Conhecer o Everest, no Nepal, sem precisar escalá-lo. Já imaginou? Alguns poderiam afirmar que seria como ficar cara a cara com o gol em uma final de Copa do Mundo e perdê-lo. A metáfora ganha força ao se fazer o paralelo do gigantismo que envolve ambas as situações: o evento esportivo mais importante do mundo, fenômeno midiático que a cada quatro anos potencializa ainda mais seu alcance, e a maior montanha do planeta, cujos conquistadores ganham notoriedade no montanhismo, ainda que em menor proporção.
Especial montanhismo: 7 passos para começar a subir montanhas
Mas as semelhanças param por aí. Mesmo que um jogo decisivo de Mundial mexa com o brio de nações inteiras, essa seria uma percepção bastante simplista. Primeiro porque não se trata de qualquer goleiro à frente, segundo que para alcançar a base da maior montanha do mundo passa-se por bastante coisa. Não escalá-la está bem longe de uma derrota. Muito pelo contrário.
Até a chegada ao acampamento, é necessário subir 5,5 mil metros. Boa parte deles a pé. Ir até lá significa completar o trekking mais alto de todos. A partir do aeroporto de Lukla, cuja pista é considerada uma das mais perigosas – na qual é impossível arremeter -, só há duas opções para cumprir o trajeto: helicóptero ou as próprias pernas.
O primeiro é escolhido por montanhistas que têm a pretensão exclusiva da escalada. O segundo proporciona a vivência dos hábitos locais e do ambiente de montanha, o contato com templos budistas e hinduístas, cânions e glaciares e o enriquecimento cultural a partir do convívio com nepaleses e sherpas nativos, em subidas gradativas de altitude para aclimatação do corpo. Acredite, essa é uma viagem que todos podem fazer. Basta apenas um critério físico: não ser sedentário.
Ao contrário da exigência da Copa do Mundo, disputada a nível do mar por atletas de alto rendimento, o montanhismo não pede uma condição física perfeita de quem o pratica – embora tenha o desafio de se ambientar a elevadas alturas. Porém, nesse ponto, até o esportista melhor preparado fisicamente pode sofrer mais do que os viajantes que fazem exercícios uma ou duas vezes na semana.
É com esse intuito, de mostrar que a montanha e o montanhismo são acessíveis e desmitificar seus perigos e o estereótipo de que é necessária plenitude física para conhecê-la que levarei, em outubro, um grupo para viver essa experiência no Nepal. O roteiro de 17 dias – excluído o tempo de deslocamentos – inclui a capital Katmandu antes do trecho a Lukla, onde começa a caminhada. Poderei transmitir aos companheiros de expedição minha experiência de alta montanha e relembrar tudo o que vivi em 2018, quando cheguei ao cume.
Contudo, é necessário saber que existem dificuldades e superá-las gera aprendizados para toda a vida. Em uma expedição, cada um tem os seus limites e eles não prejudicam os demais. As lutas são individuais, mas o espírito é coletivo, com ajuda dos companheiros. A resistência é uma característica importante, que afeta mais o psicológico em percursos diários que duram de seis a oito horas.
Os grandes ensinamentos das altas montanhas estão na trajetória do trekking. Eis o ponto, para mim, mais legal: só é possível descobrir-se pronto in loco. Não há como prever a adaptação ao ar rarefeito, nem às dores, tampouco simular situações de noites mal dormidas ou frio. Por isso, também, a importância de estar com alguém experiente, que dará todo o suporte necessário, técnico e emocional.
Costumo dizer que trata-se de uma experiência transformadora, intensa para o autoconhecimento. Na montanha, vive-se ao extremo, em todos os sentidos. Além do clima e da altura, nela, descobrimos o quão frágeis e fortes somos – descoberta que acontece inclusive, simultaneamente.
Ao completar o trajeto, independentemente do objetivo, surgem a sensação de realização, a ambição boa de planejar outras expedições aliada à força de vontade, determinação, dedicação e ao entendimento da própria capacidade. Nessa Copa do Mundo própria de cada um, qualquer pequena vitória pessoal é um gol de título, o qual, sem tentativa, não há como marcar. Vamos juntos?
Henrique Franke é montanhista e foi o 19º brasileiro a chegar ao cume do Everest