AQUELE MONÓLOGO dentro da cabeça é o tema de vários estudos de psicologia esportiva e a estrela do best-seller de 2021 Chatter [Tagarelar, em tradução livre] do psicólogo da Universidade de Michigan Ethan Kross. Assumir o controle da voz interior passou de autoajuda a um reforço positivo na performance baseado em evidências e testado no campo de batalha. Pelo menos é o que estamos sendo levados a acreditar.
Na prática, assim que assimilamos que as palavras que dizemos a nós mesmo têm poder, o que exatamente devemos falar? Com que frequência? E em que circunstâncias? Esses são os tipos de questões objetivas que os pesquisadores pretendem abordar. Um estudo descobriu que mudar a autofala de primeira pessoa (“Eu consigo fazer isso”) para a segunda pessoa (“Você consegue fazer isso”) melhorou em 2,2% os tempos de ciclistas nos 10 km, supostamente porque a mudança implicava uma maior sensação de distanciamento do que poderia parecer um desafio grande demais.
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O que os psicólogos do esporte chamam de autofala motivacional pode soar tão suspeito quanto a ideia de “o que você acredita você pode alcançar”. Mas a versão atualizada tem algum peso empírico. Numerosos estudos têm mostrado que, durante exercícios de resistência, é sua percepção de quanto esforço e dedicação você está colocando na sua performance que dá o ritmo. Cientistas da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, mostraram em um estudo de 2004 que sinais externos sutis, como gritos de encorajamento dos espectadores, podem tornar o esforço físico menos extenuante, mesmo que a frequência cardíaca, os níveis de lactato e a fadiga muscular permaneçam inalterados. O mesmo acontece com falas internas, como: “Você consegue fazer isso” em vez de “Quebrei, não vou aguentar”.
Em um estudo de 2014, por exemplo, uma equipe de pesquisa liderada por Samuele Marcora, na Universidade de Bangor, no País de Gales, recrutou 24 voluntários e ensinou metade deles a usar a autofala positiva durante o exercício. O processo era simples: depois de realizar um teste de ciclismo até a exaustão, os participantes escreviam os pensamentos que lhes ocorreram durante o pedal, identificavam os positivos e os usavam durante ao menos três treinos subsequentes. Duas semanas depois, eles repetiram o teste. O grupo da autofala resistiu 18% a mais, enquanto o grupo de controle não experimentou nenhuma mudança. De acordo com a equipe de pesquisa, embora os participantes estivessem no mesmo nível, aqueles que alteraram seu diálogo interno avaliaram o esforço como mais fácil durante o segundo teste.
Esse e outros experimentos deixam, contudo, uma pergunta sem resposta: o diálogo interno negativo te atrasa ou o diálogo interno positivo te acelera? No início deste ano, em um estudo publicado na revista Psychophysiology, pesquisadores liderados por Fabien Basset, da Universidade Memorial da Terra Nova, no Canadá, acrescentaram alguns dados relevantes ao debate. Eles recrutaram 29 voluntários e deram a eles treinamento de autofala. Um terço deles tinha que correr na esteira por uma hora, em ritmo moderado, enquanto usava seu treinamento positivo de autofala. Um segundo grupo fez a mesma corrida, mas com um diálogo interno negativo, usando declarações como: “Minha energia está baixa” e “Eu quero parar”. O terceiro grupo, por sua vez, completou a corrida enquanto ouvia um documentário em áudio chamado O Universo de Stephen Hawking, para distraí-los e afastar tanto a autofala positiva quanto a negativa.
Surpreendentemente, nenhuma diferença foi observada entre os grupos de autofala positiva e aqueles que ouviram as reflexões de Stephen Hawking, sugerindo que a distração é tão boa quanto a torcida. A autofala negativa, por outro lado, tornou o esforço mais difícil. Os corredores deste grupo tinham um ritmo de respiração mais rápido, juntamente com níveis mais altos do hormônio do estresse cortisol na saliva, indicando que a autofala do apocalipse pode desencadear ansiedade e estresse, contribuindo assim para uma profecia fisiologicamente autorrealizável.
Essa é uma descoberta importante, porque o pensamento negativo é a opção padrão de muitos atletas de resistência. Um estudo dinamarquês publicado no ano passado na revista Consciousness and Cognition analisou os monólogos internos de 165 corredores. Em comparação aos jogadores de badminton, eles eram mais propensos a rela- tar temas como “não vou conseguir”. A única resposta que ainda era mais comum entre os corredores do que autoavaliações sombrias era “o que vou fazer mais tarde hoje?” – um meio de distração semelhante ao documentário de Stephen Hawking.
“Assim que assimilamos que as palavras que dizemos a nós mesmo têm poder, o que exatamente devemos falar? Com que frequência? E em que circunstâncias?”
Há, entretanto, uma ressalva importante em relação às descobertas de Fabien. O pace para a corrida de uma hora foi de 70% do VO2 máx. dos participantes, que é um esforço moderado. Em uma corrida com esforço total, seria de se esperar uma dose muito maior de negatividade, impulsionada pelo crescente sofrimento fisiológico. Modos de distração, como podcasts e música, podem ser ótimos para uma rodagem fácil, mas quem estiver tentando ultrapassar os limites vai ter de lidar diretamente com sentimentos e emoções específicos. No Km 30 de uma maratona, não há espaço para neutra- lidade: é uma batalha mental entre a agonia daquele momento e o êxtase que te espera no futuro próximo – se você aguentar.
Com isso em mente, eu seria cauteloso ao generalizar sobre os resultados de Fabien. Existem claramente algumas situações em que é útil evitar diálogos internos negativos – com distrações, por exemplo. Há provavelmente outras situações, incluindo corridas duras, em que ter um arsenal de frases encorajadoras à sua disposição pode ser um trunfo. E, como aprendi há alguns anos com Phil Wallace, pesquisador de autofala da Universidade Brock, do Canadá, pode até haver alguns cenários que não se encaixam perfeitamente em nenhuma das categorias.
Assim que assimilamos o que exatamente devemos falar? Com que frequência? E em que circunstâncias? Em 2017, Phil foi o principal autor de um dos estudos que ajudaram a estabelecer a autofala motivacional como uma intervenção baseada na ciência e também usa a autofala ao treinar atletas no mundo real. “No fim das contas, essas intervenções são ferramentas”, diz Phil. “Algumas pessoas usam uma chave de fenda para parafusar algo, e outras pessoas utilizam a extremidade traseira da mesma peça para martelar um prego.”