HISTÓRIAS CABELUDAS de sobrevivência no outdoor são quase como um folclore. Quem nunca sentou ao redor de uma fogueira e ouviu alguém contar sobre aquela vez em que quase perdeu a vida. É uma linha tênue: do mesmo jeito que apreciamos esses relatos, também esperamos aprender com os erros dos outros para saber como evitá-los.

Até pouco tempo atrás, encontrar dados aprofundados sobre as causas mais comuns de resgates no outdoor – assim como as melhores práticas para enfrentar esses perrengues – era algo difícil e fragmentado, restrito a alguns trabalhos acadêmicos e relatórios de acidentes divulgados por organizações notáveis como o American Alpine Club.

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No início deste ano, o site de viagens SmokyMountains.com lançou uma análise mais abrangente, com 103 tentativas bem-sucedidas de Search and Rescue [SAR, na sigla em inglês para bus- ca e resgate] nos EUA e Canadá, tiradas de notícias datadas entre 1994 e 2018. É claro que, em um mundo perfeito, ninguém jamais precisaria de uma equipe de SAR, mas esse banco de dados e infográfico intitulado “Safe & Found” [“são e achado”, em português] fornece uma imagem mais clara (e às vezes surpreendente) de como a maioria dos aventureiros consegue se perder e ser encontrado novamente.

“De longe, a lição mais importante é não sair da trilha”, avalia David Angotti, fundador do SmokyMountains.com. De acordo com o relatório, 41% dos 103 casos de SAR resultaram de pessoas que saíram da trilha, número exatamente igual às três categorias seguintes somadas: mau tempo (17%), queda (16%) e separação do grupo (8%). Lesões, escuridão e falha do equipa- mento completam o pacote, com 7%, 6% e 5%, respectivamente.

David e sua equipe examinaram cuidadosamente cada um dos 103 artigos publicados que atenderam aos critérios do estudo. Eles então dividiram as informações em categorias fáceis de serem decifradas, colocando uma forte ênfase nas quatro maiores necessidades de sobrevivência ao ar livre: abrigo, água, calor e comida.

A partir daí, a equipe organizou as descobertas para ilustrar como aqueles que precisavam de SAR conseguiram sobreviver. Muitos dos detalhes são surpreendentes, como a experiência de Gilbert Dewey Gaedcke, que se perdeu num campo de lava perto do vulcão Kilauea, no Havaí, em 2005, e extraiu água de musgos para sobreviver por cinco dias, até que o resgate chegasse. “Coloquei minha mão em uma árvore e encontrei algo. Parecia esponjoso. E isso acabou salvando minha vida”, relatou Gilbert à CNN.

Quando Annette Poitras, mais uma participante do estudo, caiu e se machucou enquanto caminhava na Colúmbia Britânica, no Canadá, em 2017, ela ficou exposta a três dias de chuvas torrenciais com apenas seus três cães para mantê-la segura. Annette creditou sua sobrevivência à cadela boxer, Roxy, por se aninhar ao seu corpo, mantê-la aquecida todas as noites e, finalmente, alertar a equipe de resgate com latidos. “Ela latia sem parar”, contou Annette ao Global News. “Eu estava muito fraca, não consegui gritar.”

Uma das revelações mais chocantes do estudo foi o que algumas pessoas comeram para sobreviver, segundo David. Um homem, quando perdido no interior ao oeste de Quebec, no Canadá, por 90 dias em 2013, foi forçado a matar seu cachorro para se alimentar.

Outros que se encontravam em ambientes áridos e desérticos recorreram à própria urina. Várias pessoas comeram insetos para sobreviver, relata David, como Greig Haim, que, depois de quebrar a perna em Kings Canyon, nos EUA, afirmou ter comido “tudo o que conseguia pegar: dois grilos, cinco ou seis mariposas, oito ou dez formigas grandes e três ou quatro insetos aquáticos”.

“O erro número um que vejo é a falta de preparação”, afirma Andrew Herrington. Líder da equipe de busca e salvamento no Parque Nacional das Great Smoky Mountains, nos EUA, Andrew foi um dos especialistas entrevistados com que David trabalhou para reunir dicas de sobrevivência para o estudo.

Seu conselho? Sempre carregue “Os 10 Essenciais” (veja o quadro), conte seus planos de viagem para duas pessoas confiáveis, baixe um aplicativo GPS offline e use roupas de alta qualidade, específicas para atividades ao ar livre. Para David, os resultados do estudo deveriam ser divertidos e agradáveis, mas educar o público foi sua principal prioridade. “Se este estudo e os gráficos interativos levarem à segurança nas caminhadas, então teremos sucesso em nosso objetivo.”

OS 10 ESSENCIAIS
Foto: Shutterstock.

Partindo para uma grande aventura? De acordo com o relatório “Safe & Found”, uma das melhores maneiras de evitar o perrengue é levar “Os 10 Essenciais”, que compõe o pacote de itens básicos para a sobrevivência no outdoor.

NAVEGAÇÃO
Os sistemas de navegação são utilizados para planejar o percurso antes da viagem e orientar a aventura. Saiba como usar um mapa topográfico ou de relevo, bem como manusear uma bússola ou equipamento GPS antes de sair.

EXPOSIÇÃO AO SOL
A proteção solar é necessária para blindar a pele e os olhos dos raios UV, responsáveis ​​por queimaduras e câncer de pele. Considere usar óculos escuros, loção com fator de proteção e chapéus. Roupas de proteção solar, como calças e camisas de manga comprida, também podem ajudar a minimizar a exposição ao sol.

ISOLANTES TÉRMICOS
A natureza é imprevisível. Esteja preparado para mudanças repentinas nas condições climáticas. Leve uma camada extra de roupa, além de luvas, capa de chuva e roupas térmicas que reflitam as condições mais extremas que você pode encontrar pelo caminho. Pequenos, leves e compactos, os laminados cobertores de emergência também podem salvar o dia.

ILUMINAÇÃO
A iluminação é indispensável no outdoor, principalmente onde não é possível encontrar energia elétrica. Os itens básicos incluem lanternas, lampiões e headlamps (lanternas de cabeça). Certifique-se também de levar baterias extras.

PRIMEIROS SOCORROS
Esteja preparado para emergências levando suprimentos de primeiros socorros. Comece com um kit pré-fabricado e modifique-o para se adequar à sua viagem e às suas necessidades médicas. Verifique a data de validade de todos os itens e substitua-os conforme necessário. Considere incluir um guia caso você se depare com uma emergência médica desconhecida.

FOGO
O fogo pode ser um sinal de emergência e uma fonte de calor para cozinhar e se manter aquecido. Guarde caixa de fósforos e iniciadores de fogo – itens que pegam fogo rapidamente e sustentam uma chama (por exemplo, isqueiro) em embalagens à prova d’água. Familiarize-se com os regulamentos de uso de fogo do seu local de aventura antes de sair.

KIT DE REPARO E FERRAMENTAS
Leve um kit de reparo básico com você para ajudar a restaurar algum equipamento. O kit deve incluir fita adesiva, faca e tesoura. Considere levar um canivete multiuso, uma versão compacta de muitas ferramentas que podem incluir uma faca, chave de fenda, abridor de latas, etc. Certifique-se de levar as ferramentas específicas para sua viagem e atividade.

NUTRIÇÃO
Você deve estar sempre preparado para a possibilidade de mudança de planos. Embale um suprimento extra de alimentos para um dia, de preferência itens não-cozidos que tenham um bom valor nutricional para manter sua energia lá em cima. Lanches salgados e fáceis de digerir (por exemplo, nozes e barrinhas de cereais) funcionam bem para atividades ao ar livre.

HIDRATAÇÃO
Manter-se hidratado sempre é de extrema importância. A atividade física aumenta o risco de desidratação (perda de água e sais do corpo), o que pode levar a consequências negativas para a saúde. Se você é ativo ao ar livre (caminhada, ciclismo, corrida, natação, etc.), especialmente em climas quentes, deve beber água com frequência. Antes de sair para sua aventura, certifique-se de identificar se há algum corpo de água no seu destino que você possa coletar e tratar usando seus suprimentos esterilizantes.

ABRIGO DE EMERGÊNCIA
O abrigo é um dos elementos mais importantes durante uma situação de sobrevivência de emergência. Ele pode protegê-lo de condições climáticas severas e exposição a outros perigos naturais, como animais, por exemplo. Uma barraca, lona, ​​saco de dormir ou cobertor de emergência são opções práticas neste caso.

Matéria originalmente publicada na revista Go Outside edição 176.







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