O pico fica no meio do nada, é povoado por peculiares criadores de ovelhas e não passa de uma nota de rodapé na história militar britânica. Mas os turistas finalmente estão descobrindo o que Darwin constatou há mais de 170 anos: o arquipélago das ilhas Malvinas é um dos últimos grandes destinos de vida selvagem do planeta

MEU ESTÔMAGO NÃO É PÁREO para o mar agitado desta manhã de janeiro. Muito menos para o fedor dos leões-marinhos tomando um preguiçoso banho de sol na chamada ilha Elephant Jason. Mas Mike Clarke, o dono cinquentão do Condor, navegou sua embarcação de 16 metros por 13.250 quilômetros, a partir da Alemanha, e nunca se deixou abater pelo oceano. Como todo morador das ilhas Malvinas – conhecida pelos britânicos como ilhas Falkland –, Clarke é também um sentimental. Quando ele descobre que eu quase vomitei, larga o timão nas mãos de seu ajudante e me oferece uma xícara de chá.

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“Não vai dar para ver nada muito melhor do que hoje”, diz Clarke, tentando desviar meus pensamentos do barco chacoalhante. Estamos navegando a 48 quilômetros da ilha Carcass até Steeple Jason, que se ergue do Atlântico sul como uma pirâmide egípcia, para observar mais de 170 mil casais de ameaçados albatrozes-de-sobrancelha em fase de procriação. É um terço da população total do planeta.

Quanto mais tempo eu passo nas Malvinas, mais eu entendo a diferença entre Charles Darwin e eu. “É um lugar miserável”, escreveu ele para a irmã, Caroline, em 6 de abril de 1834. “Minha excursão teria sido mais longa, porém durante o tempo todo sopraram rajadas de vento com granizo e neve… O país inteiro é mais ou menos um pântano.” Darwin quase me assustou com relação às Malvinas. Depois de ler a respeito da história e da vida selvagem do arquipélago de 740 ilhas, a 480 quilômetros da costa da Argentina, no entanto, fiquei obcecado por esse lugar rústico, assolado pela guerra e cheio de pinguins. Em um mundo que se encolhe cada vez mais, as Malvinas parecem ser um pedaço do planeta onde, conforme diz o slogan marqueteiro da região, “a natureza ainda reina”.Isso fica evidente quando Clarke ancora o Condor e nos leva de bote até a ilhota de Steeple Jason. Hoje propriedade da organização Wildlife Conservation Society, com sede no Bronx, em Nova York (EUA), esse pequeno trecho de terra de 7.900 metros quadrados é quase inacessível – e visitas sem aviso não são bem-vindas. Estou aqui porque me juntei a Clarke para recolher alguns cientistas da Falklands Conservation, a maior organização ambiental do país. Dois de seus sete funcionários estão aqui há uma semana contando filhotes de albatrozes e pinguins.

Enquanto Clarke realiza alguns reparos no chalé de pesquisa da ilha, os cientistas e eu nos embrenhamos até o pescoço no mato e passamos por leões-marinhos adormecidos para chegar até a colônia de albatrozes. Após alguns minutos andando, o céu enche-se de asas com 2,5 metros de envergadura, como uma revoada de aviões 747. O capim se abre em direção a uma longa península coberta por milhares de ninhos de albatroz, mais parecidos com brigadeiros gigantes enfeitados com titica branca de passarinho. As mães cuidam de seus filhotes e nos observam serenamente enquanto caminhamos perto da bagunça. Petréis gigantes (aves parecidas com os albatrozes), caracarás estriados (pássaros semelhantes a águias e falcões) e pinguins saltadores misturam-se com os albatrozes na imensa e harmoniosa comunidade de penas. Os animais aproximam-se, unidos, para dar uma olhada em nós. Depois de observá-los uns instantes, caminho um pouco para trás.

Ao contrário das ilhas Galápagos, o diminuto número de turistas dá liberdade aos visitantes das Malvinas para interagir com a vida selvagem. Isso, combinado com os espaços abertos e a dificuldade de acesso aos locais, fez das Malvinas uma parada obrigatória para os fanáticos observadores de aves. “Apenas pessoas de sorte chegam a Steeple Jason,” disse-me um habitante local pela manhã quando o Condor veio nos buscar num píer da ilha Carcass às seis da manhã. Mas estou começando a pensar que, dos 6,7 bilhões de habitantes do mundo, alguns dos mais sortudos são os 2.478 moradores das Malvinas.

Foto: Shutterstock.

LEVEI UNS DIAS para entender isso. Após um voo de 90 minutos vindo de Punta Arenas, no Chile, pousei no monte Pleasant, base militar britânica da chamada Falkland do Leste, a sudoeste da capital, Stanley. Por razões de segurança, o piloto nos avisou para não tirar fotografias, e antes de o oficial da alfândega carimbar meu passaporte tive que assinar um formulário dizendo que eu tinha “resgate médico aéreo no valor de, pelo menos, 200 mil dólares”.

As Malvinas têm uma história bem tumultuada para um pontinho tão insignificante no mapa, com questões envolvendo a França, Espanha e Inglaterra como principais rivais. Os franceses estabeleceram a primeira colônia, Port Louise, na Falkland do Leste, em 1764. Um ano mais tarde, alheios aos franceses, os britânicos construíram Port Egmont, na vizinha ilha Saunders. Em 1766, a Espanha comprou os direitos da França e invadiu o território britânico, reivindicando sua soberania.

Os dois países quase entraram em guerra por causa da localização estratégica das Falklands, usada como porto seguro para os castigados navios que voltavam de sua passagem pelo Cabo Horn, o ponto mais ao sul da América do Sul. Em 1774, rumores da iminente Guerra da Independência dos Estados Unidos forçaram os britânicos a se retirar, e os espanhóis assumiram o poder, controlando as Falklands até 1811, quando eles também foram embora devido a problemas financeiros. Em 1820, a Argentina reivindicou a soberania sobre as ilhas como direito de sucessão da Espanha.

Pelos vinte anos seguintes, as ilhas receberam náufragos, capitães do mar trambiqueiros, empreendedores de gado imprudentes e alguns soldados rebelados. Em 1833, os britânicos retomaram o controle da região e, em meados do século 19, Stanley era um porto importante. Atualmente as ilhas fazem parte dos Territórios Britânicos Além-Mar, com 70% da população da ilha sendo de ascendência britânica e seus habitantes reconhecidos como cidadãos britânicos.

As Falklands poderiam ter flutuado felizes no esquecimento se não fosse pela invasão argentina de 2 de abril de 1982. Tudo a respeito do conflito de quase dez semanas foi surreal, especialmente a demora da cobertura televisiva como resultado das ainda precárias e altamente restritas transmissões via satélite. Quando a primeira-ministra inglesa da época, Margaret Thatcher, finalmente enviou sua força naval, sete semanas após a invasão, os britânicos de farda encontraram alguns dos habitantes da ilha sitiados em assentamentos, na iminência de ficarem sem comida.

Os soldados argentinos estavam tão nervosos que, se um passarinho passasse na janela, eles atiravam. Ao final, as forças britânicas prevaleceram, e a Argentina rendeu-se em 14 de junho, perdendo 649 soldados contra 255 da Inglaterra. Desde então o país prometeu nunca mais invadir essas terras. Mas as relações entre os “kelpers” (como os argentinos apelidaram os habitantes britânicos da ilha) e os “malditos argies” (como são chamados os argentinos pelos moradores britânicos) são tão limitadas que a Argentina permite apenas um voo por semana até a Falkland do Leste através do seu espaço aéreo (perca seu voo e estenda automaticamente suas férias por mais uma semana). Para garantir a segurança inglesa, Margaret Thatcher gastou mais de 1 bilhão de libras na Fortaleza Falklands, que inclui a base aérea de monte Pleasant, que abriga 1.100 soldados e possui a única pista de boliche e o único cinema do arquipélago.

E por que todo esse estardalhaço por causa dessas paragens açoitadas pelo vento? A Argentina alega que é uma questão de soberania, e os habitantes nativos afirmam que se trata de um caso de autodeterminação dos povos. Na verdade, isso tem muito a ver com petróleo. Ninguém sabe a quantidade de petróleo que há na bacia das Falklands, mas as empresas exploradoras estimam que pode chegar a vários bilhões de barris. “A Shell estimou que 60 bilhões de barris de hidrocarbonetos podem ser gerados na bacia norte, onde já há um plano de exploração”, diz Phyl Rendell, do Departamento de Recursos Minerais das ilhas Falklands.

Ainda há sinais da guerra por toda parte. Ao longo da única estrada pavimentada das Malvinas, uma linha de 60 quilômetros que liga o aeroporto a Stanley, placas em vermelho e branco com uma caveira e ossos cruzados aparecem aqui e ali. As letras dizem: CAMPO MINADO. Estima-se que os argentinos tenham plantado entre 18 mil e 30 mil minas, e muitas das que ainda estão lá ficam ao redor da capital. É ilegal adentrar um campo minado, mas ainda há acidentes.

Uma vaca explodiu em julho de 2007. “Fez tremer todas as janelas de Stanley”, disse-me um cara local. Antes disso um iate de visitantes deixou de ler o Guia de Informações dos Portos e, por engano, atracou numa intocada – mas altamente minada – praia. Os moradores, conscientes do perigo, ficaram congelados no lugar até que um helicóptero veio para os recolher, mas os turistas se arriscaram e correram de volta para o bote. Perto de Stanley, uma área inteira de dunas está designada como área de explosão de material bélico.

Se eu não tivesse voado desde Punta Arenas, a única forma de ter chegado aqui seria entrar num navio de turismo antártico. No ano passado, o país recebeu mais de 62 mil turistas de navio em excursões de um dia. Todos eles param em Stanley ou em alguma das ilhas ricas em vida selvagem, deixando o resto do país intocado para os turistas que chegam de avião e que em sua maioria vêm para ver os milhares de pinguins.

Com todo respeito à guerra, as Malvinas são o local onde as piadas dos comediantes do grupo britânico Monty Python se encontram com um programa de natureza do canal de TV Animal Planet. A vida em Stanley, lar de 2.115 dos residentes das ilhas, tem um tempero britânico divertido. Os telhados metálicos coloridos, as cabines telefônicas vermelhas e as bandeiras britânicas esvoaçantes são um antídoto peculiar para o ambiente rude.

No dia em que cheguei, a chuva caía quase que horizontalmente enquanto meu táxi seguia um Land Rover cujo adesivo de pára-choques dizia “Onde diabos estará a vida mansa?”. Passamos pelo porto de Stanley, onde vi o casco enferrujado de Lady Elizabeth, uma escuna de três mastros com 130 anos. Passamos pela Globe Tavern, onde os locais tomam cerveja Boddingtons Draught de lata (não tem chope aqui). Ultrapassamos um ônibus de dois andares e uma placa indicando a avenida Thatcher, daí viramos na rua Drury para chegar à pousada Kay’s B&B, uma casa branca com telhado metálico vermelho e 79 anões sorridentes no jardim. O chalé de 160 anos já abrigou equipes de filmagem japonesas, exploradores alemães e uma mochileira holandesa que acabou se casando com um ex-governador daqui. “Estou para fechar a pousada, deveria estar me aposentando, mas ainda tenho reservas para o próximo ano todo”, disse Kay McCallum, uma senhora de 72 anos, enquanto me recebe com uma xícara de chá. “Você poderia me recomendar um restaurante?”, pergunto. “Vivo em Stanley há 40 anos, mas nunca fui a nenhum dos restaurantes.”

Os nativos das Malvinas são solitários. Quando se vive num arquipélago tão pequeno, o tal “faça você mesmo” torna-se o modus operandi, característica que vejo mais e mais durante minha visita de duas semanas a Stanley. Os locais se viram sozinhos. Em 1986, estabeleceram uma indústria pesqueira de primeira classe, sua maior renda (só as licenças para pesca da lula renderam dez milhões de libras esterlinas em 2008), o que permitiu que se livrassem da maioria dos laços financeiros com o Reino Unido. Agora os habitantes estão focados em encontrar formas ecologicamente responsáveis para entreter um crescente número de turistas atraídos pela promessa do último e melhor safári de vida selvagem no planeta.

Foto: Shutterstock.

“EU SIMPLESMENTE AMO este lugar”, me diz Jonathan Shackleton, 58 anos, autor do livro Shackleton: an Irishman in Antarctica [Shackleton: um Irlandês na Antártica, sem tradução para o português]. Ele é primo de Lord Edward Shackleton, filho caçula do famoso explorador antártico. Lord Edward Shackleton é autor do The Shackleton Report [O Relatório Shackleton, sem tradução para o português], importante trabalho de documentação que encoraja os nativos das Malvinas a acabar com o poder do Reino Unido sobre suas terras e estabelecer uma zona livre de pesca de 240 quilômetros. Jonathan, um irlandês alto e forte, está a caminho da Antártica como palestrante. Ele vai a bordo do Ocean Nova, um pequeno e luxuoso navio de turismo que leva, em sua maioria, aposentados ricos. O navio fez uma parada em Carcass, ilha de 17 mil metros quadrados localizada 170 quilômetros a noroeste de Stanley, para que os passageiros pudessem ter uma prova da hospitalidade da região.

Rob McGill, fazendeiro de ovelhas de 65 anos, comprou Carcass em 1974. Ele tem olhos caídos, antebraços imensos e os cabelos brancos de um feiticeiro. Sua esposa, Lorraine, está acordada desde as cinco da manhã fazendo tortinhas de chocolate, biscoitos, trufas, pãezinhos e suspiros para os visitantes do cruzeiro. A água da baía em forma de ampulheta onde fica a sede da fazenda é tão clara, a praia de 800 metros do outro lado é tão branca e o sol é tão forte que poderíamos estar no Caribe – se não fossem, claro, os pinguins saltando para fora d’água e gingando até sua colônia, bem no meio de uma pirambeira. Eu passeio pela praia com os passageiros do Ocean Nova e os observo enquanto tiram milhares de fotos digitais.

“Não dá para não se apaixonar por esses bichos”, diz Bob Eberle, cirurgião aposentado de 79 anos de Chicago. Depois da sessão de fotos dos pinguins, os passageiros e Shackleton tiram suas longas galochas e fazem fila para entrar na sala de jantar dos McGill para o banquete açucarado. “Meu primo Eddie tinha verdadeira compaixão pelos moradores das Malvinas”, diz Shackleton. “Eles apreciam muito suas raízes e história. São um povo determinado e corajoso.” Exemplo bem ilustrativo: quando os McGills não estão oferecendo chá para os turistas (35 embarcações e alguns milhares de pessoas irão visitá-los nesta temporada), eles cuidam de 650 ovelhas, 26 bois, seis vacas leiteiras, dois cavalos e um cachorro. Mas sempre há lugar para mais um. “Temos uma cama extra”, diz Rob. “Teremos prazer em alugá-la para o primeiro que pedir.”

Essa parece ser a regra não escrita nas Malvinas. Alguns dias depois, vou para a ilha Saunders num bimotor vermelho do Serviço Aéreo das Ilhas Falklands. A empresa tem sido o principal meio de transporte entre a ilha principal e as secundárias desde 1948. Seus cinco pilotos voam com ventos de até 100 km/h, mas registraram apenas uma fatalidade em mais de 60 anos (falha atribuída a um piloto visitante). A companhia aérea é tão importante para os ilhéus que uma das três estações de rádio do país anuncia os nomes e o destino dos passageiros na noite anterior a cada voo.

O piloto faz uma aterrissagem suave na pista de grama, e Suzan Pole-Evans, uma britânica de 48 anos e cabelos grisalhos me busca em seu Land Rover. Com 121 mil quilômetros quadrados, Saunders é a quarta maior ilha das Malvinas. É também o local do primeiro assentamento britânico, Port Egmont. Anthony Pole-Evans, padrasto de 90 anos de Suzan e patriarca da ilha, vive aqui desde 1948. “Ele é surdo como uma porta, mas ainda gosta de pastorear as ovelhas”, ela diz. Ao contrário de outros fazendeiros que fizeram um upgrade para veículos de quatro rodas, Suzan prefere pastorear suas 6000 ovelhas a cavalo – e não tem medo de usar seu revólver quando necessário. Suzan me conduz por 20 quilômetros de pedras, córregos, capim e charcos até um ponto chamado Pescoço. “Esta estrada está me dando nos nervos”, diz.

Observar pinguins no Pescoço é mais ou menos como observar a galera numa praia do Rio: milhares de aves de todos os tipos caminham, mudam de plumagem, cagam, acasalam e dormem sob o açoite do vento nesse istmo arenoso de um quilômetro e meio. Para um fanático por pinguins, o Pescoço é o Santo Graal. “Quando eu era pequena, adorava ficar olhando os pássaros”, diz Suzan. Como a maioria das pessoas nas Malvinas, ela trabalha de sol a sol no verão, pastoreando ovelhas e conduzindo turistas.
Quando voltamos à vila – um agrupamento de cinco casas castigadas pelo vento com uma grande vista para o mar –, Suzan me deixa no que será minha casa pelos próximos dois dias, uma sede de fazenda feita de pedra e construída em 1874. Abro a geladeira e encontro 16 cervejas Beck’s. Sentado no balcão ao lado está o dono, Marcus Demuth.

Eu acabara de ler a respeito do canoísta alemão de 40 anos no Penguin News (talvez o último jornal de papel do mundo com 98% de índice de leitura entre os locais), pois ele se tornara o segundo homem a circunavegar as Malvinas. Ele conseguiu o feito em 21 dias e oito horas. A primeira pessoa a realizar a proeza foi Leiv Poncet, em 2001. Leiv é o filho de 28 anos do marinheiro francês Jerome Poncet, primeiro homem a navegar abaixo do Círculo Antártico num pequeno iate, em 1973. Jerome e sua esposa, a australiana Sally, compraram suas próprias ilhas nas Malvinas, mas mantêm seus famosos barcos com dois mastros, o Golden Fleece e o Damien II, ancorados no Porto de Stanley quando estão na cidade.

Fora a família Poncet, os atletas mais famosos da ilha são, provavelmente, os tosquiadores profissionais que posam nus para o calendário das Malvinas. Para 2010, a associação dos cortadores de pelo de ovelhas estava considerando algo um pouco diferente: um calendário de rousies nuas, com destaque para a rousie mais gostosa – as rousies são as mulheres que coletam e limpam a lã. A renda é aplicada no envio dos dois melhores tosquiadores para o Golden Shears, campeonato mundial na Nova Zelândia.

“Como foi a sua viagem?”, pergunto a Demuth, que está usando um gorro vermelho e parece cansado. “Simplesmente brutal,” diz. “Muito difícil. Muito, mas muito difícil. Sou só dor.” Para evitar os piores ventos, Demuth remou das 3 às 10 da manhã e das 6 às 10 da noite, todos os dias. Na baía King George, ao sul de Saunders na costa da ilha Falkland Oeste, ele foi pego numa imensa tempestade e seu caiaque virou ao enfrentar uma onda de dez metros. Foi parar numa ilha inabitada, onde permaneceu 24 horas sem água. Quando recobrou as forças, remou para Saunders, onde Anthony Tuson, o “Biffo”, marido da cunhada de Suzan Pole-Evans e ex-piloto britânico do Instituto de Pesquisa Antártica, consertaram seu barco. “Esses caras são simplesmente incríveis”, diz Demuth. “Sem eles, eu provavelmente não teria terminado a viagem. Voltei para trabalhar de graça para eles”, diz. “Na segunda-feira, vou instalar o assoalho do abrigo das ovelhas e limpar o cocô delas.”

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QUATRO DIAS DEPOIS, volto à Falkland do Leste, no mesmo carro de Alan Henry, o observador de pássaros mais casca-grossa das ilhas, e do inglês magrelo e alto Ben Hoare. Estamos saindo de Stanley e nos dirigindo para o sul até uma fazenda particular, em busca da arredia ave maçarico-de-bico-virado e de uma espécie local conhecida como pato-vapor das Falklands. Estamos também tentando sair da cidade antes que o pessoal do cruzeiro compre todo o suprimento de pinguins de pelúcia (são esperados alguns milhares de turistas hoje). Com dois brincos de prata, corte de cabelo militar e o físico de um jogador de rúgbi, Henry não é exatamente o estereótipo do observador de aves. Ele mantém um blog sobre o assunto, mas ganha a vida como agente da alfândega. Em outubro de 2008, viu-se envolvido na maior captura de drogas da história das ilhas Malvinas, quando seu cachorro farejou mais de 28 quilos de cocaína com dois pescadores espanhóis a caminho da Europa.

Enquanto dirige, Henry, que também faz parte da Falklands Conservation, descreve a amplitude e profundidade do trabalho da entidade. “Se tem asas, pernas, cresce e precisa de ajuda, nós vamos tentar ajudar”, diz. A entidade sem fins lucrativos obtém seus quase 600 mil dólares anuais através de bolsas de pesquisa em conservação. Seu trabalho inclui pesquisas extensas sobre aves, conservação da vegetação, erradicação de ratos, projetos de conscientização da comunidade e, mais recentemente, a reabilitação de dezenas de pinguins depois que um navio, o Ocean 8, naufragou na enseada de Berkeley em maio de 2009. Outros esforços conservacionistas no arquipélago se dão por meio de ações voluntárias, como o Shallow Marine Surveys Group, consórcio de biólogos marinhos, marinheiros e barqueiros que se voluntariam a mergulhar em águas gélidas de 5 °C para mapear a vida marinha – um projeto nunca antes feito.

“As Malvinas são tão exclusivas porque a maior parte das terras hoje são privadas, inclusive áreas de vida selvagem internacionalmente importantes”, afirma Sarah Crofts, administradora da comunidade científica da Falklands Conservation. “A Falklands Conservation tem pouca jurisdição sobre as propriedades privadas, mas somos bons em promover a conservação e gerenciamento sustentável da vida selvagem em harmonia com as atividades já existentes, como agricultura e turismo.” As terras são privadas, mas é possível pedir permissão para o proprietário para cruzá-las a pé, como fez Henry na nossa saída para observação de aves. Depois de passar de carro por uma sede de fazenda abandonada e abrir e fechar meia dúzia de porteiras, chegamos ao que parecia uma praia jurássica. Alguns anos atrás, Henry encontrou a carcaça de uma espécie raríssima de baleia conhecida, em inglês, como andrew’s beaked whale. Ele cortou fora a cabeça e colocou no seu jardim, deixando o esqueleto intacto na areia, e amostras de DNA foram mandadas para um laboratório na Austrália. Alguns metros adiante, há esqueletos esbranquiçados de 12 baleias cachalotes. Cinco minutos mais de carro, em outra praia, estacionamos a caminhonete perto de 14 imensos elefantes marinhos com olhos injetados de sangue. “Parece que andaram tomando whisky,” diz Henry. Mais 600 metros e topamos com um pinguim-rei solitário numa pedra.

O silêncio é repentinamente interrompido pelo grito das maiores “aves” das Malvinas: dois caças-tornado voando em alta velocidade. Isso quebra o devaneio, então voltamos a focar na estrada esburacada de volta a Stanley. Foi um rolê proveitoso. De acordo com Henry, sou uma das únicas sete pessoas a ver tantos maçaricos-de-bico-virado, além de outras espécies de aves raras semelhantes, em um só dia. Naquela noite, Hoare e eu tomamos umas latas de cerveja no Vic, point da moda da cidade. Além de nós, cinco nativos estão bebendo no bar. “Os turistas estão vindo na sexta-feira. Corte a porcaria do cabelo!”, grita um cara a seu amigo tatuado.

O bar parou de servir comida, então saímos para a noite de verão. São nove da noite e há luz como se fosse dia, mas as ruas estão vazias e os três restaurantes próximos, fechados. Amanhã mais 5 mil passageiros dos navios de turismo irão invadir este lugar. Mas esta noite, enquanto a brisa de final de verão morre e a lua se ergue sobre as carcaças de barcos no porto de Stanley, os “kelpers” e os “argies” ainda têm este paraíso árido todo para eles.

Foto: Shutterstock.

FICOU A FIM DE CONHECER?:

QUANDO IR >> A temporada de turismo de verão vai de outubro a março. Espere uma versão mais ventosa do clima londrino, com temperaturas máximas ao redor de 15°C, mínimas ao redor dos 5°C e chuvas esporádicas. Para mais informações, visite o site falklandislands.com.

ACOMODAÇÕES >> Espere ficar em pousadas e pequenos hotéis familiares. Reservar com uma agência antecipadamente é a melhor maneira de garantir um lugar para se hospedar.

CONSERVAÇÃO >> Para saber mais a respeito da vida selvagem das Malvinas, visite a Falklands Conservation (falklandsconservation.com).







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