A professora de dança Ana Montes fez um apelo comovente nas redes que viralizou: pediu que as pessoas respeitem as medidas de isolamento social, para podermos todos voltar logo a viajar em segurança. E também para que ela possa viajar com o pai idoso, de 87 anos. “Preciso estar aqui pra nossa próxima viagem e ele também.”
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O relato da primeira viagem deles, em que o pai idoso, o mineiro Elisiário Montes conheceu o mar aos 83 anos, é um desenho vivo de como as viagens tem o poder de aumentar o nosso mundo. De como os sonhos não envelhecem. E também de como não há limites para conhecer mares, montanhas e sonhar com viagens que pareciam impossíveis. Cuidado ao ler o relato, pode cair um cisco no seu olho.
“Em dezembro de 2016, meu pai viu o mar pela primeira vez.
Não somos ‘mochileiros’. Mochila nas costas de um senhor de 87 anos seria algo impensável, né?
Sem nunca ter dirigido por tantas horas na rodovia, saímos de Minas Gerais, rumo a uma aventura : levar papai pra ver o mar. Escolhemos Búzios como destino.
Foram 12 horas ao volante. Mas fui parando aqui e ali pra ele descansar. E pela primeira vez na vida, papai dormiu em um hotel. Durante a viagem, ele sorria o tempo todo. Comentava cada placa que via. Parecia um menino descobrindo o mundo.
Para um homem que começou a trabalhar ainda criança, que só tem a quarta série do ensino fundamental, que criou 10 filhos e nunca teve a chance de viajar… era mesmo descobrir o mundo.
Ficamos um tempão parados na linha vermelha no Rio. Foi tenso. Papai não se abalou.
Quando passamos a ponte Rio-Niterói e ele viu o mar, eu queria tirar os olhos da rodovia e só olhar pra ele. Ele fazia tantas perguntas! Quem aqui ainda se lembra da primeira vez que viu o mar? Certamente a maioria o fez quando criança. Meu pai não. Ele viu essa força da natureza já idoso. Não imagino as sensações, o que pensou, se teve medo ou encantamento.
Quando chegamos a Búzios, tirei essa foto. Ele viu gaivotas pela primeira vez. Ele viu um barco de pesca pela primeira vez.
Sentamos ali, ao lado dele e ficamos em silêncio. Ele queria saber de tudo. Como as gaivotas pegam os peixes? Como os barcos maiores ficam atracados? Como se formam as conchas? E por alguns momentos ensinei coisas a quem tanto me ensinou. Coisas importantes e outras sem importância alguma, mas que ele nunca esqueceu.
Essa foto é o registro desse momento. Do momento em que meu pai, um ex-ferroviário que criou com muita dignidade 10 filhos, viu o mar. Desde então, vamos todos os anos. Sempre no ritmo dele, sempre fazendo tudo para priorizá-lo nas necessidades que porventura ele tiver.
Só eu dirijo. Meu marido não dirige, papai nunca encostou no volante de um carro. Então, papai aprendeu também a confiar na filha ao volante e hoje diz todo orgulhoso ‘vou viajar com minha filha’. E fomos! Pra Búzios mais uma vez, pra Ubatuba duas vezes. Ele tem medo da serra, mas ele não se abala. Ele vai. Ele tem medo do mar, mas ele não cede, ele tira as ‘botinas’ e coloca os pés na água. Só os pés. É o suficiente pra ele.
É por ele que estou em casa agora. Guardei as malas no armário. Não vou a parte alguma sem ele.
E quando o ‘coronga’ for embora esses meses trancadinha em casa terão valido a pena.
Papai ainda não viu neve. Papai ainda não viu muitas montanhas.
Cenários que para muitos aqui podem ser banais, comuns, rotineiros. Mas não são para ele. E quantos de nós tivemos ou teremos o privilégio de ver o encantamento brotar em olhos que tanto já viram e viveram?
Preciso estar aqui pra nossa próxima viagem e ele também.”