Seu corpo sabe mais que o seu relógio: estudo mostra que autopercepção é mais confiável

Por Alex Hutchinson, da Outside USA

corredora checando seu relógio
Foto: Drazen Zigic/Freepik

Seu relógio (ou outra tecnologia de medição de dados) não é, na verdade, a forma mais precisa de avaliar o quanto seu último treino foi puxado. Este método completamente analógico é.

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Se eu dissesse que a NASA desenvolveu uma maneira revolucionária de monitorar e quantificar seus treinos — e que esse método supera todos os outros — você provavelmente pensaria que envolve ciência de ponta. Haveria inteligência artificial, algum tipo de dispositivo vestível ou até mesmo uma tecnologia injetável. Seria caríssimo.

Mas você estaria enganado — e por razões que dizem muito sobre a nossa busca para transformar a otimização do treinamento de uma arte em uma ciência. Um novo estudo liderado por Mattia D’Alleva e seus colegas da Universidade de Udine, na Itália, comparou diferentes formas de avaliar a “carga de treino” de exercícios variados — e descobriu que um questionário de baixa tecnologia criado pela NASA oferece os resultados mais precisos.

As conclusões servem como um lembrete: confiar cegamente nos algoritmos de tecnologia esportiva nem sempre supera simplesmente ouvir o próprio corpo. A pesquisa também levanta uma pergunta delicada: será que o treino que mais nos cansa é também o que mais nos deixa em forma?

Por que a carga de treino importa?

O objetivo do treino é impor um estresse — uma carga de treino — ao corpo, que o deixa cansado no curto prazo, mas desencadeia adaptações que aumentam o condicionamento físico a longo prazo. Se acabar com suas forças em um único treino pode parecer eficaz por gerar uma enorme carga de treino, na prática isso não é produtivo: você ficará cansado demais para treinar bem no dia seguinte. A arte do treinamento está em encontrar o equilíbrio ideal entre treinos leves, moderados e intensos, de forma a acumular a maior carga possível ao longo de semanas e meses — sem ser dominado pela fadiga.

Na forma mais simples, a carga de um treino é uma combinação de intensidade e duração. Mas os detalhes são complexos. Qual é a melhor maneira de medir o quanto você está se esforçando? Pode ser o ritmo, a potência, a frequência cardíaca, a variabilidade da frequência cardíaca, os níveis de lactato, o esforço percebido ou outras métricas cada vez mais sofisticadas. E como combinar esforço com duração? Não basta multiplicar os dois: o esforço não é linear. Correr duas vezes mais rápido por metade da distância não gera o mesmo efeito de treinamento.

O novo estudo, publicado no International Journal of Sports Physiology and Performance, compara sete métodos diferentes de calcular a carga de treino. Quatro deles são variações de um conceito chamado TRIMP (sigla em inglês para “impulso de treinamento”), baseado em frequência cardíaca, com equações que consideram níveis de lactato, limiares ventilatórios e outros fatores. Um quinto método usa a variabilidade da frequência cardíaca; o sexto, uma avaliação subjetiva de esforço. (A maioria dos dispositivos vestíveis, aliás, provavelmente usa uma combinação desses métodos, embora seus algoritmos sejam proprietários.) O sétimo método é o questionário da NASA, ao qual voltaremos em breve.

O padrão-ouro contra o qual todos esses métodos foram comparados é o “déficit agudo de performance”, ou APD (acute performance decrement). Basicamente, você faz um teste máximo, realiza o treino, e depois repete o teste máximo. O APD é o quanto o segundo teste foi mais lento em relação ao primeiro — uma medida de quanto o treino te desgastou. Obviamente, isso não é prático para monitorar o treinamento no dia a dia, já que ninguém quer fazer provas de esforço total antes e depois de cada treino. Mas, para pesquisadores, é uma forma de verificar se os métodos analisados — incluindo os sete deste estudo — realmente refletem o impacto do treino no corpo. No fim, eles conseguiram identificar qual método era o mais confiável.

O que o novo estudo descobriu

D’Alleva e sua equipe recrutaram 12 corredores bem treinados (10 homens e 2 mulheres) para testar quatro diferentes treinos de corrida em dias distintos:

  • Treino leve (LIT): 60 minutos em ritmo confortável
  • Treino médio (MIT): 2×12:00 em ritmo moderado com 4:00 de recuperação leve
  • Alta intensidade longa (HITlong): 5×3:00 forte com 2:00 de recuperação
  • Alta intensidade curta (HITshort): duas séries de 11×30 segundos forte, 30 segundos leve

O teste de performance era correr até a exaustão no ritmo de VO2 máximo. Quando estavam descansados, os corredores aguentavam pouco menos de seis minutos, em média. Após o treino leve de uma hora, o APD foi de 20,7% — ou seja, no teste após o treino, eles pararam 20,7% mais cedo. Após o treino médio, o APD foi de 30,6%; após os intervalados longos, 35,9%; e após os intervalados curtos, 29,8%.

E aí vem a pergunta: qual dos sete métodos conseguiu prever com mais precisão esse APD? A resposta curta: quase nenhum. Veja, por exemplo, a comparação entre o APD (à esquerda) e um dos parâmetros analisados, o chamado bTRIMP — baseado em frequência cardíaca e curvas de lactato:

Two side-by-side bar graphs
A queda aguda de desempenho (APD) não é prevista com precisão pelo cálculo de carga de treino bTRIMP, baseado na frequência cardíaca. Ilustração: International Journal of Sports Physiology and Performance

Na verdade, os dados são completamente invertidos: o treino mais leve segundo o bTRIMP (LIT) causou a maior queda de performance; o mais intenso segundo o bTRIMP (HITlong) causou a menor. Quase todos os métodos testados apresentaram distorções parecidas. As exceções: variabilidade da frequência cardíaca e o questionário da NASA, que se comportaram assim:

Two side-by-side bar graphs
A variabilidade da frequência cardíaca (à esquerda) e o questionário da NASA (à direita) oferecem perspectivas diferentes sobre o quão intensos são os treinos. Ilustração: International Journal of Sports Physiology and Performance

Ou seja, o questionário da NASA foi o único dos sete métodos que, segundo este estudo, reflete com precisão o nível de exaustão após o treino.

Mas que questionário é esse? Trata-se do NASA Task Load Index, ou NASA-TLX, desenvolvido nos anos 1980. São apenas seis perguntas em que você avalia, de 1 a 100, os seguintes aspectos de uma tarefa: demanda mental, demanda física, demanda temporal (o quanto você se sentiu apressado), performance (quão bem você foi), esforço e frustração. A média dessas notas gera um número que — veja só — prevê melhor a carga do treino do que seu relógio ou monitor cardíaco.

O que o questionário da NASA não mostra

Isso não significa que todos devamos começar a registrar as notas do NASA-TLX no diário de treinos. Perguntas como “o quanto você se sentiu pressionado pelo tempo?” podem não fazer muito sentido para a corrida ou para o treino físico em geral. Mais importante do que o que o questionário inclui é o que ele não inclui: nenhuma medida de duração do treino.

Todos os outros métodos consideram intensidade + duração. Mas o tempo de treino costuma pesar demais na conta — e é por isso que, no gráfico do bTRIMP, o treino leve de 60 minutos aparece como o mais “pesado”. No fundo, ele só está dizendo que foi o treino mais longo. O NASA-TLX, por outro lado, pergunta apenas (de formas diferentes): quão difícil esse treino foi para você? E isso, ao que parece, é o que melhor prevê o quanto você vai estar mais lento depois.

Existe, porém, uma suposição implícita em toda essa discussão: que o treino que impõe a maior carga é também o que mais melhora seu condicionamento. Mas será que o APD — ou seja, o quanto seu desempenho cai após um treino — é realmente um bom preditor de evolução física? É fácil imaginar cenários onde isso não se aplica. Se eu torcer o tornozelo, meu APD será enorme, mas isso não significa que vou virar campeão olímpico no mês seguinte. Da mesma forma, existem treinos que causam um desgaste desproporcional ao ganho — como corridas em ladeiras muito íngremes.

Talvez o que este estudo esteja revelando não seja exatamente a diferença entre bons (NASA-TLX) e maus (TRIMP) medidores de carga, mas sim bons medidores para dois tipos diferentes de carga. O APD e o NASA-TLX refletem mais o quão intenso foi o treino. Já os TRIMPs e métricas similares refletem principalmente quanto tempo ele durou. E não há razão para assumir que essas duas coisas sejam equivalentes. Não é só que não dá para obter os mesmos benefícios correndo o dobro da velocidade pela metade do tempo. É que não existe uma equação que transforme corrida rápida em equivalente de corrida lenta. São estímulos fisiológicos distintos — e, para maximizar o desempenho, você precisa dos dois.

E agora?

Não sou contra os dados. Estou aberto à ideia de que alguns dos novos indicadores oferecidos pelos wearables possam revelar padrões interessantes, se usados de forma consistente. Mas, se reduzirmos o treinamento aos seus elementos mais básicos, este estudo me diz que há dois parâmetros essenciais: tempo e intensidade. E, por enquanto, não estou convencido de que exista ferramenta de medição melhor do que um cronômetro — e uma resposta honesta à pergunta: “Como você se sentiu?”.