EU COSTUMAVA treinar com um grupo que reunia de corredores velocistas a maratonistas, todos com um nível competitivo similar. Durante grande parte podíamos treinar todos juntos e em certa harmonia. Mas nos treinos de pista às vezes as tensões apareciam.
Os especialistas em uma milha (1,6 km) começavam a abrir vantagem dos maratonistas nos intervalos mais curtos – e, contra-atacando, os maratonistas apertavam o ritmo no trote de recuperação para evitar que os velocistas se recuperassem antes da série seguinte. Era uma boa ilustração dos diferentes métodos e mentalidades no que diz respeito à recuperação.
Um novo estudo de pesquisadores espanhóis agora se debruça sobre esse conflito cultural, comparando os descansos ativo (trotando) e passivo (em repouso) entre repetições de treinos intervalados. Ele é o último de uma longa lista de estudos que, de modo geral, produziram pesquisas confusas e contraditórias. Não oferece nenhuma resposta final, mas pode ajudar a formular perguntas interessantes.
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O estudo foi publicado no European Journal of Applied Physiology (que pode ser lido online gratuitamente) pela equipe de pesquisa liderada por Eliseo Iglesias-Soler, da Universidade da Corunha, na Espanha. Nele, 11 corredores de longa distância fizeram um treino de 4 x 2 minutos em velocidade aeróbica máxima, com os dois minutos de descanso passivo ou de trote entre cada intervalo.
Eles faziam os treinos numa pista ao ar livre, com uma bike marcando o ritmo de acordo com o pace recomendado para cada corredor (inclusive durante o trote de descanso, que ficava a 80% do segundo limiar ventilatório de cada um). Eles também fizeram cinco saltos com os dois pés unidos imediatamente depois de cada repetição, o que deveria estimular a função neuromuscular, mas que acabava parecendo bizarrice no meio de uma demonstração em que se busca entender as dinâmicas de recuperação.
A seguir, uma parte dos dados-chave de um dos corredores, revelando seu aproveitamento de oxigênio (VO2) ao longo do treino:
Podemos ver que ele usa mais oxigênio quando está correndo forte e menos quando está em recuperação. Também se vê que ele usa mais oxigênio durante as recuperações com trote (linhas pretas) do que em repouso (linhas vermelhas). A parte interessante são os picos.
A questão central dos treinos intervalados, de acordo com uma escola de pensamento, é que eles te permitem passar mais tempo na zona extrema, mostrada aqui com linhas pontilhadas entre 90% e 100% do VO2 máximo, em comparação com simplesmente sair e correr o mais rápido que puder até cair. O descanso entre as repetições fortes permite que você sofra mais, não menos.
Neste caso, os picos vermelhos são mais altos que os picos pretos: descansar completamente permite que esse corredor passe mais tempo na zona extrema. No geral, a média dos resultados é ambígua, embora o descanso passivo pareça (com significância estatística limítrofe) permitir que os corredores sustentem mais o pico de VO2 máximo.
Por outro lado, a percepção de esforço medida imediatamente depois de cada uma das repetições fortes é mais baixa com repouso total. Como resultado, os pesquisadores concluíram que o repouso é preferível nesse tipo de treino: você obtém benefícios cardiorrespiratórios similares, mas o treino parece mais fácil.
No entanto há algumas ressalvas. Uma delas é que foram prescritas velocidades idênticas para todas as repetições. Talvez os valores ligeiramente mais baixos de VO2 máximo dos treinos com descanso ativo signifiquem que, se as velocidades forem escolhidas livremente, você realmente correrá mais rápido trotando no descanso.
Este é, afinal de contas, um dos principais argumentos usados para justificar recuperações ativas: o exercício de baixa intensidade mantém o sangue fluindo, o que elimina mais rapidamente resíduos metabólicos como lactato e prótons e, desta forma, permite que se corra mais rápido no intervalo forte seguinte (a ideia de que o lactato causa fadiga muscular perdeu popularidade, mas ainda é plausível que níveis de lactato estejam relacionados com metabólitos prejudiciais ao desempenho).
Nesse estudo, níveis de lactato somente foram medidos depois do treino terminar e se revelaram, de fato, significativamente mais altos (6,93 versus 6,24 mmol/L) nos treinos realizados com repouso total.
Mas um estudo de 2014 os monitorou a cada 45 segundos durante um período de recuperação de três minutos depois de um intervalo forte de 30 segundos. Inicialmente, os níveis de lactato foram idênticos para um repouso total e uma pedalada leve, mas começaram a divergir depois de dois minutos. O que sugere que os benefícios fisiológicos do descanso ativo começam a subir a partir daí.
Tudo isso, por outro lado, levanta uma questão fisiológica mais profunda (ou talvez filosófica): é melhor deixar seu treino mais difícil ou mais fácil? Você poderia argumentar que ficar completamente quieto é a melhor opção porque seus músculos tomarão um banho de lactato e você vai ficar expert em correr nessas condições.
Ou você poderia argumentar que trotar é melhor, porque estará treinando seu corpo para que ele elimine o lactato da corrente sanguínea mais rapidamente, possibilitando que suas pernas corram de forma mais veloz. A única forma real de resolver esse debate é esquecer medidas fisiológicas e fazer um treino de estudo: junte uma galera, treine a metade com trote de descanso e a outra metade com repouso e veja qual grupo consegue os maiores progressos. Seria um estudo muito difícil de realizar.
Na verdade, é pouco provável que exista uma resposta única e melhor sobre como se recuperar entre intervalos de intensidade. No entanto entender a fisiologia da recuperação te dá algumas ferramentas para decidir o que é mais apropriado para determinada sessão de treino com determinados objetivos.
Se sua meta é simplesmente concluir o treino o mais rápido possível, então é melhor caminhar nos descansos ou ficar em pé, parado, se o período de recuperação for curto – um minuto ou menos, por exemplo. Isso porque o repouso total ajuda a restabelecer os níveis de fosfocreatina, que é a energia instantânea que abastece os tiros e os segundos iniciais das corridas longas. Se seus descansos forem de dois minutos ou mais, então trotes leves provavelmente te ajudarão a correr mais rápido, pois um melhor fluxo sanguíneo elimina o lactato e outros metabólitos.
Aí nos deparamos com a dimensão mental. Em Era uma Vez um Corredor (Ed. Intrínseca), Quanton Cassidy dobra o corpo no meio, exausto, depois de vencer o Millrose Games. Seu mestre se aproxima para repreendê-lo: “Não agarre assim os joelhos, rapaz… Aqui está seu agasalho, coloque-o. Mas não agarre esses joelhos assim, saia rápido dessa situação. Você acaba de se tornar o campeão do Wanamaker Mile e tem que fazer com que eles saibam…”.
Eu só comecei a trotar nos descansos depois da faculdade, e no começo foi um ajuste importante. É um desafio mental acabar um intervalo forte e depois se forçar a continuar correndo – o que, suspeito, é a razão pela qual as taxas de esforço do descanso ativo foram um pouco mais altas no novo estudo espanhol. Mas, uma vez que você supera esse momento, percebe que fisicamente não é realmente mais difícil.
E existe algo intangível em acabar cada intervalo forte com seus companheiros de treino e ver metade deles encurvados sobre os joelhos de desconforto enquanto você trota adiante calmamente. Não estou dizendo que você deva ser competitivo com seus amigos – mas, se o objetivo é competir, não vai tirar pedaço de ninguém fazer com que eles (e você) saibam…
Texto originalmente publicado na Outside USA.