Quando pensamos em vulcões, a primeira coisa que vem à cabeça são montanhas em forma de cone expelindo lava, detritos e gases. Peça a uma criança para desenhar um vulcão e ela instintivamente fará uma representação sem muito esforço, mesmo sem nunca ter visto um na vida. É a prova de que o ser humano tem um verdadeiro fascínio pelos vulcões como uma verdadeira conexão entre nós e o planeta Terra.
Os vulcões localizados na região do Equador são conhecidos por serem altamente ativos. Eles estão localizados na cadeia de vulcões dos Andes, uma das mais longas do mundo. Antes mesmo de pousar na capital Quito, já é possível visualizar alguns vulcões cobertos de neve ao redor da cidade. São precisamente 84 em todo o território equatoriano, divididos entre extinto ou adormecido, potencialmente ativo, ativo e em erupção. No Equador há vulcões com todas essas classificações.
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Assim como nós, cada vulcão tem a sua personalidade, humor e estado de espírito. E isso torna esses gigantes de lava e gelo, formações bastante únicas. Alguns são mais silenciosos, outros mais agitados, estressados e agressivos. Alheios à tentativa humana de classificá-los e padronizá-los, é impossível prever qual será o próximo sentimento que esses gigantes vão manifestar. Por isso a vulcanologia é uma ciência de observação: nada mais se pode fazer a não ser observar e buscar entender como viver em harmonia com os vulcões.
No Equador é impressionante presenciar a quantidade de pessoas que vivem perto deles. Há milhares de anos seres humanos e vulcões têm convivido de perto e a pergunta é sempre a mesma: por quê? A resposta está na vida após a destruição. No Equador é possível observar que a maior parte daqueles que vivem ao redor dos vulcões tem como maior fonte de renda a agricultura – e isso só é possível graças às grandes erupções que fornecem cinzas ricas em minerais que fertilizam o solo. Com erupções constantes ao longo do tempo, a terra é reabastecida com mais minerais tornando-a cada vez mais fértiol e produtiva.
Paraíso dos montanhistas
A escalada de vulcões no Equador é uma atividade perfeita para os montanhistas. A maioria dos vulcões equatorianos são considerados de dificuldade moderada a difícil, graças à sua altitude e condições climáticas adversas. A escalada geralmente é realizada com guias e é necessário estar em boa forma. Além disso, é altamente recomendado verificar previamente as condições de segurança do vulcão antes de planejar a escalada, seguindo as recomendações dos especialistas.
Trabalho com expedições em alta montanha e, em minhas observações, não deixei de notar que Quito é atravessada por diversas falhas geológicas, que geram movimentos tectônicos e pequenos terremotos com grande frequência. Além disso, a cidade fica em um planalto Andino e próximo à capital está o vulcão Rucu Pichincha, o primeiro vulcão da minha expedição. Esse é o mais acessível e visitado por possuir um teleférico que leva até a parte alta da montanha, a quase 4.000 metros de altitude. Depois é só seguir por uma trilha bem demarcada.
“A expedição durou 14 dias, e nosso grupo conseguiu escalar com sucesso quatro dos seis vulcões que havíamos planejado para a viagem, o que só atiçou em todos a vontade de explorar mais.”
Nessa altitude é notável a mudança no ambiente ao redor: o que antes eram árvores altas e espessas, agora dá espaço a uma vegetação rasteira por conta da redução das moléculas de oxigênio disponíveis no ar. Nesse ponto já é possível observar a caldeira do vulcão, que causou uma grande destruição em Quito durante sua última erupção, em 1859. Do topo da cratera dá para ver o fundo da caldeira, por isso é importante chegar cedo, pois durante a tarde as nuvens costumam cobrir toda a região.
Seguindo pela autoestrada conhecida no Equador como “Avenida dos Vulcões”, vê-se pelo menos meia dúzia deles da janela do carro. Isso me faz pensar como esse lugar poderia abrigar vida há alguns milhares de anos. Se em alguns lugares no mundo um único vulcão é capaz de destruir uma civilização, como o Monte Vesúvio, na Itália, que devastou Pompéia, imagine um país do tamanho do estado de São Paulo com 84 vulcões! Se alguns deles decidissem despertar, poderia ser uma verdadeira catástrofe.
Illiniza Sul e Norte
Chegando à reserva ecológica do vulcão Illiniza já vemos a incrível formação de seus dois picos: Illiniza Sul e Norte, que antigamente eram uma formação única, mas por conta das erupções colapsou e se dividiu em dois. Ouvi histórias dos moradores e guias locais sobre essa ser a maior montanha das Américas antes do colapso, ultrapassando até mesmo o Aconcágua, na Argentina, com seus imponentes 6.961 metros de altitude.
O Illiniza Sul é uma montanha mais técnica e exigente, que requer experiência. O mais curioso é que seu cume nevado é coberto por lava, depositada antes da montanha se desfazer parcialmente. Por ser 119 metros mais alto que seu irmão do Norte, ele recebe todos os ventos do Sul, mantendo seu glaciar e deixando seu cume sempre nevado, enquanto o Norte fica sem gelo na maior parte do ano. Já o Illiniza Norte possui uma formação de rochas magmáticas com um tom amarelado devido à quantidade de enxofre e outros produtos provenientes das erupções. São em média oito horas de atividade entre subir e descer.
A sequência leva ao vulcão Cayambe, o terceiro maior do país. Quando quis escalar o vulcão Cotopaxi, em outubro de 2022 ele ficou estressado, entrou em processo eruptivo e desde então está fechado para escalada. Assim, subi o Cayambe naquela ocasião, quando dava para ver a água passando por baixo do glaciar e, mesmo durante a madrugada, no horário mais frio, com temperaturas negativas, o fluxo era bem grande, fruto do aquecimento global que vem reduzindo drasticamente os glaciares das grandes montanhas.
O cheiro de enxofre era forte em alguns pontos da montanha, mas a escalada não durou muito. Uma grande tempestade os obrigou a descer por conta do risco de descargas elétricas. Do alto víamos as inúmeras lanternas das outras expedições regressando ao refúgio. Era o último dia do ano e, mesmo sem chegar ao topo, a felicidade estava estampada no rosto do meu grupo por ter passado por uma experiência incrível, podendo voltar em segurança para contar a história.
Gigante Chimborazo
O Vulcão Chimborazo era o próximo da lista. Com 6.263 metros, ele é o maior do Equador e também o ponto mais distante do centro da Terra. Mas não conseguimos chegar ao refúgio base por conta da nevasca, além da grande quantidade de gelo depositada na estrada. O fato de nem chegar ao refúgio já foi o suficiente para abortar a escalada, pois com tanta neve e rampas de mais de 60° de inclinação, havia o risco iminente de avalanche. Abortar a atividade foi a melhor escolha. A expedição durou 14 dias, e nosso grupo conseguiu escalar com sucesso quatro dos seis vulcões que havíamos planejado para a viagem, o que só atiçou em todos a vontade de explorar mais.
Saindo do Parque Nacional do Chimborazo, fomos para Baños, uma cidadezinha aos pés do vulcão Tungurahua. Conhecida por oferecer a possibilidade de diversas práticas de esportes outdoor (além de relaxantes termas), é a típica cidade que nos faz sentir dentro do filme “O Inferno de Dante”, que conta a história de um vulcão que entra em erupção e engole a cidade. Até os degraus do hotel onde me hospedei eram feitos de Pedra Pomes de origem vulcânica.
Fizemos um trekking de 12 km por dentro da Amazônia Equatoriana, passando pela rota dos contrabandistas, que antigamente era utilizada para contrabando de licores e aguardente de cana produzida em El Puyo. O caminho todo nos faz recordar que estamos ao redor de um grande vulcão. Ao longo da trilha, o rio Pastaza é coberto por lava solidificada, que em contato com a água foi endurecendo e formando o caminho. O percurso é selvagem e possui uma biodiversidade excepcional. Foi a primeira vez que vi a fruta do guaraná. No final da trilha atravessamos o rio e para isso usamos um “Tarabita”, teleférico um tanto rudimentar em forma cesta, que nos dá uma visão privilegiada do vale.
Retornei à pousada para no outro dia iniciar a escalada do Antisana, um vulcão assustadoramente lindo, selvagem e imponente. Ao entrar na reserva ecológica, vemos grandes planícies chamadas de Páramo e uma incrível diversidade de animais selvagens como cervos, cavalos selvagens e condores.
No caminho há bombas vulcânicas, uma massa de rocha fundida de magma lançada por erupções vulcânicas que se solidifica no ar antes de tocar o solo, algumas podem ser pequenas do tamanho de uma maçã, outras do tamanho de uma melancia ou até mesmo chegar a duas toneladas. Ao passar pela portaria do parque, fui alertado de que eu e meu parceiro de cordada seríamos os únicos na montanha, o que no início me deixou bem apreensivo, já que qualquer tipo de resgate só chegaria dois dias depois, quando percebessem que não saímos do parque.
Essa montanha tem uma escalada técnica, que requer experiência, pois o caminho é cheio de fendas, pontes e paredes de gelo. Quando estacionamos, meu parceiro indicou onde tinha guardado a chave do carro para qualquer necessidade. Sabia que ali não era um lugar para dar margem para erro em hipótese alguma. Era meia-noite quando saímos para o ataque ao cume. A noite estava linda e a lua cheia nos acompanhou em todo o caminho. Ao adentrar no glaciar, me impressionei com a quantidade de gretas e paredes verticais logo no início da escalada, mal sabia que seria assim do início ao fim! Por ser um vulcão mais selvagem e pouco visitado, o caminho acaba sendo apagado pela neve e assim temos que subir abrindo a trilha.
Esse vulcão tem o segundo maior glaciar em extensão do país, perdendo apenas para o Chimborazo. São zigue-zagues intermináveis contornando as gretas, que mais pareciam a cascata de gelo do Khumbu, no Everest. Pela primeira vez tive a oportunidade de escalar um vulcão sozinho, pois nesse dia não havia outros grupos realizando a escalada. Foi um grande privilégio poder realizar esse sonho, já que esse vulcão era o que eu mais estava ansioso para conhecer.
Vulcões do Equador
O montanhismo nos vulcões do Equador pode ser realizado quase o ano todo e a melhor época para escalar varia de acordo com o local e as condições climáticas. Em geral, a melhor opção é durante o verão, de dezembro a março, quando as temperaturas são mais altas e as chuvas menos frequentes. No entanto, é importante levar em conta que o clima no Equador pode ser instável e difícil de prever com precisão. No cume as condições podem ser diferentes das da base. Portanto, é importante sempre verificar previamente as condições climáticas e de segurança do vulcão antes de planejar a escalada. Separamos abaixo uma lista com alguns dos vulcões mais procurados do país.
Chimborazo:
Localizado a cerca de 140 km ao sul de Quito, o Chimborazo é um vulcão ativo e o maior do país, com 6.298 metros. Sua escalada é considerada desafiadora devido à presença de neve e gelo no topo. Um dos grandes motivos para visitá-lo é que o Chimborazo é o ponto mais distante do núcleo da Terra, dois quilômetros a mais que o Everest por causa da diferença no diâmetro do Planeta em latitudes diferentes.
Altitude: 6.268 metros
Grau de dificuldade: Alto
Cayambe
O Vulcão Cayambe é um dos mais ativos do país e a terceira montanha mais alta do Equador. Ele fica a cerca de 80 km ao norte de Quito. Assim como o Chimborazo, também possui gelo e neve no cume, e sua subida exige um bom preparo físico e certo grau de experiência.
Altitude: 5.790 metros
Grau de dificuldade: Alto
Rucu Pichincha
O Vulcão Rucu Pichincha é um vulcão ativo bastante popular no Equador devido à sua proximidade com Quito e uma bela vista panorâmica da cidade. A escalada por lá geralmente é realizada em um dia. Os escaladores geralmente iniciam a escalada a partir do parque metropolitano de Quito, passando por florestas e áreas rochosas antes de chegar ao cume.
Altitude: 4.696 metros
Grau de dificuldade: Baixo
Illiniza Sul e Norte
O vulcão Illiniza é composto por dois picos, o Illiniza Norte e o Illiniza Sul. Por causa da proximidade com Quito, ambos os picos são considerados de dificuldade moderada. A escalada do Illiniza Norte geralmente é realizada em um dia, com a subida começando na base do vulcão e terminando no cume. Já a subida do Illiniza Sul é mais desafiadora, geralmente realizada em dois dias, com uma noite acampando na montanha.
Altitude: 5.126 (Illiniza Norte) e 5,248 metros (Illiniza Sul)
Grau de dificuldade: Moderado
Antisana
O Vulcão Antisana é um vulcão ativo localizado a cerca de 70 km ao sul da capital. É o quarto ponto mais alto do país e conhecido por sua beleza natural e sua variedade de vida selvagem, incluindo condores e alpacas andinas. A escalada do Antisana é considerada desafiadora por causa da altitude elevada, condições climáticas adversas e, mais uma vez, a presença de neve e gelo no cume.
Altitude: 5.704 metros
Grau de dificuldade: Alto
Quem leva
Agência: Grade 6 Expedições
grade6.com.br
19 3305-5040
*Fernando Chevchuk é guia de montanha na Grade 6 Expedições.