A importância de acompanhar a saúde do coração de esportistas

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No último sábado (20) um turista de 68 anos morreu durante uma caminhada na parte alta do Parque Nacional do Itatiaia. Segundo o site de notícias G1, José Carlos Camello da Costa era morador do Rio de Janeiro, montanhista e estava acostumada a fazer trilhas. A vítima sofreu um infarto agudo do miocárdio, enquanto fazia circuito Couto até o Abrigo Rebouças.

O caso nos fez relembrar a importância de cuidarmos do coração. E a Go Outside tem uma reportagem completa sobre como detecar e prevenir problemas cardíacos, mesmo para quem pratica esportes e é considerado saúdavel. Confira:

Por Peter Vigneron*

O NORTE-AMERICANO WILL RECLA entrou para a equipe de corrida em trilha de seu colégio, na cidade de Renton, em Washington, no segundo semestre de 2012. No dia 3 de outubro, Will, um dos calouros mais talentosos da equipe, passou por um exame cardíaco de alta tecnologia com a ajuda da Nick of Time Foundation, uma organização sem fins lucrativos criada nos Estados Unidos para educar atletas e familiares sobre os riscos de paradas cardíacas súbitas, um mal que atinge muitos esportistas no mundo. A Associação Americana do Coração recomenda que atletas façam um extenso exame cardíaco que envolve 14 partes do corpo. A maioria dos alunos de colégios e faculdades daquele país tem que passar por esse teste para poder praticar esportes. Mas, quando era adolescente, o diretor de atletismo da escola de Will testemunhou um amigo ter um colapso e morrer subitamente na sua frente. Por isso exigia que todos os novos atletas passassem também por um eletrocardiograma e um ecocardiograma.


MI CORAZÓN: Especialista ainda divergem sobre a real importância de
se fazer exames complexos de coração (Foto: Rickyd/Shutterstock).

Will não tinha histórico familiar de doenças cardíacas e nunca apresentou sintomas associados a problemas do coração – desmaio, fraqueza ou batimentos irregulares durante exercícios. E nenhum exame de rotina havia detectado qualquer coisa fora do comum. Por isso o telefonema do médico da Fundação Nick of Time, algumas horas depois de seu exame, foi um choque. Sim, tinha algo de errado com o coração de Will, disse o médico, e ele precisava consultar um cardiologista imediatamente. Will logo descobriu que sua válvula aórtica estava esticada e funcionando mal, o que o colocava em risco de uma hemorragia cardíaca catastrófica durante exercícios intensos. Em três meses, ele passou por uma grande cirurgia cardíaca para substituir sua válvula por uma retirada de um porco e, em fevereiro de 2013, já estava correndo novamente. “A Nick of Time salvou a vida do Will”, diz sua mãe, Mary Recla. “Acho que todo mundo deveria passar por um teste desse tipo para detectar problemas no coração.”

Há quem discorde. “É um tema controverso e que inflama os ânimos”, diz o médico norte-americano Barry Maron, principal autor das novas orientações de exames da Associação Americana do Coração. “As pessoas pensam: ‘Se isso pode salvar uma vida, por que não fazer esse teste em todo mundo?’”A resposta para essa pergunta, acredita Barry, é que as desvantagens de se examinar grandes números de pessoas superam a pequena chance de um atleta saudável em todos os outros sentidos morrer durante o treino ou competições. Exames preventivos são caros, apresentam uma alta taxa de falsos dados positivos e podem levar a procedimentos invasivos – e arriscados. “Examinar grandes populações é um problema de saúde pública complexo em muitos países”, explica Barry. “É bem mais complicado do que se imagina.”

Em anos recentes, nem as agências internacionais que controlam os principais esportesde endurance conseguiram chegar a um acordo sobre uma prática padrão. No ano passado, a Federação Mundial de Remo se juntou à União Ciclística Internacional (UCI) nas exigências de eletrocardiogramas anuais para os competidores de provas sob sua chancela. Mas a União Internacional de Triathlon não faz tal exigência – mesmo tendo testemunhado várias mortes durante competições importantes e ficado sabendo que diversos triatletas campeões mundiais sofrem com condições perigosas de saúde.

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Exercícios deixam o coração mais saudável, mas as chances de sofrer um ataque cardíaco aumentam dramaticamente enquanto você os pratica. Atletas jovens com menos de 35 anos têm ainda mais chances de apresentarem problemas não-diagnosticados como arritmias e cardiomiopatia hipertrófica, um espessamento do músculo cardíaco, por isso sofrem maior risco de morrer de doenças arteriais coronárias. Seja lá qual for a idade, para atletas com problemas graves os primeiros sintomas costumam surgir enquanto correm ou pedalam. E, em muitos casos, o primeiro sintoma é uma parada cardíaca repentina, que chega sem avisar.

A FREQUÊNCIA COM QUE UM ATLETA é examinado muitas vezes acaba sendo uma decisão pessoal. Durante meu último ano na faculdade, por exemplo, eu tinha dificuldade em manter o fôlego quando corria. Alguns meses antes, um amigo próximo tinha desmaiado e morrido enquanto jogava futebol, por isso marquei rapidinho consulta com uma médica. Ela detectou um sopro no meu coração, que é um ruído produzido pela passagem do fluxo de sangue através das estruturas cardíacas. Acabei passando por uma bateria de testes similares aos realizados em Will.

Todos os meus testes deram negativo, e tenho corrido sem incidentes desde então. Embora o sopro justificasse os exames, foi essencialmente um falso positivo, ou seja, um problema que na realidade não era nada. Receber esse certificado de saúde significou várias semanas de tensão e não saiu barato.

Em outras palavras, depois que se entra no sistema de diagnósticos cardíacos, fica difícil escapar dele. “O que acontece é que você descobre coisas que parecem perigosas, mas não são”, explica o cardiologista norte-americano Paul Thompson, que ajudou a redigir as orientações da Associação Americana do Coração. Até 10% dos exames de eletrocardiograma resultam em falsos positivos, que levam a mais testes e, às vezes, requerem que os atletas interrompam completamente seus exercícios.


PREPARADOS: Exames preventivos estão longe de ser um consenso (Foto: Yeko Photo Studio/Shutterstock).

Até mesmo o diagnóstico de problemas reais pode levar a resultados confusos. “Tome como exemplo a cardiomiopatia hipertrófica”, diz Paul Thompson. “Uma em cada 500 pessoas tem esse problema, mas bem menos que uma a cada 500 morrem. Qual é o problema? Bem, temos dificuldade em ignorar a cardiomiopatia.” Depois que os médicos encontram anormalidades, potencialmente benignas ou não, eles são obrigados a realizar testes e procedimentos adicionais – como cauterizar uma secção de tecido cardíaco para controlar uma arritmia, por exemplo, ou implantar um desfibrilador – que oferecem seus próprios riscos. Muitos desses pacientes nunca iriam apresentar dificuldades cardíacas ao longo da vida. “É muito difícil para as pessoas aceitarem isso”, afirma Paul. “Você acaba criando mais problemas em vez de salvar vidas.”

Ainda assim, os testes salvam vidas. Nos anos 1980, a Itália começou a exigir que todos os atletas, independentemente da idade, passassem antes das provas por exames que incluíam um eletrocardiograma. Na década que se seguiu a essa decisão, a taxa de mortes súbitas por causas cardíacas caiu quase 90%, para uma em cada 250 mil pessoas. Os resultados da Itália são a razão pela qual a norte-americana Kimberly Harmon, médica do departamento de atletismo da Universidade de Washington, está entre os profissionais de saúde que defendem mais testes de eletrocardiogramas. “Se vamos fazer exames, deveríamos optar pelo mais eficaz”, diz ela.

Embora ocorrências cardíacas sejam o fator mais comum na mortalidade de atletas, quase todos os médicos concordam que o número total de mortes em esportes de endurance é relativamente pequeno. “Há questões de saúde pública muito mais importantes”, diz o norte-americano William Roberts, médico da Universidade de Minnesota que estudou mortes súbitas por causas cardíacas em atletas. Em todos os Estados Unidos, William estima que menos de cinco corredores morrem durante maratonas ou meia-maratonas a cada ano. “O que os atletas têm de especial para precisarem de exames tão sofisticados?”

Talvez nada, e é exatamente por isso que médicos como Kimberly recomendam orientações mais específicas para esse grupo de pacientes. Eles defendem exames ampliados de eletrocardiograma para jovens jogadores de basquete e corredores de cross-country, dois dos grupos de jovens sob maior risco, de acordo com a pesquisa de Kimberly. Os defensores de exames também encorajam atletas adultos a monitorarem seus perfis de risco. “Os homens sofrem mais ataques cardíacos que as mulheres”, diz a médica. “Depois é preciso olhar para fatores como histórico familiar. Algum parente seu teve um ataque cardíaco antes dos 40 anos? Qual é sua taxa de colesterol? Já sentiu dores no peito? E o mais preocupante de todos: você já desmaiou fazendo exercícios?”

Will não apresentava qualquer sintoma antes de ser examinado, mas fica difícil argumentar que ele não deveria ter passado pelo check-up. “Não há drama na história do meu filho porque Will está bem”, diz a mãe, Mary Recla. “Mas sem os testes jamais teríamos tido a menor ideia do problema dele.”

Quais são suas chances?

Sua susceptibilidade a doenças cardíacas é chamada de “perfil de risco”, determinado por uma série de fatores, incluindo idade, raça, peso, histórico familiar e alimentação. Entre os atletas, os riscos variam de acordo com os esportes praticados. Para atletas de endurance acima dos 35 anos, principalmente os homens, o maior risco é a doença arterial coronária. Alguns pesquisadores acreditam que triatletas com anormalidades cardíacas têm maior probabilidade que atletas de outras modalidades de morrerem devido a um episódio cardíaco porque a água gelada pode acionar sintomas. Esquiadores fora de pista que fazem longa distância demonstram taxas acima da média de fibrilação atrial e bradiarritmias, e as causas de morte mais comuns para maratonistas durante uma prova são cardiomiopatias hipertróficas e doença arterial coronária.

Check-up básico

Alguns exames preventivos que podem ser feitos por atletas jovens:

> Um eletrocardiograma (ou ECG) monitora os sinais elétricos do coração em busca de ritmos anormais. É usado para detectar problemas como a cardiomiopatia hipertrófica e síndrome do QT longo, um tipo de taquiarritmia ventricular congênita.

> Ecocardiogramas usam ondas sonoras para fazer um diagrama do coração, de modo similar ao ultrassom para visualizar fetos. É o melhor teste para diagnosticar doenças cardíacas estruturais, como alargamentos da válvula aórtica, mas também é útil para confirmar suspeitas de cardiomiopatia hipertrófica.

> Já nos testes de esforço o paciente é conectado a um eletrocardiograma e um monitor de pressão sanguínea enquanto está em uma esteira. Esse exame oferece uma visão ampla do coração durante o exercício e é também utilizado para diagnosticar doença arterial coronária.

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*Matéria publicada originalmente na Go Outside 115, de janeiro/fevereiro de 2015.