Será que um novo aparelho vai nos salvar da obsessão por nossos smartphones?

Por John Clary Davies

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Foto: Shutterstock.

O VISUAL DO LITORAL do Oregon (EUA) era surreal. Florestas antigas davam espaço ao oceano lá embaixo e à faixa gramada de penhascos, tudo sob um céu azul brilhante. Minha esposa e eu dobramos uma curva na trilha e demos de cara com um alce. Instintivamente, levei a mão ao bolso para pegar meu celular. Senti com os dedos meu telefone modelo Light Phone II (que tem o tamanho de um cartão de crédito) e lembrei que ele não possui câmera. O alce galopou para uma ravina. O momento havia passado.

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Nessa situação, as limitações do Light Phone foram cruciais. O modelo, à venda nos Estados Unidos por US$ 299, foi pensado para “ser usado o mínimo possível”, segundo o site da empresa. Ele faz chamadas e envia mensagens, pode guardar músicas e funciona como um roteador de internet pessoal. Uma ferramenta própria de mapas está em desenvolvimento, mas o telefone não roda – e nunca rodará – redes sociais, e-mails ou “qualquer outro feed infinito indutor de ansiedade”, como diz a companhia.

Parece interessante, pois quem de nós não gostaria de ter menos fontes de ansiedade hoje? Segundo dados analisados pelo grupo Mental Health America, o número de norte-americanos relatando sintomas de depressão e ansiedade desde o começo da pandemia atingiu um ápice histórico no fim de 2020. Cerca de 19% da população dos Estados Unidos vive hoje com alguma questão de saúde mental. Enquanto isso, 85% da população do país também possui smartphones e passa, em média, mais de quatro horas por dia em frente às telas.

Pesquisas sugerem que há um elo entre essas duas porcentagens: um estudo de 2019 da Universidade do Arizona descobriu que pessoas jovens com dependência de smartphones têm maior probabilidade de demonstrar sinais de depressão e solidão.

Os cofundadores e inventores do Light Phone, Joe Hollier, 31, e Kaiwei Tang, 41, acreditam que o produto deles pode ajudar a melhorar o bem-estar de seus clientes. Realmente não há muita coisa parecida com o produto deles hoje – até os telefones mais simples costumam vir com apps de redes sociais e internet. Joe e Kaiwei, que vivem em Nova York, sonharam com o telefone em 2014, durante um evento da Google para designers, em que a maior parte do foco estava em desenvolver aplicativos. Mas apps têm a motivação implícita de coletar dados que possam ser vendidos, e Joe e Kaiwei queriam criar algo que realmente beneficiasse os usuários.

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No ano seguinte, eles lançaram uma campanha de crowdfunding para o Light Phone I, que guardava apenas nove números e fazia telefonemas usando rede 2G. A dupla vendeu milhares de unidades, que começaram a ser despachadas em 2017, e um ano depois foi anunciado o desenvolvimento de uma segunda versão. “Não somos antitecnologia ou contra smartphones”, diz Kaiwei. “Mas um telefone deveria ser uma ferramenta funcional, como um martelo ou uma chave de fenda. Você usa e depois guarda”, resume.

DURANTE UM MÊS no segundo semestre de 2020, troquei meu iPhone 7 por um Light Pho- ne II. Ele parece um objeto de arte: fino, com um corpo preto fosco e controles simples. O telefone usa o mesmo tipo de tela que um leitor Kindle, então não emite a luz azul que pode atrapalhar o ritmo circadiano. Todo o conceito tem uma aura minimalista e bela que deixa a minha geração (millenials) de joelhos bambos.

Joe e Kaiwei admitem que o aparelho não é para todo mundo. Tem o lance de não possuir uma câmera. Sem autopreenchimento ou autocorretor, eu rapidamente desisti de textos gramaticalmente corretos ou com muitas nuances. Fotos chegam como pequenos ícones que você precisa encaminhar para seu e-mail para conseguir ver. Um amigo me mandou uma foto de sua filha recém-nascida; em vez de explicar que eu não conseguia ver a imagem, simplesmente disse a ele que ela era linda.

“Nossos telefones representam algo que é quase sempre, pelo menos hipoteticamente, mais recompensador do que o que está acontecendo na nossa frente”, afirma Adrian.

Os criadores dizem que o telefone faz sucesso com pessoas que trabalham com criatividade (e querem focar em sua arte), crianças (cujos pais adoram a segurança de um telefone offline) e famílias religiosas (que acreditam que o fato de esse aparelho estar desconectado da internet se alinha a seus valores). Light Phone agora possui milhares de usuários em mais de 50 países. Cerca de metade dos adeptos usa esse celular o tempo todo, enquanto a outra metade prefere tê-lo como um aparelho para fins de semana e férias, quando querem se desconectar.

“É uma ideia polêmica. As pessoas amam ou odeiam o Light Phone”, conta Joe. “Essa fricção levou a conversas interessantes sobre que tipo de vida queremos levar. É uma que está amarrada a nosso trabalho ou aquela mais presente com nossa família?”

Joe não está sozinho nesse questionamento. No livro de 2015 Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age [Recuperando as Conversas: O Poder do Diálogo na Era Digital, em tradução livre], a estudiosa de tecnologia Sherry Turkle argumenta que gadgets atrapalham o discurso a ponto de estarem sabotando nossos relacionamentos. “A simples visão de um smartphone nos deixa menos conectados e interessados uns nos outros”, escreve Sherry.

Isso acontece porque resistir à vontade de prestar atenção a nossos smartphones requer recursos cognitivos que poderiam ser aplicados em outras tarefas, segundo Adrian F. Ward, professor assistente na Universidade do Texas em Austin. Em 2017, ele e uma equipe publicaram um estudo mostrando que participantes que tinham telefones em suas mesas, mesmo que desligados, se saíam pior em testes cognitivos do que aqueles que deixaram seus celulares em outro ambiente. “Nossos telefones representam algo que é quase sempre, pelo menos hipoteticamente, mais recompensador do que o que está acontecendo na nossa frente”, afirma Adrian.

Então como os smartphones podem se tornar menos tentadores? Você precisa treinar seu cérebro novamente, como ensina Adrian. “Se você quer dar uma olhada no seu telefone, tudo bem. Mas perceba se valeu a pena”, completa. Com o tempo você pode ir aumentando o período que passa longe do aparelho.” Na minha experiência, usar o Light Phone foi mais difícil e menos divertido, portanto, menos viciante.

Tudo isso é ótimo. O problema é que o meu computador de bolso traz qualidade para minha vida, como pude perceber durante meu período de teste. Alguns dias depois de nossa caminhada, eu e minha esposa fomos ao casamento de meu irmão. No dia seguinte, família e amigos sentaram para relembrar a festa e compartilhar fotos. Eu ouvia os bipes de imagens sendo enviadas e postadas, mas não tinha uma ferramenta que me permitisse participar da diversão. A comunicação que um smartphone proporciona – os gifs e vídeos compartilhados no grupo de amigos de faculdade, as fotos diárias de meus sobrinhos – é algo de que quero participar.

Mas isso é tudo de que realmente senti falta. Decidi que o Light Phone pode não ser para mim, mas também fiz um balanço do que quero em um telefone. Percebi que não estava exatamente impotente nessa situação: eu estava permitindo que o aparelho vencesse meu cérebro. Eu precisava mudar alguns hábitos. Quando voltei para casa, coloquei o cartão SIM de volta no meu iPhone e deletei todos os aplicativos que não me fossem essenciais. Agora meu celular é basicamente um iPod com uma câmera, texto multimídia e chamadas wi-fi. E fica a maior parte do tempo guardado em uma gaveta.

Sem abstinências

Se você está apegado ao seu telefone, tente um destes aplicativos, que podem te ajudar a administrar seu tempo de tela:

Opal (US$ 60 por ano) Este app simples limita o seu uso de certos aplicativos e websites por períodos de tempo customizáveis.

Freedom (US$ 30 por ano) O aplicativo programa blocos de tempo cortando o acesso a apps e sites que possam nos distrair nos smartphones.

Offscreen (US$ 5) Entenda melhor os seus hábitos com métricas como o tempo gasto
no telefone enquanto caminha ou o maior período sem destravar a tela.

Forest (gratuito) Plante uma árvore virtual cada vez que precisar se desconectar do seu celular para focar em alguma atividade produtiva. Quanto mais tempo você fica concentrado na sua atividade real, mais a sua planta cresce.

Usage Tracker (R$ 10,90) Um app para mapear o uso que você faz de todos os seus aplicativos. A partir de uma foto da sua tela inicial, o Usage Tracker produz um relatório diário completo do seu histórico de tempo gasto nos smartphones. Os seus dados e informações são confidenciais e ficam apenas no seu aparelho.

Matéria originalmente publicada na revista Go Outside 170.







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