No final de março, dois casais de escaladores foram presos por violar a regra de distanciamento social e escalar em rocha em Valência, na Espanha. Dias depois, o mesmo aconteceu na França, onde as autoridades locais prenderam pessoas que estavam escalando em Fontainebleau e Céüse. Em seguida, um surfista americano na Costa Rica violou o fechamento da praia e foi perseguido por um policial com um dedo no gatilho. Pouco tempo depois, um homem em um stand up paddle em Malibu foi perseguido por uma lancha da polícia

A verdade é que eu entendo eles.

A grande força dos esportes outdoor está exatamente no que todos nós precisamos agora – fluir, escapar da própria mente assombrada, quebrar a rotina. No momento em que todos os outros seres humanos ameaçam nos infectar, é natural procurar a solidão em campo aberto. Há algo absolutamente sensato em sair, fazer o que amamos e nos manter saudáveis. Isso não me parece ser a quebra do distanciamento social, ainda que seja necessário sair de casa e potencialmente cruzar com outras pessoas até estar sozinho na natureza. 

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Além disso, é cultural – ou devo dizer contracultural. O surf e a escalada tornaram-se populares em meados da década de 1950, quando a conformidade do pós-guerra se tornou tão opressiva que os jovens americanos desejavam experiências autênticas e estilos de vida menos consumistas. Mountain of Storms, o filme de Zapruder de 1968 exemplifica toda a cultura outdoor contemporânea.

A produção mostra quatro amigos da Califórnia – o fundador da Patagônia, Yvon Chouinard entre eles – em uma van, fazendo uma viagem épica de surf / esqui / escalada até a Argentina. Nos anos sessenta, os escaladores de rocha de Nova York se divertiam ao escalar grandes penhascos enquanto estavam nus. Os homens durões de Yosemite (e mulheres) fizeram um esporte autônomo, evitando os guardas florestais para viver de forma barata em cavernas e vans, enquanto tramavam as primeiras subidas.

No início dos anos 70, quando o presidente Richard Nixon usou sua casa em San Clemente como Casa Branca Ocidental,  o Serviço Secreto proibiu o surf nas proximidades. Até hoje, os surfistas que desafiaram essa proibição e foram perseguidos pela polícia continuam lendários. Desrespeitar a lei está em nosso sangue.

Hollywood ainda vende essa imagem ilegal em sucessos de bilheteria, como a série XXX de Vin Diesel e os ladrões de Point Break de Robin Hood – escalada em solo livre, surfe de ondas grandes, voo de wingsuit, assalto a banco internacional. Da mesma forma, essa tradição permanece morta-viva no prazer que todos obtemos das façanhas reais dos atletas de elite modernos. A cultura capitalista de consumo sempre ensinará que o objetivo mais profundo da vida está na incessante labuta chata por dinheiro, com um segundo lugar próximo, gastando esse dinheiro em cada vez mais posses, necessitando de mais dinheiro. Então, quando Alex Honnold escala o El Cap, ou quando Keala Kennelly surfa uma onda gigante em um dia assustador em Teahupoo, todo mundo fica emocionado ao ver alguém arriscar a morte apenas para sentir como é estar vivo.

A rejeição das expectativas traz tanta felicidade que não apenas achamos inteligente quebrar as regras da sociedade de vez em quando – sabemos que é vital para a vida bem-vivida. Mas todas as culturas têm fraquezas, muitas vezes no lado oposto de seus pontos fortes. Pense em Nova York, o epicentro do surto da América do Norte. A cidade obtém grande parte de sua magnificência cultural devido à disposição desagradável dos locais de se espremer pelas calçadas e vagões lotados do metrô, segurando os mesmos corrimãos e respirando o mesmo ar que todos os outros. Infelizmente, embora isso seja ótimo para espalhar um senso de humanidade comum, também é ótimo para espalhar um vírus, e bem distante do esperado pelas regras de distanciamento social.

No nosso caso, os esportes de aventura ao ar livre cultivam o individualismo admirável e a busca do pensamento livre dos bons tempos, mas também podem nos tornar egoístas, excessivamente focados no prazer privado. Segundo um recente estudo publicado na revista Science, pessoas assintomáticas com Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV2), são responsáveis por dois terços das infecções. Imagine o impacto que pessoas assintomáticas podem causar ao irem se aventurar em locais vulneráveis, como uma área rural com muito poucos leitos de terapia intensiva.

Um outro exemplo: Quando estações de esqui fecharam nos Estados Unidos, no início de março, uma avalanche perto de Telluride, no Colorado, deixou um snowboarder gravemente ferido. O resgate que se seguiu levou dezenas de pessoas a entrar em contato perigosamente próximo, e o próprio snowboarder acabou em uma sala de emergência, consumindo recursos médicos.

Por enquanto, cautela é igual a cuidar. E sim, é péssimo. Eu estava planejando escalar em Yosemite nesta primavera com minha filha – nossa primeira escalada juntos. Agora, toda a temporada parece duvidosa. Mas há consolo. Por enquanto, animais selvagens vagam por estradas sem carro no vale de Yosemite. O tráfego de veículos em San Francisco e nos arredores, onde eu moro, caiu tanto que as avenidas normalmente agitadas da cidade parecem absolutamente pacíficas. O céu da Califórnia é o mais claro que já vi em décadas.

Melhor ainda, quando a pandemia passar, encontraremos nossos lugares mais selvagens parecendo melhores do que nunca, refrescados por essa tão necessária pausa da humanidade que o distanciamento social vai trazer.







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