A história de como a empresa se originou é quase perfeita. Era uma vez, um cara dos dados, uma pessoa dos softwares e um psicólogo ambientalista que se conhecem numa travessia de esqui de vários dias pela região de Three Sisters Wilderness, no Oregon (EUA).
Ladeiras nevadas sob céus azuis durante o dia, seguidas de noites estreladas em cabanas rústicas bem abastecidas pelas melhores cervejarias artesanais de Bend. Ar da montanha e companheirismo em abundância. Nada de serviço de celular. Embora na época eles não soubessem, aqueles três homens estavam vivenciando as quatro áreas que mais tarde estariam no âmago do algoritmo de inteligência artificial (IA) que eles criariam para quantificar os benefícios da natureza para a saúde: qualidade do meio ambiente, redução do estresse, atividade física e contato social.
É claro que todo medicamento tem seus efeitos colaterais. Christopher Bailey, o cara dos softwares – ex-funcionário da Adobe Systems, na época diretor-executivo de tecnologia de um aplicativo chamado HotelTonight, comprado pelo Airbnb em 2019 –, teve algumas bolhas no calcanhar realmente incômodas, que chegaram a ultrapassar o tecido adiposo. E na última noite, Chris Minson, psicólogo da Universidade do Oregon, caiu fora de uma amistosa competição de equilíbrio que consistia em “pegar coisas do chão com os dentes e apoiado apenas em uma perna” – enquanto tomava seu primeiro drinque da noite, ele insiste em esclarecer – e quebrou o quinto metatarso, lesão que exigiu um deslocamento em moto de neve, um transplante de tecido ósseo da tíbia e a inserção cirúrgica de uma placa metálica. Apesar disso tudo, a ficha caiu. Uma semente foi plantada.
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A NATUREZA como medicina é um clichê com uma ascendência tão sólida que poderíamos encontrar sua origem na devoção ao sol e veneração das árvores de nossos ancestrais milênios atrás. A ideia começou a se tornar científica no começo dos anos 1980: quando o entomologista de Harvard E. O. Wilson publicou seu livro Biophilia, sobre a afinidade inata da humanidade com a natureza; quando o Ministério da Agricultura, Silvicultura e Pesca japonês cunhou o termo shinrin-yoku, ou banho de floresta; e quando um pesquisador chamado Roger Ulrich notou que pacientes operados da vesícula no hospital da Pensilvânia recebiam alta um dia mais cedo, em média, se viam árvores de suas janelas.
Hoje em dia, a relação entre o tempo acumulado passado em espaços naturais e seu resultado sobre a saúde – inclusive o principal deles, a longevidade – é consistente. “Não é apenas um estudo”, observa o epidemiologista Peter James, de Harvard, cuja análise de 2016, parte da série de estudos chamada “Nurses’ Health Study” e realizada com 108 mil pessoas, descobriu uma taxa 12% menor de mortalidade não acidental entre aquelas com mais áreas verdes em um raio de 250 metros ao redor de suas residências. “São 500 estudos.”
Certamente existe um intervalo perene entre saber e fazer. A psicóloga Laurie Santos e a filósofa Tamar Szabó Gendler chamaram isso de “G. I. Joe Fallacy” [Falácia Comandos em Ação], do slogan do comunicado de serviço público que aparecia no fim do desenho animado dos anos 1980 de mesmo nome: “Agora você sabe. E saber é metade da batalha”. A maioria de nós sabe, ou pelo menos intui, que um passeio no parque é revigorante. Mas apenas o conhecimento não levou multidões ao bosque.
Nos anos 1990, dados coletados pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos sugeriram que os estadunidenses passavam menos de 8% de suas vidas ao ar livre. Há pouca evidência de que a situação tenha mudado para melhor nos últimos 30 anos, apesar do volume crescente de pesquisas sobre o poder medicinal da natureza (ainda está para ser visto se o frenesi por parques inspirado pela pandemia dos anos 2020 e 2021 anunciará uma mudança duradoura).
Este é o enigma que Jared Hanley, cientista de dados e veterano das corridas de aventura que organizou a viagem de Three Sisters em 2016, continua contemplando. “E cheguei à conclusão de que, para que as coisas importem, é preciso medi-las”, ele assinala. “Você tem que dar um número. E uma vez que você passa a monitorá-las e atribuir a elas um valor – por mais arbitrário que ele seja, como a Bitcoin, por exemplo –, a sociedade começa a prestar atenção nelas.
”Um estudo de 2019 da Universidade de Exeter, no Reino Unido, ofereceu uma referência útil: 120 minutos de natureza por semana, eles descobriram, seria suficiente para melhorar de forma mensurável a saúde e o bem-estar. E uma matéria de capa da Outside USA mais ou menos da mesma época, sobre “a nova droga milagrosa da ciência” (que seria a natureza), proporcionaram a Jared um ímpeto para recrutar seus antigos companheiros de viagem Christopher e Chris, com suas complementares habilidades, para a causa. A natureza, Jared decidiu, precisava de um app.
Os três criaram a NatureQuant no fim de 2019, com Jared, ex-agente de investimentos, como CEO, Christopher, veterano de startups, como diretor de tecnologia e Chris como diretor de ciência e o elo deles com o mundo das pesquisas acadêmicas. O slogan deles é “oferecer tecnologia para estimar e promover a exposição à natureza”, e a visão inicial era um aplicativo que pudesse monitorar quanto tempo você passa num espaço rodeado de natureza. O público-alvo não eram pessoas como eles: veteranos grisalhos dos esportes de aventura ao redor dos 40 e 50 anos unidos pela vibrante cena outdoor da região de Bend e Eugene, no Oregon, onde moram.
“Todos nós estamos super dentro das atividades outdoor e da natureza, e realmente acreditamos em seus benefícios”, diz Christopher, mountain biker, corredor de montanha e escalador dedicado. “Mas não acho que pessoas comuns se deem conta desses benefícios o tanto quanto deveriam.” Um aplicativo que registre seu progresso em direção ao objetivo de 120 minutos semanais, segundo eles, poderia funcionar como o equivalente a um monitor de atividade física que te estimula a percorrer 10.000 passos, por exemplo, te avisando sempre que estiver acumulando horas demais em lugares fechados.
Mas eles deram de cara com um problema prático.“Para criar esse app”,conta Jared, “percebemos rapidamente que ele só funcionaria se soubéssemos onde está toda a natureza e qual parte dela é importante para a saúde.”
Para suprir essa lacuna, eles começaram a construir um banco de dados mestre que combina informação de uma variedade enorme de fontes: bancos de dados de parques, imagens visuais e infravermelhas de satélites englobando tanto zonas verdes como água, fotografias aéreas e vistas panorâmicas urbanas alimentadas por softwares de reconhecimento de imagens, copas de árvores, densidade viária, poluição sonora, luminosa e atmosférica, qualidade da água, entre outros. Todos esses dados são combinados usando um algoritmo de aprendizado automático, que então gera o NatureScore, marca registrada da companhia – classificação de 0 a 100 da benevolência de determinado espaço natural, com uma precisão de menos de dez metros.
“A forma pela qual um passeio esplendoroso ou um riacho borbulhante atua gentilmente sobre nossos sentidos parece restaurar nossa capacidade continuamente exaurida de focar, além de reduzir o estresse, melhorar o humor e até mesmo de incrementar o desempenho em testes cognitivos”
Atualmente você pode colocar qualquer endereço dos Estados Unidos no site da NatureQuant e obter o seu NatureScore, incluindo uma classificação simplificada de uma a cinco folhas que converte a escala de 100 pontos em cinco frações, ou quintis (a empresa está trabalhando para expandir a cobertura ao Canadá, com a Europa na fila). O estilo deles evoca conscientemente o WalkScore, um serviço de classificação de “caminhabilidade” (ou mobilidade urbana) adquirido pela agência imobiliária Redfin em 2014, que agora oferece 20 milhões de resultados de buscas por dia e faz parte de uma constelação muito maior de serviços de “inteligência de localização” que oferecem dados para respaldar decisões imobiliária.
“É uma forma de quantificar algo que normalmente é muito subjetivo e de reunir todas aquelas coisas que você só percebe pessoalmente, como se há ou não árvores naquela rua”, diz Sara Maffey, da Local Logic, companhia com sede em Montreal, no Canadá, que classifica endereços de acordo com 17 características e que está negociando com a NatureQuant a adição de seus dados ao mix. Não estão interessados apenas compra- dores de casas, segundo Sara: as zonas verdes de um bairro estão correlacionadas com o valor do imóvel, então construtoras e investidores também querem esses dados.
O uso auxiliar da base de dados geográfica da NatureScore, mesmo sem um app voltado ao consumidor que monitore movimentos individuais ou tempo de exposição à natureza, pegou Jared e seus colegas de surpresa. Eles perceberam rapidamente que seu algoritmo poderia prever inúmeros tipos de coisas, como ilhas de calor urbano e taxas de criminalidade do município e até mesmo casos de covid – este último dependendo, provavelmente, da melhor qualidade do ar associada a mais árvores, mas também potencialmente relacionado a efeitos mais discretos, como pessoas passando mais tempo ao ar livre e se exercitando mais em bairros com espaços naturais maiores.
Eles começaram a estabelecer vínculos com organizações como a Arbor Day Foundation, que promove o plantio de árvores. “Quando a fundação considera que determinadas cidades precisam de mais árvores, é fácil quantificar os efeitos positivos sobre a poluição, o barulho e as águas pluviais”, diz Dan Lambe, presidente do grupo. Mas os benefícios mais abrangentes para a saúde sempre foram mais difíceis de se medir. “O que a NatureQuant está fazendo é realmente único”, diz ele. “Poderia ser um divisor de águas para investimentos.”
Eles também estão negociando com a Davey, a maior companhia arborista dos Estados Unidos, e com a plataforma City Builder do Citybank, que ajuda investidores a encontrar oportunidades de investimento com alto impacto sobre a comunidade. Parcerias desses tipos podem eventualmente proporcionar à NatureQuant um novo fluxo de receita para seus dados – a companhia está determinada a não cobrar dos consumidores pelo aplicativo. Nesse ponto, ela mantém suas opções abertas. “Se conseguirmos nos associar com alguém como a Apple e da noite para o dia colocar nosso app em 50 milhões d eAppleWatches”, avalia Jared, “então realmente conseguiría-mos o maior impacto de público possível.”
NA TELA, UMA SÉRIE de pontos azuis aparecem um de cada vez, sobrepostos ao mapa de Boston: primeiro em Cambridge, depois descem em direção sul ao longo de Charles River, passam por Fenway Park e vão sentido à Escola de Saúde Pública Harvard T. H. Chan. Estamos em abril de 2021, e Peter James, o epidemiologista de Harvard, está dando uma palestra na cúpula dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos sobre Alzheimer, e ele está mostrando dados monitorados por seu celular. “A maioria dos estudos de epidemiologia ambiental se concentra no entorno da residência para definir a exposição”, Peter ex- plica, “mas nós sabemos por meio de enquetes de tempo de atividade que as pessoas passam mais de 50% de seu tempo fora de casa.”
O tema da sessão é o chamado exposome, termo criado em 2005 para descrever o impacto acumulativo das influências ambientais sobre a saúde. O estudo de Peter de 2016 com enfermeiros relacionou a quantidade de zonas verdes ao redor dos endereços residenciais para benefícios à saúde; agora ele está dando continuidade ao estudo com um grupo estatístico de enfermeiros utilizando dados de Fitbit e GPS para obter uma imagem mais precisa de onde os sujeitos passam o tempo. Como resultado, ele está lidando com a mesma questão que a NatureQuant: quais são os princípios ativos da natureza?
Para os epidemiologistas, bons espaços verdes se distinguem pelo que eles não têm – perigos para a saúde como poluição e tráfego – e pelos tipos de comportamentos que promovem. As pessoas tendem a ser mais ativas fisicamente em parques e a sociabilizar com amigos e vizinhos, ambos aspectos associados a uma melhor saúde.
Mas para a audiência de pesquisadores sobre Alzheimer, o benefício que interessa é sobre a saúde cognitiva, e a pesquisa de Peter sugere que é aí que entra em ação um mecanismo mais sofisticado. A forma pela qual um passeio esplendoroso ou um riacho borbulhante atua gentilmente sobre nossos sentidos parece restaurar nossa capacidade continuamente exaurida de focar, além de reduzir o estresse, melhorar o humor e até mesmo incrementar o desempenho em testes cognitivos.
É claro que há outros elementos do exposome que têm efeitos similares. “Fatores raciais e socioeconômicos do bairro são potenciais coadjuvantes”, conta Peter, “porque sabemos que bairros pobres contam com menos comodidades. Como resultado”, acrescenta, “aqueles são os bairros que mais se beneficiam de espaços verdes.”
NO ANO PASSADO, o presidente Joe Biden promulgou uma ordem executiva prometendo dar uma nova ênfase na justiça ambiental – a ideia de que benefícios e riscos associados ao meio ambiente devem ser distribuídos equitativamente entre as comunidades. Em princípio, organismos federais têm que considerar o impacto ambiental de suas decisões sobre as comunidades minoritárias e de baixa renda desde o governo de Clinton.
Para apoiar esse objetivo, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos conta com uma excelente ferramenta de triagem chamada EJScreen, que mapeia indicadores demográficos junto a dados de poluição atmosférica, tráfego, qualidade da água, e assim por diante. Mas essa abordagem tem um problema fundamental: “Ela olha realmente apenas para o lado negativo dos cálculos, sem pensar sobre como mitigar alguns dos problemas ou até mesmo como criar comunidades mais saudáveis, proporcionando mais natureza”, esclarece Jared.
Vejamos o caso do anúncio da Fiat-Chrysler de 2019 de uma expansão de US$ 2,5 bilhões em suas instalações de Detroit. Para compensar o incremento da poluição num bairro predominantemente negro, com uma qualidade do ar já baixa e altos índices de asma entre seus habitantes, a companhia ofereceu reduzir as emissões de outra fábrica próxima, mas em um bairro predominantemente branco.
Uma análise dos componentes do NatureScore sugere algumas alternativas óbvias a essa abordagem míope da justiça ambiental. “A melhor forma de limpar o ar de um bairro é simplesmente plantar um monte de árvores”, conclui Jared. “Vamos mitigar todos os riscos, mas também vamos investir em benefícios.” Nos Estados Unidos, três quartos da população que vive em locais com NatureScores baixos (de acordo com o censo) são negros. Por outro lado, há menos da metade da população em lugares com NatureScores altos. As disparidades são ainda mais pronunciadas quando levamos em conta níveis de renda e educação.
Mastigue o suficiente esses dados e você começará a ver os limites da capacidade de ação individual. “Sim, as pessoas podem tomar decisões melhores”,acredita James, “mas isso não alcança a mesma escala que o planejamento urbano pode atingir.” No entanto, para um certo tipo de nerd da tecnologia e da natureza, a ideia de um app que monitore sua exposição individual à natureza continua sendo intrigante.
Como eu moro em Toronto, no Canadá, ainda não posso conferir meu próprio NatureScore, mas pedi que minha editora consultasse seu endereço no Brooklin, em Nova York (EUA). Ela mora a cerca de 1,5 km do Prospect Park, mas o algoritmo reconhece apenas o que está dentro de um raio de 1 km de distância (embora esse raio, assim como o peso de diferentes elementos da natureza, possa ser ajustado pela companhia para clientes com interesses específicos). A pontuação dela, um desanimador 5,5 em uma escala de 0 a 100, sugere deterioração iminente, enfermidades e talvez loucura.
Mas felizmente ela é corredora. Em abril de 2021, o NatureQuant lançou discretamente um recurso para o Strava que oferece uma amostra do que o aplicativo completamente desenvolvido oferecerá. O recurso calcula um NatureScore médio em uma escala de uma a cinco folhas para todos os percursos que você sobe, desta vez utilizando um raio de 50 metros – aproximadamente seu campo de limite para os atributos levados em consideração (em comparação com os 1.000 metros a partir da residência).
Também aporta uma NatureDose proporcional, em minutos, com respeito ao objetivo de 120 minutos semanais. Cada minuto correndo ou pedalando numa trilha remota no meio da montanha te dará um minuto completo de natureza – lugares menos verdes, como, digamos, uma ciclovia na periferia de uma cidade, te darão uma fração de minuto. Para minha editora, isso resulta em um crédito praticamente total por suas voltas dentro do Prospect Park e bem menos pela selva de concreto que ela atravessa para chegar até lá.
Uma corrida de 55 minutos até o parque e ao seu redor no co- meço de maio, por exemplo, recebeu um NatureScore de quatro folhas e uma NatureDose de 37 minutos. Existe uma razão para que ela quase sempre corra lá.
EU OUVI FALAR do NatureQuant pela primeira vez no fim de 2020, num e-mail de Chris, cuja pesquisa sobre fisiologia havia sido tema de uma matéria escrita por mim previamente. “Somos profundamente conscientes”, ele admitiu naquela primeira conversa, “da ironia de usar tecnologia para melhorar nossa exposição à natureza.”
Desde então, estive ponderando sobre esse aparente conflito. Será que a resposta ao nosso acelerado distanciamento dos ritmos do mundo natural deve realmente ser passar ainda mais tempo interagindo com nossos dispositivos – examinando atentamente nossas telas ao invés de nos engajar com o que nos rodeia? Ao monitorar nossos movimentos na natureza com um dispositivo que também nos avisa se nosso chefe nos manda um e-mail?
“De improviso, essa ideia me parece um pouco absurda”, admite Florence Williams, colaboradora da Outside USA, cujo best-seller de 2017 The Nature Fix [A Correção da Natureza, em tradução livre] ajudou a apresentar as relações entre saúde pessoal e mundo natural para o grande público. “Mas talvez isso possa funcionar como uma porta de entrada.”
Nossa experiência na natureza sempre foi interligada com a tecnologia, como as- sinala John Shultis, professor assistente da Universidade do Norte da Colúmbia Britâ- nica que estuda atividades outdoor. Nosso atual sistema de parques municipais, estaduais e federais deve muito à adoção massiva do automóvel no começo do século 20, que estimulou a demanda pela conservação de lugares selvagens aos quais a população podia chegar de carro e visitar. Tecnologias derivadas das forças armadas e de programas espaciais levaram à criação de melhores equipamentos para o outdoor, que alimentaram o boom das atividades de montanha das décadas de 1950 e 1960. “Até mesmo o jogo Pokémon Go”, nota John, levou um número surpreendente de crianças ao ar livre.” A questão, segundo o professor, é se acabaremos mais focados na nossa tecnologia do que em nosso destino quando chegarmos até ele.
De muitas formas, os debates sobre a prescrição de natureza refletem os mesmos do mundo do exercício. De quanta atividade física precisamos? Que tipo de treino é o melhor? Será que apps de automonitoramento incrementam nossos níveis de atividade ou apenas nos deixam mais neuróticos e confusos? A diferença é que as pesquisas sobre exercício contam com meio século de vantagem. O estudo fundacional do mundo da epidemiologia do exercício, que descobriu que os cobradores dos ônibus de dois andares de Londres, sempre subindo e descendo escadas, sofriam metade da predisposição a ataques cardíacos que os motoristas sedentários, foi publicado em 1953. As primeiras diretrizes de exercício não apareceram até os anos 1970, e a recomendação moderna de realizar 150 minutos de exercício moderado por semana data dos anos 1990.
“Temos um longo caminho a percorrer antes de chegarmos aonde as recomendações de atividade física estão agora”, admite Benedict Wheeler, pesquisadora do Centro Europeu para Saúde Ambiental e Humana da Universidade de Exeter e uma das autoras de um estudo de 2019 que recomenda 120 minutos de natureza por semana. “Mas pelo menos temos um começo. Talvez acabe sendo apenas uma hora”, diz ela, “ou talvez três seja melhor.” De qualquer forma, a maioria das pessoas em cenários urbanos – e atualmente elas são mais de 80% dos estadunidenses – precisa de mais.
A análise de Benedict e seus colegas foi baseada em dados de uma enquete honestamente grosseira: perguntar às pessoas quantas vezes elas tinham saído ao ar livre na semana anterior, quanto tempo cada uma dessas saídas tinha durado e como elas classificariam sua saúde de forma geral. O sonho mais tentador para a NatureQuant é fazer uma pesquisa prospectiva profunda, monitorando quanto tempo exatamente as pessoas passam na natureza durante semanas, meses ou até mesmo anos e comparar essas informações com resultados de saúde no longo prazo. Então a companhia usará todo esse sofisticado conhecimento aprendido por computador para descobrir que elementos específicos da natureza, precisamente em que dose, produzem o elixir mais poderoso. Seria como o Estudo do Ar Puro realizado pela NASA nos anos 1980 – que classificou as plantas de interior de acordo com sua capacidade de filtrar as toxinas do ar, para uso em futuras estações espaciais –, só que para todo o mundo natural.
E se eles conseguissem reunir os fundos necessários para esse hipotético superes-tudo, o que aconteceria? “Tenho que admitir”, diz Christopher, o guru dos softwares da NatureQuant, “que uma grande parte da população preferiria tomar algum tipo de comprimido para resolver o problema.” Mas talvez seja apenas porque elas não estejam sabendo – ou esqueceram como é – a paz transcendental de uma cabana no meio de uma travessia de esqui à sombra de vulcões ou mesmo a relativa calma de um caminho cercado por árvores num parque urbano. Ou elas simplesmente estão ocupadas e mais um dia se perdem nas enxurradas de chats por Slack e ligações por Zoom. Elas só precisam de uma porta de entrada, uma lembrança, uma notificação de seus celulares, que é onde o resto de suas vidas já está se desenrolando.
*Alex Hutchinson (@sweatscience) é autor de Endure: Mind, Body, and the Curiously Elastic Limits of Human Performance [Persistir: Mente, Corpo e os Limites Curiosamente Elásticos da Performance Humana, em tradução livre].