A recente autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para o início das obras do Porto de Jaconé, denominado de Terminais de Ponta Negra, reacendeu um debate acalorado que se arrasta há mais de uma década. De um lado, a promessa de desenvolvimento econômico e geração de milhares de empregos. Do outro, a apreensão com os impactos ambientais irreversíveis que podem colocar em risco a biodiversidade local, além do fim da famosa onda da laje da região.
A área em questão não é apenas um paraíso para os surfistas, mas também um patrimônio geológico internacional. Charles Darwin, em sua expedição de volta ao mundo, passou pelo Brasil e relatou as beachrocks – formações rochosas de cerca de 8 mil anos – encontradas em Jaconé. “As descrições geológicas efetuadas por Darwin no Rio de Janeiro, e nas demais localidades por ele visitadas, são Patrimônio de Influência Internacional, pois são parte indissociável de sua obra e contribuíram para sua formação científica e elaboração teórica”, alerta Kátia Leite Mansur, geóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro à BBC. “Estas rochas e localidades não são patrimônios de estados ou países, mas da ciência, com relevância mundial.”
Essas beachrocks também guardam um valor histórico, além de desempenharem um papel crucial na proteção costeira e no habitat de diversas espécies marinhas. “As conchas de moluscos das beachrocks de Jaconé foram datadas em torno de 8 mil anos e o cimento em 6 mil anos. A rocha de praia de Jaconé, portanto, é uma das mais antigas do Estado do Rio de Janeiro.”, explicou ela.
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Santuário do bigsurf brasileiro, as ondas da Laje de Jaconé, que chegam a até 5 metros, também estão ameaçadas. O porto de Jaconé deve destruir o slab onde as ondas gigantes são formadas, transformando a paisagem da região em uma Zona Industrial.
O vídeo abaixo oferece uma visão mais próxima das ondas tenebrosas do pico. Nas imagens feitas por Henrique Pinguim, nomes como Italo Ferreira, João Chumbinho, Lucas Silveira, Vitor Ferreira, Daniel Templar, Raoni Monteiro e Gabriel Pastori enfrentam a laje.
Em outro dia memorável, mais especificamente em 6 de julho de 2018, quando a seleção brasileira de futebol foi eliminada na Copa do Mundo da Rússia, a laje recebeu uma ondulação histórica. Apesar do fundo de pedras que nem sempre favorece condições perfeitas, as ondas estavam clássicas e enormes. Naquele dia, Carlos Burle, Lucas Chumbo, Gustavo Chumbão, Alemão de Maresias e outros surfistas protagonizaram uma sessão épica, passando mais de 6 horas na água e enfrentando os tubos que justificam a fama da Laje de Jaconé ser chamada de a “Teahupoo brasileira”. A sessão rendeu um vídeo publicado no site da RedBull que vale muito a pena assistir.
Com o intuito de levar a mensagem de preservação ambiental ao público, além de destacar os riscos iminentes associados ao projeto do Porto de Jaconé, a comunidade do surf, juntamente com a população local, pescadores e ambientalistas, uniram forças sob o lema “S.O.S Jaconé – Porto Não!”. Ao longo dos anos, diversos protestos foram realizados, inclusive durante a etapa do CT de 2023 em Saquarema. Nas redes sociais, vozes preocupadas expressaram temores de que a construção do porto represente uma ameaça não apenas para as ondas da laje, mas para toda a região.
Mais impactos socioambientais
A ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários – afirma que existem uma série de impactos negativos que o porto pode acarretar. Desde dragagens até operações portuárias e navegação de grandes embarcações, os riscos também incluem poluição do ar e da água, alterações sedimentares, perda de biodiversidade, prejudicando pescadores locais e impactando negativamente o turismo.
Em nota, a agência detalhou as explicações sobre o impacto. Leia abaixo:
“Existem três fontes de impactos ambientais. Na infraestrutura portuária há impactos devido a obras que necessitam ser realizadas para a ampliação e manutenção do porto, tais como dragagens de berços de acesso e novas frentes de atracação. Quando essas obras são realizadas podem gerar supressão de ecossistemas locais, alterações na dinâmica sedimentar (areias), além de modificar o regime aquático e acarretar em poluição dos recursos naturais da região.
Nas operações portuárias acontecem impactos pela manutenção e abastecimento de embarcações, pelas operações de manuseio, transporte e armazenagem da carga, pelos serviços de manutenção de veículos e máquinas, pela geração de esgoto sanitário nas instalações portuárias.
Todos esses serviços são potencialmente poluidores, geram resíduos sólidos e líquidos que contaminam o ar, os corpos de água próximos, o solo e o subsolo, alterando consideravelmente a paisagem e gerando distúrbios na flora e na fauna local. Além disso, segundo ANTAQ há também geração de ruídos e maus odores e também a atração de animais que são vetores de doenças.
E na navegação (de imensos navios-tanque) os impactos oriundos de embarcações são mais comuns nas proximidades dos portos, em decorrência de vazamentos ou derramamentos de resíduos oleosos ou combustíveis durante as operações de abastecimento e transferência dos mesmos e da poluição do ar gerada nas operações com carga seca como cimento, grãos e minério; da transferência de agentes patogênicos e organismos aquáticos nocivos, por meio da água de lastro; dos efeitos de tintas tóxicas usadas nas embarcações (a base de estanho orgânico), que se desprendem e contaminam a água; e ainda do armazenamento e despejo inapropriado de esgotos sanitários e lixo.” diz o texto.
Frente às preocupações levantadas, a Prefeitura de Maricá e a DTA Engenharia, empresa responsável pelo projeto, afirmam que o Porto de Jaconé é vital para o desenvolvimento econômico sustentável da região. A empresa assegura que o TPN (Terminais de Ponta Negra) visa criar uma infraestrutura para a indústria de exploração de petróleo e gás, com a geração prevista de milhares de empregos. Além disso, segundo eles, as questões ambientais serão mitigadas por rigorosas medidas de controle e monitoramento.
Bandeira Azul em Itaúna
Enquanto o Porto de Jaconé gera debates, a Praia de Itaúna, em Saquarema, acaba de receber o prestigioso selo Bandeira Azul. A conquista destaca a qualidade na gestão ambiental de praias e marinas. Contudo, nos comentários da postagem da Prefeitura no Instagram, ecoam preocupações sobre a sustentabilidade da Bandeira Azul diante da ameaça iminente do Porto de Jaconé.
O futuro da Laje de Jaconé está no centro de um dilema que transcende o universo do surf. À medida que o desenvolvimento econômico colide com a preservação ambiental, a comunidade local, os surfistas e os defensores do projeto enfrentam um desafio monumental. Resta saber se é possível conciliar progresso e preservação ou se o preço a ser pago será a perda irreparável de um dos tesouros naturais do Brasil. A Laje de Jaconé, que por anos desafia bigriders, agora enfrenta um perigo ainda maior.