Dominação é a palavra que marcou o Tour de France Femmes deste ano, encerrado no último domingo, 30 de julho, com uma rápida prova de contrarrelógio individual na cidade de Pau.
A super equipe holandesa SD Worx atropelou a competição, dominando o pódio na etapa final e conquistando a camisa amarela com a estrela Demi Vollering, dos Países Baixos.
Vollering, de 26 anos, terminou a corrida de oito dias com uma confortável vantagem de 3:03 sobre sua companheira de equipe, Lotte Kopecky, da Bélgica. Das oito etapas de 2023, a SD Worx venceu quatro.
Mas o desempenho da SD Worx não foi a único fato marcante da segunda edição do Tour de France Femmes, que já se tornou o maior evento do ciclismo profissional feminino.
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A era Annemiek van Vleuten chegou ao fim
De 2017 até 2023, a maior rivalidade do ciclismo feminino colocou a SD Worx (anteriormente chamada de Boels-Dolmans) contra a equipe que empregava a fenomenal ciclista holandesa Annemiek van Vleuten, a atual campeã mundial e olímpica. Uma força única, van Vleuten consegue escalar, manda muito no contrarrelógio e pedala em terrenos planos melhor do que quase qualquer ciclista no pelotão. Ela derrotou amplamente a SD Worx em grande parte de 2022, vencendo as maiores corridas por etapas do ciclismo feminino: Tour de France Femmes, Giro d’Italia Donne e Ceratizit Challenge by La Vuelta a España.
Após a temporada, a ciclista de 40 anos anunciou que 2023 seria sua despedida. Muitos jornalistas – eu incluído – assumiram que ela esmagaria a concorrência novamente nesta temporada. Ela parecia pronta para repetir o feito, vencendo a Vuelta Feminina (que substituiu o Ceratizit Challenge) e o Giro d’Italia Donne.
Mas a dominação tem seu preço, e van Vleuten pareceu estar notavelmente abaixo de seu nível durante o Tour de France Femmes. Na etapa de montanha dos Pirenéus, ela tentou repetidamente deixar Vollering para trás. No entanto, a ciclista mais jovem resistiu e acelerou na subida final do dia, no lendário Col du Tourmalet. As câmeras captaram van Vleuten ficando para trás e desaparecendo na densa névoa – talvez um fim apropriado para sua era de dominação. Ela terminou em terceiro na etapa e em quarto na classificação geral para a camisa amarela. Segundo os relatos, ela ainda planeja se aposentar no final da temporada.
Fugas frustraram o pelotão
Muitos às vezes criticam o Tour de France masculino por ser chato e previsível – críticas relacionadas ao pelotão perseguindo a fuga de cada dia com relativa facilidade. A maioria das corridas profissionais de ciclismo de estrada apresentam uma batalha entre o grupo principal de ciclistas e a pequena fuga, composta por ciclistas que fogem cedo e tentam chegar à linha de chegada à frente do pelotão. No Tour, onde cada vitória de etapa traz prêmios em dinheiro e fama internacional, os diretores das equipes calculam exatamente o quão forte o pelotão deve pedalar para alcançar a fuga antes do sprint final. A maioria das fugas está fadada ao fracasso, então assistir à batalha entre o pelotão e a fuga muitas vezes parece algo previsível.
Isso não acontece no ciclismo feminino de estrada, onde as fugas frequentemente surpreendem o pelotão e chegam até o fim da etapa. Há muitas opiniões sobre o motivo disso – cada equipe tem menos ciclistas do que na corrida masculina, por exemplo – mas os fãs do ciclismo há muito tempo concordam que a batalha do pelotão com a fuga no ciclismo feminino produz mais surpresas. Isso ocorreu no Tour de France Femmes de 2023, onde quatro das sete etapas em estrada (a oitava etapa foi um contrarrelógio individual) foram vencidas por ciclistas que escaparam do pelotão. Kopecky venceu a primeira etapa ao atacar sozinha dentro dos últimos 10 km; Yara Kastelijn, da equipe Fenix-Deceuninck, venceu a quarta etapa após uma fuga ao longo do dia; Ricarda Bauernfeind, da Canyon-SRAM, resistiu ao pelotão para vencer a quinta etapa com apenas 22 segundos de vantagem; Emma Norsgaard, da Movistar, uma das quatro ciclistas que escaparam, terminou apenas 1 segundo à frente do pelotão.
Danske Emma Norsgaard vinder 6. etape af TDF Femmes! 🇩🇰🇩🇰 pic.twitter.com/5PDraGMxci
— discovery+ sport 🇩🇰 (@dplus_sportDK) July 28, 2023
Montanhas trouxeram emoção
A subida do Tourmalet foi a seção mais emocionante da corrida deste ano e testemunhou uma grande batalha entre Vollering, van Vleuten e a ciclista polonesa Katarzyna Niewiadoma. Enquanto Niewiadoma atacava a subida imponente sozinha, Vollering e van Vleuten disputavam entre si cerca de um minuto atrás, com Vollering finalmente acelerando para deixar van Vleuten para trás, alcançar e ultrapassar Niewiadoma, vencer a etapa e vestir a camisa amarela. O drama foi amplificado pela presença de densa névoa na subida, dando à etapa uma sensação épica. Toda a etapa reforçou a opinião de que o ciclismo feminino absolutamente precisa usar as grandes montanhas usadas nas corridas masculinas. Minha esperança é que futuras edições da corrida incluam outras subidas lendárias, como l’Alpe d’Huez, o Col du Peyresourde e o Mont Ventoux. Não faz muito tempo, alguns diretores de prova do ciclismo feminino evitavam intencionalmente essas grandes subidas por medo de que a disparidade na capacidade de escalada dentro do pelotão levasse a corridas monótonas. Hoje em dia, o pelotão feminino está repleto de excelentes escaladoras. As etapas nas montanhas produzem batalhas emocionantes e empolgantes que cativarão até mesmo os espectadores casuais.
Vimos momentos de frustración y fricción, pero cuando Demi Vollering lanzó su ataque en el Tourmalet nadie pudo seguirla
Vollering lidera la general con 1:50" sobre Kasia Niewiadoma y 2:28" sobre Annemiek van Vleuten en el #TDFF2023
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Uma audiência notável
Antes da corrida de 2023, a patrocinadora Zwift divulgou números de audiência compilados pela Neilson Sports da estreia do Tour de France Femmes em 2022. O relatório veio de estudos regionais de TV e streaming em oito países (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha, Austrália e Japão). De acordo com o relatório, a corrida teve um público ao vivo acumulado de 23,2 milhões de pessoas, com uma média de 2,9 milhões de pessoas assistindo a cada etapa ao vivo. Esse número representou uma grande conquista e colocou o Tour de France Femmes à frente do Giro d’Italia masculino em termos de público ao vivo total.
Grandes e abrangentes estudos desse tamanho e alcance incluem muitas estimativas e cálculos aproximados, e em meu trabalho anterior como repórter no The SportsBusiness Journal, me ensinaram para nunca tirar conclusões detalhadas desses números. Mas as principais descobertas do relatório ainda mostram a popularidade crescente do evento com o público da TV em seu primeiro ano. Qualquer esporte que busque estabilidade financeira ficaria de olho em números de audiência como esses. Mal posso esperar para ver as estatísticas de audiência da edição de 2023, e minha previsão é que a audiência geral diminua ligeiramente, devido a uma pequena redução no entusiasmo pré-corrida em comparação com sua estreia na temporada passada. Mas se os números chegarem perto do que a corrida alcançou no ano passado, organizadores, patrocinadores, ciclistas e fãs poderão ficar extremamente felizes.
SD Worx continua em ascensão
A SD Worx tem sido a equipe a ser batida no ciclismo feminino na última década e, ao longo dos anos, empregou algumas das melhores ciclistas da história do esporte: Anna van der Breggen, Lizzie Deignan, Chantal van den Broek-Blaak e Evelyn Stevens, entre outras.
O Tour de France Femmes de 2023 representa o início oficial da era de domínio de Vollering/Kopecky da equipe, e não tenho dúvidas de que essas duas ciclistas – além da estrela velocista Lorena Wiebes – continuarão a vencer as maiores corridas do calendário.
Já escrevi sobre o sucesso da equipe em algumas ocasiões e entrevistei ciclistas atuais e ex-ciclistas, bem como diretores, sobre o segredo do sucesso da equipe. Para mim, elas são o equivalente feminino do San Antonio Spurs no basquete da NBA, que venceram cinco campeonatos entre 1999 e 2014. A SD Worx não tem nenhuma arma secreta ou modelo excêntrico para vencer. Eles simplesmente fazem os fundamentos chatos e básicos do ciclismo de estrada melhor do que as outras equipes, desde a identificação de talentos, a retenção de ciclistas e as táticas de corrida. A SD Worx contrata talentos crus de equipes menores – Vollering, Kopecky e Wiebes corriam em equipes menores profissionais – e os transforma em profissionais de alto nível.
Ciclistas jovens têm duas temporadas para mostrar promessa ou então a equipe os descarta e os deixa ir. A SD Worx tem um dos maiores orçamentos do esporte, então paga muito para manter as ciclistas que mostram promessa e raramente perde suas estrelas para outras equipes. E a equipe não tem espaço para ciclistas chamativas ou movidas pelo ego. É uma receita para o sucesso que é muito mais fácil na teoria do que na prática. Talvez por isso a SD Worx se destaque verdadeiramente.
Demi Vollering's celebration and immediately embracing Lotte Kopecky after she finished! ❤️#TDFF2023 pic.twitter.com/yM4am7POY6
— NBC Sports Cycling (@NBCSCycling) July 29, 2023