OK, VOCÊ LEU as primeiras palavras desta reportagem e pensou “eu já sabia”. Afinal, há grandes chances de você ser um corredor, um ciclista, escalador, surfista ou alguém que ama acampar com a família sempre que encontra uma oportunidade de fugir da cidade.

Pessoas assim costumam voltar dos treinos e passeios “de alma lavada”, “de cabeça feita”, com “energias renovadas”. São inúmeras as expressões do prazer proporcionado por qualquer atividade a céu aberto, com vento no rosto, aromas se multiplicando a cada metro caminhado, sons de pássaros, de água corrente, luz do sol.

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O que talvez ainda precise ser propagandeado é que toda essa sensação, subjetiva, tem sido cada vez mais estudada. Os resultados objetivos? Esses você também já conhece na prática: a natureza é capaz de curar, restaurar e ampliar nos seres humanos tudo o que a vida tem de melhor. Selecionamos pesquisas, histórias e ótimas razões para você encontrar – lá fora – a sua dose pessoal de saúde.

OS NÚMEROS NÃO MENTEM

Não é preciso ir muito longe: um passeio por um parque urbano é o suficiente para melhorar o humor. Existem evidências de que a mera observação de imagens do meio ambiente por vídeo pode trazer emoções positivas e melhorias na atenção. O isolamento que levou mais gente para áreas abertas propôs novas reflexões sobre o quanto precisamos delas para sobreviver e, se antes da pandemia as pesquisas dedicadas a mensurar esses impactos positivos já estavam em alta, agora elas ganharam tração de vez.

Uma delas, publicada no World Journal of Biological Psychiatry, em 2021, mostrou que ficar mais tempo ao ar livre altera a estrutura cerebral com o aumento da massa cinzenta no córtex pré-frontal, região envolvida no planejamento, na regulação das ações e no desempenho cognitivo. Anteriormente, em 2019, o psicólogo doutor da Universidade de Chicago Marc Berman e sua aluna Kathryn Schertz já haviam mostrado alguns benefícios cognitivos do contato com a natureza para crianças e adultos. Eles relataram que espaços verdes próximos a escolas e casas promoveram o desenvolvimento cognitivo em crianças, levando a comportamentos de autocontrole dos pequenos.

Já os adultos alocados em unidades habitacionais públicas em bairros com mais áreas verdes apresentaram melhor funcionamento de atenção do que aqueles em locais com menor acesso a ambientes naturais. Experimentos também descobriram que a exposição a áreas naturais melhora a memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e controle atencional, enquanto a exposição a ambientes urbanos está ligada a déficits de atenção.
A natureza pode servir até como uma forma de cura para cérebros cansados.

Na pesquisa publicada no Journal of Environmental Psychology em 2015, cientistas australianos pediram a alunos de universidades que se envolvessem em uma tarefa monótona e desgastante, pressionando uma tecla do computador quando certos números piscavam na tela. Aqueles que olharam para um telhado verde florido por 40 segundos no meio da atividade cometeram significativamente menos erros do que os alunos que contemplaram um telhado de concreto pelo mesmo tempo. Aliás, passar mais tempo perto da natureza tem virado prescrição médica em diversos países, principalmente nestes anos pandêmicos. Médicos das Ilhas de Shetland, na Escócia, estão autorizados a prescrever observação de aves, caminhadas e passeios na praia para ajudar a tratar doenças mentais e cardíacas, diabetes, estresse e outras condições.

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As “prescrições de natureza” podem ser amplas, já que, quando se trata do contato humano com o meio ambiente, todos os sentidos são válidos. Até os sons da natureza podem ser restauradores. Marc e os demais pesquisadores descobriram que os participantes do estudo de 2019 que ou- viram barulhos de grilos cantando e ondas quebrando tiveram melhor desempenho em testes cognitivos exigentes do que aqueles que escutaram sons urbanos, como tráfego e o barulho de um café movimentado.

Para tentar explicar tamanha conexão entre seres humanos e natureza, uma equipe da Universidade de Trent, em Ontário, Canadá, publicou um estudo em 2015 apresentando algumas ideias. A hipótese da biofilia, por exemplo, argumenta que, como nossos ancestrais evoluíram em ambientes selvagens e dependiam desses locais para sobreviver, temos um impulso inato de nos conectar com a natureza. Também existe a hipótese de que passar tempo na natureza desencadeia uma resposta fisiológica que reduz os níveis de estresse. Uma terceira ideia apresentada é a teoria da restauração da atenção: a natureza pode reabastecer os recursos cognitivos de uma pessoa, restaurando a capacidade de concentração e atenção.

VIDA EM MOVIMENTO

Muitos corredores veteranos argumentam que é o suor e a frequência cardíaca alta – não a localização, a esteira ou o ar livre – que produzem benefícios positivos. Para além de apenas estar em contato com a natureza de forma passiva, os autores de um estudo da Nature/Scientific Reports de 2019 reconhecem que isso pode ser um fator, mas eles também acreditam que a natureza possui efeitos saudáveis de forma independente. No Japão, por exemplo, descobriu-se que “banho na floresta” (shinrin-yoku), ou simplesmente meditar em um ambiente pacífico ao ar livre, produz fortes efeitos mesmo sem exercício deliberado.

Corredores de trilha entusiasmados costumam falar de sua atração pelo ambiente natural. No início de 2019, uma pesquisadora da Universidade de Cardiff, no País de Gales, publicou os resultados de seu questionário combinado e entrevistas de estudo de caso com corredores de trilha do País de Gales e da Nova Zelândia. A autora, Sara MacBride-Stewart, concluiu: “As paisagens naturais parecem desempenhar um papel importante na facilitação e promoção do exercício e na sustentação desse engajamento. A corrida off-road parece ser impulsionada por um senso de importância da paisagem não encontrado em outros relatos de corrida”.

Em seu livro In Praise of Walking: A New Scientific Exploration (Ode à Caminhada: Uma Nova Exploração Científica, na tradução literal, sem publicação no Brasil), o neurocientista Shane O’Mara afirma que existe um conjunto cada vez maior de evidências científicas que indicam que caminhar, especialmente em doses regulares e em ambientes naturais, faz as pessoas se sentirem melhor. “As evidências sugerem que a caminhada em áreas arborizadas provoca um impacto de longo prazo na felicidade e no bem-estar, e por isso deveríamos encorajar todos a andar sempre, de preferência na natureza ou nas áreas abertas perto de casa”, afirma o autor.

A pediatra norte-americana Stacy Beller Stryer afirmou à Reuters já haver mais de 500 estudos científicos nos últimos anos relacionando o tempo passado na natureza a uma diminuição da ansiedade, redução do risco de obesidade e até redução da mortalidade em geral. No entanto, mais do que as constatações e quantificações de pesquisas, compreender os benefícios de estar ao ar livre é abrir todos os sentidos – a pele, o corpo e a cabeça – para a sensação de pisar na grama, entrar no mar e sentir o cheiro das árvores, uma conexão tão profunda e particular que dificilmente será inteiramente desvendada pela ciência.

Trecho da reportagem “O poder da vida ao ar livre”, publicada na edição 175 da revista Go Outside.