Praticada na Índia há séculos, a Ayurveda é um sistema funcional de medicina que só foi adotado recentemente no resto do mundo. Diversos benefícios dessa vertente se provaram ao longo do tempo, mas o problema aqui é que muita confusão também permeia o tema.
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Primeiramente, vale ressaltar que a medicina ayurvédica não é um sistema único, que age de forma idêntica para todos. Muito pelo contrário. Essa complexa medicina entende que não só cada pessoa é singular, como os indivíduos e seus ambientes evoluem constantemente, dependendo de inúmeros fatores.
“A mesma patologia pode ter diferentes causas e poderá ser tratada de formas diferentes para cada pessoa. Não tem receita de bolo.”, explica Natalia Yudenitsch, Terapeuta Ayurveda especializada em Alimentação Ayurvédica.
As necessidades humanas
Além disso, essa vertente médica faz uso de todas as criações da natureza, trabalha o autoconhecimento, além de não ignorar ferramentas úteis.
Diferente da medicina Ocidental tradicional, aqui não são simplesmente os constituintes químicos que importam. A Ayurveda usa o intelecto, a intuição e os cinco sentidos para entender as necessidades humanas. Na prática, isso é o que os três doshas buscam explorar.
“Doshas são princípios vitais inteligentes que juntos coordenam todas as funções do corpo e são usados como parâmetros para entender o metabolismo individual, determinar causas e tipos de patologias”, explica Natalia.
São eles, Vata, Pitta e Kapha, mas todas as pessoas têm os três, porém em proporções individuais. “Alguns têm um ou dois doshas mais dominantes (ou podem não ter dominância específica de nenhum dosha) e isso vai determinar como “roda” o metabolismo dessa pessoa”, conta ela.
Por isso, é preciso tomar cuidado para não cair em uma visão reducionista e seguir regras básicas do dosha de sua dominância – que não levam em consideração exatamente quais são os seus desequilíbrios do momento e nem a individualidade da sua composição.
Desconfie, portanto, daquele ‘quiz’ para descobrir o seu dosha que logo em seguida recomenda alimentos ou uma dieta. Essa ciência é muito mais complexa do que isso e, para de fato, dominá-la, é preciso estudar muito – como em qualquer vertente médica.
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Ayurveda e exercícios físicos
Entre as recomendações gerais da Ayurveda, a prática de exercícios físicos é uma delas. No entanto, com ressalvas. “Ayurveda ensina, com grande detalhamento de sintomas, que tanto a falta quanto o excesso [de exercício físico] irão trazer desequilíbrios que, com o tempo, evoluirão para patologias”, explica Natalia que elencou também alguns pontos gerais sobre o assunto.
Segundo a medicina ayurvédica, a recomendação é exercitar o corpo diariamente, sempre de manhã cedo e com alguma intensidade que varia de acordo com a idade, constituição e saúde. Esses princípios valem para todos, independente de dosha, mas deve-se sempre respeitar o clima e o estado de saúde da pessoa. A primavera e o inverno são as estações onde o exercício físico é mais benéfico, ou seja, “treine o ano todo mas dê uma turbinada nos treinos nessas duas estações”, recomenda Natalia.
Além desses princípios, a Ayurveda indica a prática de exercícios físicos em jejum. Mas atenção. “Quem está com capacidade digestiva alterada, pode sentir fraqueza na hora da atividade em jejum. Nesse caso, tem que comer mesmo, porém investigar e endereçar as causas”, alerta Natalia.
“Atividade física pela manhã é essencial para o bom funcionamento do Agni, que é nossa capacidade digestiva e metabolizadora. Sua digestão não funciona bem se você não se movimenta. É só observar pessoas acamadas, normalmente a digestão é problemática”, diz Natalia sobre os benefícios da prática.
No entanto, a forma excessiva como a maioria dos amantes de esportes movimentam seus corpos, não é recomendada pela Ayurveda. Isso porque, quando o suor começa a escorrer em profusão, é um sinal de que metade da capacidade física foi alcançada e, portanto, é o momento de parar. “Nossos treinos de endurance, os super intensos ou várias vezes ao dia acabam caindo nessa categoria de excesso”, completa.
Além disso, a atividade física é contraindicada em alguns casos, como: Lesões nos pulmões, emaciação, algumas doenças de sangue e para quem se alimentou recentemente.
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Doshas e atividades físicas
Já falamos sobre ninguém ser exclusivamente um dosha, portanto, qualquer regra que reduza as suas necessidades a apenas um dosha, está equivocada. Mas entenda como tendem a ser as reações específicas de cada dosha às práticas de exercícios físicos.
Vale ressaltar aqui que a Ayurveda trabalha com o princípio de semelhante aumenta semelhante, oposto equilibra.
Vata: As pessoas com Vata mais dominante no corpo, tendem a ser mais “secas”, magras, leves, as vezes com ossos mais protuberantes e juntas que estalam muito. Vão ter muita animação para a atividade física, mas pouca estamina para sustentar, o que as deixa mais propensas a lesões e a desequilíbrios pelo excesso, pois costumam ser rápidas e viciar em velocidade e/ou distância. O oposto que equilibra aqui seriam atividades sem muita endurance ou que exija muito músculo.
Pitta: Quem tem estrutura física Pitta – que é normalmente mediana, nem gordo nem magro e tende a ter a vida toda o mesmo peso – sua com facilidade e muitas vezes ama uma competição, mesmo que seja entre amigos. Como esse dosha roda com metabolismo mais “quente”, ter uma rotina de treino no sol ou com muito calor significa estimular o semelhante, que consequentemente, aumenta o semelhante, podendo trazer, portanto, inflamações, problemas de pele, azia/acidez. Esse dosha pode se obcecar pelo aspecto competitivo.
Kapha: Já o corpo Kapha é mais estável, forte, com ossos e frame mais pesado. Esse tipo precisa fazer exercício diariamente para se manter saudável, de preferência mais intenso. É um perfil que floresce em esportes que exijam força e endurance e costumam ter a melhor cabeça para os desafios do esporte.
Como equilibrar o excesso de atividades físicas?
Ainda que a Ayurveda não recomende o excesso de atividades físicas, até mesmo um atleta profissional – que inevitavelmente terá de lidar com os desequilíbrios causados pelo exagero – pode equilibrar seu organismo. Para isso, tratamentos com óleos, alimentação e cuidados de acordo com o metabolismo único daquela pessoa podem ser excelentes alternativas.
“O excesso de atividade física pode levar ao aumento especialmente da secura e calor no corpo, o que vai produzir ressecamentos internos e externos e inflamações, além da fadiga afetar a capacidade digestiva e começar a desestabilizar a parte hormonal”, explica a especialista. “Seguindo o princípio do oposto que equilibra, quem treina com constância e, especialmente os atletas mais competitivos, se beneficiam bastante com a oleação no corpo que visa trazer untuosidade na secura. Além disso, o tipo de alimentação também é essencial, dependendo dos atributos específicos que estiverem em excesso no atleta”, completa.
Exemplificando: Quem está inflamado deve evitar jogar gasolina no fogo, ou seja, comida ácida e apimentada só vai piorar o quadro – aquele suco de laranja, café preto e uma noite italiana de queijo, vinho e muito tomate ou um simples prato mexicano ‘caliente’. Já a pessoa que está seca, perdendo massa, com lesões crônicas e/ou travada, vai agravar o quadro se comer coisas secas e frias demais, como por exemplo aquela saladona crua com granola e farofa, uma bolachinha salgada, um sushi ou uma pipoca.
“Com auto observação e cuidados específicos dá para prevenir bem os efeitos colaterais do excesso de exercícios físicos”, finaliza Natalia.
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Por fim, se você não consegue reduzir o ritmo excessivo de treinos, mas ainda quer ter longevidade e uma boa regeneração muscular, a Ayurveda pode ser grande aliada.
No caso do esporte, com algumas práticas, você consegue melhorar a recuperação muscular de um treino, de uma prova ou até mesmo de uma lesão. “Ao conhecer a fundo os princípios ayurvédicos, o atleta pode se auto observar, identificar um desequilíbrio antes de virar lesão ou problema e previní-lo com alimentação aliada a rotinas diárias”, explica Natalia que deixa um exemplo de uma prática simples e eficiente:
Dica de ouro para atletas
Para literalmente colocar “óleo na máquina”, use o óleo de gergelim morno, especialmente nas articulações. Pode aquecer o óleo comestível (sim, o comestível mesmo) e aplique no corpo fazendo movimentos circulares nas articulações e abdômen, além de movimentos retos nos braços e pernas. Atenção! Não passe no rosto! Deixe agir pelo menos 20 minutos e tome banho sem esfregar com sabonete, só tire o excesso do óleo.
Contraindicação: Essa prática é contraindicada para quem tem AMA (aquela saburra branca que fica como uma película na língua) e está com a capacidade digestiva enfraquecida.