele local em um bom período de tempo.

A euforia por serem testemunhas praticamente exclusivas de um ecossistema tão mágico e surpreendente – a Serra das Confusões é a maior reserva de caatinga do país – aos poucos foi sendo substituída pela necessidade de mostrar a mais pessoas a importância da preservação desse patrimônio incalculável, desconhecido de muitos brasileiros.

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Esse foi o “clique” para que o casal paulistano decidisse dar início ao projeto Entre Parques, uma expedição inédita feita de trailer que pretende visitar e documentar todos os 74 parques nacionais do Brasil.

A aventura, que consumiu quase três anos de planejamento, começou de maneira simbólica: no dia 5 de junho de 2021, Dia Mundial do Meio Ambiente, no Parque Nacional do Itatiaia (RJ), o mais antigo do país.

Mina abandonada no Parque Nacional da Serra do Itajaí. Foto: Arquivo Pessoal.

A jornada é feita a bordo de um veículo 4×4 acoplado a um trailer, que também serve de casa. Até o momento, Letícia e Dennis já estiveram em mais de 20 parques, incluindo todos os 13 da região Sul, como Aparados da Serra, Lagoa do Peixe, Iguaçu e São Joaquim, além de outros das regiões Sudeste e Centro-Oeste, como Serra do Cipó, Chapada dos Veadeiros, Serra da Bodoquena e Serra da Canastra.

A expedição deve terminar apenas em 2024 no paradisíaco arquipélago de Fernando de Noronha. Pelo caminho, uma verdadeira coleção de histórias e amizades, contadas através do site do projeto.

“Foi necessário um longo planejamento, que passou por várias etapas, antes de a gente conseguir pegar a estrada”, revela Letícia, de 37 anos, que fechou seu consultório em São Paulo para mergulhar na experiência.

“Uma curiosidade é que foi preciso pesquisar até mesmo quantos parques nacionais realmente havia no Brasil. Isso não estava explícito em nenhum lugar. Entramos no site do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), montamos uma tabela e listamos um por um”, conta a psicóloga. Para conhecer a fundo, o casal estipulou um prazo de 15 dias em média para cada parque, o que transformou o projeto numa aventura de longo prazo.

Tucano no Parque Nacional das Emas (GO). Foto: Arquivo Pessoal.

Sem patrocínio ou fins lucrativos, o Entre Parques tem como objetivo estimular uma maior conexão com a natureza, além de alertar sobre a importância dos parques nacionais para a preservação ambiental do Brasil. Além disso, o projeto quer incentivar o turismo consciente para que isso possa impactar positivamente a economia desses locais. Dennis, que trabalhou por mais de 20 anos no mercado financeiro, destaca que há uma escassez de informações disponíveis sobre os nossos parques nacionais, o que faz com que poucas pessoas visitem e valorizem a nossa natureza.

“Existe um longo caminho a ser percorrido, mas o potencial de visitação dos parques nacionais é enorme”, diz Dennis, apontando que o turismo nesses locais também poderia ser mais bem distribuído. “De acordo com o ICMBio, 78% dos 9,8 milhões de visitantes desses parques estiveram concentrados em apenas cinco locais em 2019: Tijuca, Iguaçu, Jericoacoara, Bocaina e Fernando de Noronha. Nos EUA, nesse mesmo ano, foram 89,8 milhões de visitantes, com 55% deles concentrados em dez parques. É muito mais espalhado por lá”, avalia o economista.

Com esses números em mãos, Dennis calcula que se o Brasil conseguisse incentivar que os parques nacionais fossem mais visitados, mesmo respeitando as diferenças de renda e de população em relação aos EUA, o Brasil poderia gerar 174 mil empregos diretos a mais, além de acrescentar R$ 15 bilhões anuais ao seu Produto Interno Bruto (PIB). “Claro que não estamos falando aqui de um turismo de massa num destino de natureza, o que seria extremamente prejudicial, mas, sim, de um potencial de crescimento em relação ao turismo sustentável”, ressalta.

Vista das araucárias pela janela do trailer no Parques Nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral. Foto: Arquivo Pessoal.

O que vale é a jornada

A expedição Entre Parques está sendo feita em um trailer equipado com quarto, banheiro e cozinha. A preferência pela “casa acoplada” foi escolhida por causa da mobilidade, já que, ao chegarem em uma cidade nova, eles podem deixar o trailer num local seguro e ter a liberdade de se deslocarem pela região usando apenas o 4×4. Além disso, o trailer oferece o conforto de dormir e acordar sempre num mesmo ambiente.

Há quase um ano morando na estrada, Dennis e Letícia procuram manter uma rotina que envolve acordar cedo e começar o dia com exercícios, alongamento e um reforçado café da manhã antes de encarar as trilhas, que podem ser feitas a pé, remando ou de bike. Os passeios variam de 1 a 20 km – às vezes até mais – e se estendem até o fim da tarde. Na volta, tempo para jantar, banho, leitura e uma boa noite de sono.

Com esse novo estilo de vida, uma das coisas que Letícia e Dennis têm aprendido é abrir espaço para o imprevisto. Como não é sempre que encontram informações precisas sobre os parques, eles reservam uma boa parte do tempo para entender mais sobre as peculiaridades daquele local através da observação e do contato com as pessoas locais.

“É muito bom chegar num lugar e ser surpreendido pelas coisas que há para fazer. Quando estamos de férias, normalmente já vamos com tudo planejado, temos os dias bem ocupados e organizados. Nosso grande aprendizado tem sido não ter pressa – permitir-se observar as coisas com mais tempo, calma e paciência para ter outra experiência”, afirma Letícia.

Durante uma visita à Trilha do Rio do Boi, no Parque Nacional dos Aparados da Serra, eles puderam sentir isso na prática. “Ali tem uma vista espetacular do fim dos paredões do cânion Itaimbezinho, realmente é lindo. O que ninguém fala – e não tínhamos achado em nenhum lugar – é que existem 7 ou 8 km de trilhas, sendo metade delas secas e a outra metade cruzando o rio várias vezes. São maravilhosos em termos de natureza. Ali morava gente, tinha escola, as pessoas precisavam lidar com a ausência de energia elétrica. É muita história envolvida. Os parques nacionais te permitem chegar a esses lugares lindos, mas nossa dica é curtir o caminho, não apenas o ponto de chegada”, aconselha Dennis.

No entanto nem todos os dias são tranquilos. Além de registrar o que a natureza brasileira tem de melhor, o casal também se depara com ameaças recorrentes à nossa biodiversidade, como queimadas, pastagens, lavouras, garimpo, caça ilegal, além de hostilidades a servidores ou moradores que têm a missão de preservar esses lugares.

Isso é apenas um obstáculo para eles, que a cada nova visita reforçam a importância de valorizar a natureza e incentivar o turismo sustentável nos nossos parques nacionais. Depois da aventura, Dennis e Letícia pretendem voltar para suas profissões cheios de aprendizados ou talvez até lançar um novo projeto. “Quem sabe no futuro não fazemos os parques estaduais: Entre Parques SC, Entre Parques PR, Entre Parques SP?”, brinca Dennis.

“A gente escolheu esta expedição pelos 74 parques nacionais por uma característica muito particular. Já visitávamos parques estaduais, municipais, praças e tantos lugares parecidos fora do Brasil. Então isso fez sentido dentro da nossa configuração. Mas você não precisa necessariamente ir para muito longe para ter essa mesma experiência. Existem unidades de conservação próximas de todos, na sua cidade. O ponto é conseguir encontrar o estado de espírito para se deixar afetar pela experiência. Que através da observação do mundo natural, você possa descobrir coisas novas, ampliar a sua visão e aguçar a sua curiosidade de alguma forma”, complementa Letícia.

Matéria originalmente publicada na revista Go Outside 173.







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