Supermercados do Brasil vendem produtos feitos de falso plástico biodegradável

Por Agência FAPESP

Ao analisar itens alegadamente ecológicos (feitos de plástico biodegradável) comercializados em 40 estabelecimentos, pesquisadores da Unifesp constataram que a maioria pertence à classe dos oxodegradáveis
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Ao analisar itens alegadamente ecológicos (feitos de plástico biodegradável) comercializados em 40 estabelecimentos, pesquisadores da Unifesp constataram que a maioria pertence à classe dos oxodegradáveis – banida em vários países por agravar a poluição por microplásticos. Projetos de lei em tramitação visam regular o comércio no Brasil

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José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um estudo famoso publicado na revista Science mostrou que, até 2015, cerca de 6,3 bilhões de toneladas de polímeros plásticos haviam sido produzidos e descartados ao longo da história humana. Destes, apenas 9% foram reciclados e 12%, incinerados. Os 79% restantes foram acumulados em aterros sanitários ou em ambientes continentais, dos quais aproximadamente 10% alcançaram ambientes marinhos ou costeiros.

Os dados são de oito anos atrás. E, embora alguns países tenham anunciado políticas de “plástico zero”, a situação está certamente muito pior agora, por efeito cumulativo, uma vez que a produção anual é de 400 milhões de toneladas. Em consequência, a contaminação por microplásticos tornou-se, depois da crise climática, um dos maiores problemas ambientais do planeta. Há microplásticos em todos os lugares: na terra, no mar e no ar. No corpo humano, eles já foram detectados no sangue, nos pulmões, no coração e na placenta.

Pesquisa

Pesquisadores do Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), visitaram 40 supermercados do Brasil e analisaram os produtos supostamente feitos com plásticos biodegradáveis expostos à venda. Os estabelecimentos foram escolhidos entre grandes redes que atuam nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. E um total de 49 produtos diferentes, incluindo sacolas, copos, pratos, talheres e outros utensílios de cozinha, foram encontrados. Esses itens eram, em média, 125% mais caros do que similares feitos de plásticos convencionais. A grande surpresa foi verificar que nenhum deles, mesmo os de grandes marcas, atendia aos requisitos mínimos para serem considerados de fato biodegradáveis.

O estudo teve como primeira autora a doutoranda Beatriz Barbosa Moreno, bolsista da FAPESP sob a orientação de Castro. Os resultados foram publicados no periódico Sustainable Production and Consumption.

“Para ser considerado biodegradável, um produto, quando descartado no meio ambiente, deve-se converter em água [H2O], gás carbônico [CO2], metano [CH4] e biomassa em um intervalo de tempo relativamente curto. Não há consenso sobre que intervalo de tempo é esse. Mas a ideia geral é que varie de algumas semanas a um ano. Nenhum dos 49 itens que investigamos atendeu a esse requisito”, diz o pesquisador Ítalo Castro, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), que comandou o estudo.

Segundo o pesquisador, mais de 90% deles eram feitos com uma classe de materiais que se convencionou chamar de oxodegradáveis. Apesar do nome, esses materiais não sofrem degradação em condições ambientais normais. São polímeros de origem fóssil aditivados com sais metálicos. Os sais aceleram o processo de oxidação e fragmentação. Mas os fragmentos podem permanecer por décadas na natureza. Além de não contribuir para a degradação, a fragmentação acelera a formação de microplásticos.

“Os plásticos oxodegradáveis já foram proibidos em vários locais do mundo, incluindo a União Europeia. Na maioria dos casos, as proibições ocorreram pela falta de evidências de biodegradabilidade em ambientes reais, associada ao risco de formação de microplásticos”, informa Castro.

Regulação

Como os plásticos oxodegradáveis ainda não são proibidos no Brasil, sua venda não constitui crime. No entanto, além da denominação capciosa, os consumidores são enganados pela alegação de muitas empresas de que seus produtos foram aprovados por normas técnicas e testes de biodegradabilidade, como ASTM D6954-4 ou SPCR 141. “Essas normas fornecem apenas um guia para comparar taxas de degradação e alterações de propriedades físicas sob condições controladas de laboratório, não avaliando as etapas finais da degradação. Aliás, nas páginas web das próprias normas, há advertências para que não sejam usadas em certificações de biodegradabilidade de produtos plásticos comerciais”, argumenta Castro.

O pesquisador ressalta que a comercialização de um produto que não entrega o prometido, do ponto de vista ambiental, pode ser enquadrada como prática de greenwashing, termo em inglês que indica falsas alegações ambientais em produtos comerciais.

“Quando um produto reconhecidamente prejudicial para o meio ambiente passa a ser maciçamente usado, é necessário que ações de Estado sejam implementadas. Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2524/2022 que, entre outras providências, veda o uso de aditivos oxidegradantes ou pró-oxidantes em resinas termoplásticas, assim como a fabricação, a importação e a comercialização de quaisquer embalagens e produtos feitos de plásticos oxidegradáveis”, informa Castro.

Caso aprovado no seu formato atual, diz o pesquisador, o PL 2524/2022 poderá contribuir para a transição do Brasil rumo a uma economia circular do plástico. “Essa transição é uma necessidade urgente”, enfatiza Castro. E prossegue: “O Instituto do Mar está localizado em Santos, no litoral paulista. Em Santos, detectamos microplásticos acumulados em ostras [Crassostrea brasiliana] e mexilhões [Perna perna]. Esses animais são filtradores da água do mar. Por isso, considerados o padrão-ouro para avaliação das condições do ambiente em que se encontram. Os valores que detectamos estão entre os maiores do mundo quando comparados a outros 40 estudos semelhantes”, conta (leia mais em: agencia.fapesp.br/41673).

O artigo High incidence of false biodegradability claims related to single-use plastic utensils sold in Brazil pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S235255092300180X?via%3Dihub.







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