Como ladrões conseguiram roubar US$ 2 milhões em tênis da Nike de um trem

Por Frederick Dreier

O jornal Los Angeles Times revelou recentemente detalhes sobre os roubos de trens de carga que tinham como alvo tênis da Nike. Foto: William Campbell / Outside.

Parece o enredo de um filme de ação de Hollywood: no meio do deserto de Mojave, na costa oeste dos EUA, um grupo de criminosos invade um trem de carga e realiza um assalto audacioso, fugindo com milhões de dólares em um tênis de edição limitada.

Bem, talvez não exatamente essa última parte.

Mas a realidade às vezes supera a ficção, como mostra a recente história sobre os roubos de trens no sudoeste dos Estados Unidos. Em 23 de fevereiro, o jornal Los Angeles Times publicou um relatório detalhado sobre dez assaltos a trens ocorridos entre março de 2024 e janeiro de 2025 na Califórnia e no Arizona. Os criminosos subiam em trens de carga operados pela BNSF Railways, arrombavam os cadeados dos contêineres de transporte e jogavam a carga para fora, onde veículos de apoio recolhiam os produtos roubados.

Veja também
+ Sobrevivente do ‘milagre nos Andes’ participa de palestra em São Paulo
+ Rocky Mountain Games abre temporada 2025 com edição épica em Atibaia
+ ‘São muito sortudos’, diz Pau Capell sobre iniciantes que vão correr na UTMB Paraty

Em nove dos dez casos, os assaltantes levaram tênis da Nike de edição limitada, e o valor total dos roubos foi estimado em aproximadamente US$ 2 milhões. Durante um dos assaltos, em 13 de janeiro, o grupo roubou 1.985 pares de um modelo inédito, o Nigel Sylvester x Air Jordan 4, descrito pelo site HypeBeast como “muito aguardado”.

As autoridades acabaram alcançando os suspeitos. Segundo o LA Times, agentes federais executaram mandados de busca, invadiram depósitos e até perseguiram os criminosos por estradas de terra. O USA Today informou que mais de 60 pessoas enfrentam acusações federais relacionadas aos roubos. Em um dos casos, em 15 de janeiro, a polícia perseguiu os suspeitos e descobriu que ambos eram adolescentes. Após o assalto de 13 de janeiro, 11 pessoas foram presas. Os acusados foram indiciados em 15 de fevereiro e agora aguardam julgamento.

Essa história pode soar familiar. Em outubro, a Outside publicou uma investigação de Scott Yorko intitulada The Great Bedrock Clog Heist, sobre o roubo de 5.364 pares de calçados da marca outdoor Bedrock Sandals em 2023. Naquele caso, os ladrões roubaram o caminhão que transportava um novo lote de calçados inéditos e tentaram vendê-los online.

Tanto a reportagem de Yorko quanto a recente matéria do LA Times expõem a vulnerabilidade do setor de transporte de cargas nos Estados Unidos, responsável por levar nossos equipamentos outdoor favoritos das fábricas até as lojas. A realidade é que muitos produtos que amamos — incluindo nossos tênis preferidos — estão sendo rotineiramente roubados de caminhões e trens e revendidos no mercado negro. O Times citou um relatório da Association of American Railroads, uma organização que representa as empresas ferroviárias de carga, que revelou que 65 mil roubos de carga ferroviária ocorreram nos EUA em 2024, um aumento de 40% em relação a 2023. A Verisk CargoNet, empresa de análise de dados que monitora roubos de carga, estima que o número de furtos de carga em 2023 foi 59% maior do que em 2022.

“Todo mundo nesse setor diz que nunca esteve tão ruim em toda a sua carreira, que varia de 40 a 50 anos”, disse Jimmy Menges, diretor nacional da Marine Intelligence and Solutions, uma empresa de investigações privadas, à revista Outside. “Antes, havia muito mais forças-tarefa especializadas em roubo de carga dentro do FBI e das forças policiais locais, mas muitas foram desmanteladas.”

Recentemente, liguei para dois especialistas no mundo do roubo de cargas para discutir a matéria do LA Times: Keith Lewis, vice-presidente de operações da Verisk CargoNet, e Glenn Master, diretor de proteção de ativos e segurança da empresa de transporte rodoviário McLane. Ambos atuam há décadas na área de proteção de cargas e investigação de assaltos a transportes. Durante a conversa, eles compartilharam suas opiniões sobre as diferenças entre os roubos da Bedrock Sandals e da Nike, como as empresas tentam recuperar os produtos furtados e como crimes como esses afetam consumidores como eu e você.

Um assalto a trem é diferente de um assalto a caminhão

Dois anos após o roubo da Bedrock Sandals, ainda há um debate entre funcionários e especialistas em segurança sobre se os calçados especializados foram um alvo planejado pelos ladrões ou se os criminosos simplesmente roubaram um caminhão e deram sorte com a carga.

Mas, no caso dos tênis da Nike, meus especialistas concordam: os ladrões sabiam exatamente o que estavam procurando. Tanto Master quanto Lewis disseram que, com base nos detalhes divulgados pelas autoridades, os criminosos que atacaram os trens não estavam apenas arrombando contêineres aleatoriamente.

Os trens de carga podem ter entre um e três quilômetros de extensão e transportar centenas de contêineres de metal, carregados com diversos produtos. Ainda assim, em nove dos dez assaltos, os ladrões roubaram tênis Nike de alto valor.

“Isso não é coincidência”, disse Lewis. “E existem pelo menos uma dúzia de maneiras diferentes de descobrir onde a mercadoria está carregada no trem.”

Lewis explicou que os ladrões podem obter essa informação por meio de pesquisas detalhadas na internet. Em alguns casos, eles subornam funcionários de armazéns ou empresas de transporte para obter dados sobre a localização exata das cargas. Entrei em contato com a BNSF Railway sobre essa questão, e a empresa enviou a seguinte declaração:

“A BNSF possui protocolos de segurança rigorosos, e nosso departamento de polícia está focado em evitar esses incidentes em nossa rede. Trabalhamos duro para proteger a carga de nossos clientes desde a coleta até a entrega e implementamos medidas de segurança para garantir que esses produtos cheguem com segurança ao destino. Estamos colaborando com autoridades federais, estaduais, locais e tribais para coordenar ações que desarticulem atividades criminosas e prendam os infratores.”

Depois que os ladrões descobrem a localização da carga, eles embarcam no trem quando ele está parado. Devido ao tamanho dos trens de carga, os seguranças não conseguem patrulhar todo o veículo, explicou Lewis. Além disso, os maquinistas não estão armados. Assim que os criminosos identificam os contêineres certos, usam esmerilhadeiras ou alicates de corte para romper os cadeados. Depois, jogam a carga no chão, escondem-na na vegetação e esperam um carro de apoio para buscar os produtos.

“Não é uma situação em que o trem está a 80 km/h”, explicou Master. “Se você tem de 10 a 15 pessoas caminhando ao longo do trem com alicates para cortar os cadeados e começar a descarregar um contêiner, vira um jogo de números. Se você tem 30 minutos, pode abrir contêineres até encontrar os tênis da Nike.”

Grandes empresas podem conduzir suas próprias investigações

O roubo de calçados de 2023 teve um grande impacto na Bedrock Sandals. Na época, a empresa sediada em Montana tinha apenas nove funcionários. Os novos modelos eram um sucesso de vendas, e quando o caminhão foi roubado, a Bedrock Sandals não conseguiu atender imediatamente os pedidos. A empresa teve que esperar vários meses até a chegada do próximo lote.

O diretor de operações da empresa, Matt McAdow, teve que lidar com a situação sozinho: ele trocou mensagens com um suspeito pedindo a devolução da carga e entrou em contato com as autoridades e o seguro quando ficou claro que os calçados não seriam recuperados. Quando os produtos roubados começaram a aparecer no eBay e em outros sites de revenda, McAdow precisou entrar em contato diretamente com os vendedores, solicitando a remoção dos anúncios.

Lewis já viu esse cenário acontecer antes. “Em uma empresa pequena, você fica ao telefone esperando que um milagre aconteça”, disse ele. “Em uma grande empresa, eles sabem que o milagre não vai acontecer a menos que eles façam parte dele.”

Master e Lewis explicaram que o processo é bem diferente em grandes corporações internacionais. Fabricantes de grande porte lidam com furtos regularmente e muitas vezes contam com suas próprias equipes de segurança para prevenir roubos e investigar crimes depois que acontecem.

“Empresas grandes podem ter suas próprias unidades de investigação—e, após um roubo como esse, elas assumem a responsabilidade de identificar os criminosos e descobrir quem fez o quê”, explicou Lewis. “Às vezes, conseguem levar a investigação até as autoridades em uma ‘caixa branca com um laço em cima’.”

Tentei entrar em contato com um porta-voz da Nike para esta matéria diversas vezes, mas não obtive resposta. Segundo o LA Times e uma reportagem da CBS 5 News Phoenix, os roubos de trens na Califórnia e no Arizona foram frustrados por uma operação conjunta entre a polícia federal e local, que trabalhou em parceria com a segurança da BNSF. As autoridades esconderam rastreadores GPS dentro dos tênis da Nike e usaram os dispositivos para localizar um caminhão baú transportando a carga roubada.

Master destacou que as unidades de investigação corporativa têm se tornado cada vez mais importantes, especialmente à medida que as forças policiais em todo o país diminuíram nos anos pós-COVID. Hoje, muitos detetives enfrentam uma carga excessiva de casos, o que atrasa investigações de furtos. Investigadores corporativos podem agilizar o processo, mesmo quando as autoridades estão sobrecarregadas.

Ele mencionou um caso recente envolvendo a equipe de segurança da McLane, que teve que investigar uma série de roubos de cigarros. Os crimes ocorreram em diferentes cidades, e a falta de comunicação entre as jurisdições dificultou a atuação das forças policiais.

“Foi necessário trabalharmos com as equipes de segurança de outras empresas para desenvolver um plano e colocar rastreadores GPS nas caixas”, explicou Master. “Depois de um ano, conseguimos levar o caso para a polícia estadual e dizer ‘aqui está sua investigação’. Eles conseguiram os mandados e prenderam os criminosos.”

Ladrões arrombam contêineres de carga para ver o que há dentro. Foto: William Campbell / Outside.

Para onde vão os produtos roubados

Apesar das diferenças nos assaltos, Master e Lewis concordam que a carga roubada provavelmente tem o mesmo destino: mercados internacionais.

“Quando lidamos com ladrões locais fazendo roubos rápidos, os produtos costumam ser encontrados em pequenas lojas e feiras de trocas, mas isso acontece mais com mercadorias genéricas”, explicou Master. “Quando os produtos são alvos específicos, como os mais recentes iPhones ou tênis, muitas vezes eles já têm um comprador no exterior.”

Os ladrões geralmente são contratados por um intermediário—conhecido como fence—que negocia o preço com o comprador internacional, explicou Master. Uma vez fora do país, os produtos são vendidos no mercado negro para clientes ao redor do mundo.

Nos Estados Unidos, as cargas roubadas são enviadas primeiro para cidades portuárias, onde ficam armazenadas em depósitos à espera do transporte marítimo. Se os investigadores conseguirem encontrá-las antes que sejam despachadas, ainda há chance de recuperação.

“No momento em que os produtos entram no contêiner de carga, eles estão perdidos para sempre”, afirmou Master. “A probabilidade de recuperação se torna extremamente baixa.”

Tanto a Bedrock Sandals quanto a Nike conseguiram recuperar parte de seus estoques antes que fossem enviados para o exterior. Os investigadores localizaram os calçados da Bedrock Sandals em um armazém em Los Angeles. No caso dos tênis Nike roubados, buscas em residências particulares e unidades de armazenamento resultaram na recuperação de centenas de pares.

Como evitar roubos

Há alguma solução à vista para o problema dos roubos de carga nos Estados Unidos? Tanto Master quanto Lewis se mostram céticos. Eles apontam que a cadeia de suprimentos do varejo no país tem muitas falhas de segurança, e os criminosos sempre encontram maneiras de explorá-las.

Além disso, cortes de custos e a terceirização de várias etapas dentro da cadeia de suprimentos fazem com que os fabricantes nem sempre saibam exatamente quem está responsável por seus produtos em diferentes momentos do transporte, do fabricante até a loja.

“As empresas simplesmente entregam a mercadoria para a cadeia de suprimentos e deixam de se preocupar”, disse Master. “Elas torcem para que os produtos cheguem ao destino e, se perderem um lote, sabem que o seguro cobrirá.”

As empresas podem pagar por segurança extra, como seguranças armados, travas reforçadas e transporte especializado. No entanto, essa infraestrutura é cara e frequentemente desacelera o processo de entrega. A maioria das empresas, segundo Lewis, prefere correr o risco.

“Se você está enviando alguns milhões de dólares em mercadorias, provavelmente faz sentido contratar escoltas para garantir a segurança”, disse Lewis. “Mas tudo isso adiciona custos e torna a cadeia de suprimentos mais lenta. As empresas querem que os produtos sejam transportados na velocidade da luz.”

Os fabricantes pagam seguros para cobrir os custos em casos de roubos e furtos, mas esses crimes estão longe de ser isentos de vítimas. Lewis explicou que os custos crescentes de seguros, medidas de segurança e investigações internas acabam recaindo sobre um único grupo.

“O consumidor”, ele afirmou. “Esse é o verdadeiro prejudicado.”

*Matéria originalmente publicada na Outside.