Gentileza gera gentileza. Esta é uma das muitas frases que nortearam a carreira do lendário triatleta brasileiro Alexandre Ribeiro, 57 anos. Dono de seis títulos do Ultraman Havaí – considerado o maior desafio de resistência do planeta, ele perdeu a conta de quantas vezes interrompeu um treino ou uma prova para ajudar um colega em apuros.
Sem nunca ter perdido a simplicidade dos mortais, sua história se confunde com a própria história do triathlon no Brasil. Ribeiro é um dos precursores da modalidade no país e criado em uma geração na qual o companheirismo e o espírito da prova eram mais valorizados do que a performance individual do atleta.
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Mesmo sendo um competidor aguerrido, os treinos nem sempre foram sua prioridade. Para Ribeiro, a criação dos três filhos: Kaillani, 25, Kaipo, 21, e Maila, 18, – todos batizados com nomes havaianos – sempre esteve em primeiro lugar, mesmo no auge da carreira profissional. Pai dedicado, superatleta, ele também é um mestre para muitos. Como professor de educação física, dividiu seu conhecimento, filosofia e experiência em aulas, palestras ou na assessoria esportiva que leva o seu nome, inspirando e transformando a vida de muitas pessoas, dentro e fora do âmbito esportivo.
“Apesar de nosso esporte ser individual, não conquistamos nada sozinho. O apoio da família, o trabalho em equipe, só me fizeram crescer nas competições. O pensamento de que devemos ajudar o próximo sempre que possível, sem esperar nada em troca, é algo que eu procurei levar para a vida. Um simples gesto já é o suficiente para você receber energia positiva. Na minha casa é assim até hoje, um verdadeiro albergue, com as portas sempre abertas”, conta o triatleta.
Campeão de duplas da duríssima Race Across America (RAAM), recordista brasileiro do Ironman por muitos anos e com façanhas reconhecidas até pelo Guinness Book, o legado de Ribeiro está eternizado nas páginas do livro “Ultraman, a história do triatleta hexacampeão mundial”, escrito pelo próprio atleta em colaboração com os jornalistas Marcos Dantas e Iúri Totti. Na autobiografia, Ribeiro narra, hora a hora, sua última participação no Mundial de Ultraman do Havaí, usando a prova de 2013 como ponto de partida para mostrar como lidou com a gangorra da vida de um atleta de alto rendimento e as lições que aprendeu na busca do equilíbrio entre compromissos profissionais e familiares.
“Escrever esse livro foi como assistir o meu retrospecto de vida sozinho em uma sala de cinema”, conta Ribeiro. “Quando estamos na rotina entre competições, treinos, viagens, cuidados com a família, perdemos a noção de quanta coisa boa vivemos, quantos lugares e pessoas maravilhosas conhecemos. O Iúri e o Marcos são grandes amigos jornalistas e acompanharam toda minha carreira. Isso foi perfeito para que o livro ficasse íntegro, contando minha história sem erros”, pontua.
Ultracampeão no Havaí
Muito além de uma prova de triathlon tradicional, o Mundial de Ultraman no Havaí assusta pelas distâncias colossais: 515 km de percurso, com 10 km de natação, 421 km de ciclismo e 84 km de corrida. Durante três dias de prova, os atletas enfrentam condições climáticas totalmente adversas, com quedas bruscas de temperatura, umidade, chuva e ventos fortes, que aumentam ainda mais o grau de dificuldade. No Brasil e no mundo, ninguém venceu mais essa duríssima competição do que Alexandre Ribeiro, campeão em 2003, 2005, 2008, 2010, 2011 e 2012.
Muito antes da primeira conquista, o arquipélago havaiano já permeava os sonhos daquele jovem e franzino corredor de cabeleira loira do Rio de Janeiro. Quando tinha apenas 15 anos, Ribeiro ficou atônito ao assistir imagens do emocionante Ironman de 1982 pela televisão. O evento contou com uma chegada histórica da norte-americana Julie Moss que, engatinhando, perdeu a liderança a apenas três metros da linha final. Julie ficou em segundo, mas sua garra e perseverança mudariam para sempre a história deste esporte, que naquela época também engatinhava.
Três anos depois, Ribeiro desembarcaria em Kona para começar a escrever a sua própria história neste cenário. Atleta mais novo daquele Ironman, ele lidou com a falta de ar durante intermináveis quilômetros e cruzou a linha de chegada ao melhor estilo Julie Moss, “sorrindo e chorando ao mesmo tempo”, como ele mesmo gosta de lembrar. Mesmo com um tempo final de prova acima do esperado, aquele evento só reforçaria a certeza de que dali em diante Ribeiro seria um verdadeiro e respeitado atleta de endurance.
De volta ao Brasil, Ribeiro começou a treinar algumas pessoas com a experiência adquirida no exterior, onde teve a parceria do Top do Ironman Dean Harper e de seu treinador, Marc Evans. Excepcional corredor, um atleta fora da curva na bike e na natação, ele competiu de igual para igual com os principais nomes da primeira geração de triatletas brasileiros dos anos 80, como Roger de Moraes, Carlos Dolabella, Armando Barcellos, dentre outros. A primeira vitória veio em março de 1985, em uma etapa da seletiva do campeonato brasileiro. A partir dali, Ribeiro iniciaria sua trajetória de grandes alegrias, com vitórias e derrotas que fazem parte da carreira de qualquer atleta.
Um novo desafio
Em 2015, dois anos depois de ter disputado seu último Ultraman, um inesperado obstáculo surgiu no horizonte. Ribeiro, um atleta sempre comunicativo, passou a gaguejar em suas entrevistas, além de caminhar de um jeito estranho. Ao consultar um médico, o diagnóstico caiu como uma bomba: o ídolo apresentou baixa dopamina do lado direito do cérebro, o que afetava a fala e a locomoção do lado esquerdo do corpo, na temida doença conhecida como mal de Parkinson.
Para o atleta, que sempre foi independente e nunca havia tido um caso similar na família, os primeiros meses foram angustiantes. “Na hora que recebi o diagnóstico, não queria acreditar. Estava tão abalado que nem conseguia achar meu carro no estacionamento”, relata. Para ele, o pior não era a rigidez nos braços e nas pernas, mas sim, a fala, algo que o afetou tanto a ponto de ele se isolar até dos amigos mais íntimos.
Com o passar do tempo, ao iniciar o tratamento com o doutor Rubens Cury na capital paulista, Ribeiro foi aprendendo a conviver com este novo desafio em sua vida, nunca deixando de lado o cuidado com o corpo e a mente. “Hoje tomo três remédios ao longo do dia para não baixar a dopamina, mantenho minhas atividades física, nadando, pedalando e correndo três vezes por semana com duração de 30 minutos. Esse tratamento ajuda muito a me manter estabilizado”, explica Ribeiro.
Enquanto tiver energia, Alexandre Ribeiro, ou “Caráterman”, como foi apelidado pelo amigo Marcos Dantas, promete lutar contra a doença. E superar desafios nunca foi um problema para o triatleta hexacampeão mundial, que sempre teve disposição de sobra.
“Ultraman, a história do triatleta hexacampeão mundial”
Autor: Alexandre Ribeiro
Coautores: Marcos Dantas e Iúri Totti
Número de páginas: 354
Ano: 2023
Formato: A5 (148×210)
Acabamento: Brochura c/ orelha
Idioma: Português
Onde encontrar: clubedeautores.com.br
Matéria originalmente publicada na Revista Go Outside 180.