Um novo estudo testa as alegações de desempenho da faixa de cabeça de aparência única da Omius, usada pelas lendas olímpicas Sifan Hassan e Eliud Kipchoge
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Enquanto os melhores maratonistas do mundo se preparavam para a corrida em Paris no mês passado, Jake Leschly estava esperando na marca de 3 km, espiando por cima do ombro do espectador ao lado, que transmitia a corrida no celular. Leschly é o CEO de uma pequena empresa de três pessoas chamada Omius, que fabrica uma faixa de cabeça volumosa e futurista que promete manter você fresco — e ele estava prestes a ter uma surpresa agradável: “Eles apresentam Kipchoge”, recorda Leschly, “e eu penso: ‘Filho da mãe, ele está usando!’”.
A faixa de cabeça da Omius apareceu pela primeira vez no mundo do triatlo em 2019. A jovem empresa fez uma pausa durante a pandemia, mas retomou as vendas em 2022. Os triatletas têm sido entusiastas: segundo Leschly, 43 dos 53 profissionais no Campeonato Mundial de Ironman Feminino do ano passado em Kona usaram a faixa, junto com um terço dos 2.000 competidores amadores.
Mas a presença chamativa da faixa nas maratonas olímpicas de Paris — além de Kipchoge, outros nomes notáveis que a usaram incluíram Sifan Hassan e Hellen Obiri, medalhistas de ouro e bronze na corrida feminina, e Bashir Abdi, medalhista de prata na corrida masculina — trouxe a faixa para um novo público. Na semana seguinte às Olimpíadas, a Omius vendeu metade das faixas que havia vendido em todo o ano de 2023.
Até agora, a Omius tem confiado em uma estratégia simples para convencer as pessoas de que sua faixa de cabeça funciona: dar para elas e deixá-las testar. Foi assim que conseguiram a adesão de triatletas de elite, e é assim que Kipchoge e Hassan passaram a usá-la. Segundo Leschly, eles nunca pagaram nenhum atleta; apenas oferecem uma amostra e esperam que o desempenho da faixa fale por si só. Isso é ótimo, exceto pelo longo histórico de modismos no esporte e a infinita capacidade humana para a auto-ilusão. As pulseiras PowerBand, como nunca me canso de apontar, eram extremamente populares entre atletas de elite, apesar de não passarem de um pedaço de plástico.
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Felizmente, o primeiro estudo revisado por pares sobre a faixa de cabeça da Omius foi publicado há poucas semanas. É um estudo independente de um grupo de pesquisa da Université de Sherbrooke, no Canadá, liderado pelo triatleta profissional e ultracorredor Antoine Jolicoeur Desroches e pelo autor principal Éric Goulet, publicado no Journal of Thermal Biology.
A Omius não financiou o estudo; na verdade, eles não gostaram dos resultados. Leschly me enviou seis páginas de comentários e críticas ao estudo do fundador da Omius, o mexicano Gustavo Cadena, que desenvolveu a tecnologia de resfriamento da faixa de cabeça. Certamente não é a palavra final sobre a Omius, mas acredito que o estudo oferece alguns dados valiosos e, apesar das preocupações de Cadena, alguns motivos para ficarmos intrigados.
Como a faixa de cabeça da Omius funciona
A principal ideia da Omius é aumentar a área de superfície disponível para evaporação. A faixa de cabeça contém 20 unidades de resfriamento, cada uma composta por nove mini-torres de grafite porosa e condutora de calor. No total, isso aumenta a área de superfície da região frontal em cinco vezes. As unidades de resfriamento podem ser trocadas; a Omius também fabrica viseiras e bonés e está desenvolvendo outras peças.
Contanto que você mantenha a faixa de cabeça úmida e permita que o ar circule sobre ela, a água evaporará dessa grande área de superfície, removendo calor da testa e criando um efeito de resfriamento. O suor pode ajudar a umedecer as unidades de resfriamento, mas, na maioria das situações, será necessário borrifar ou espirrar água periodicamente. Você gerará fluxo de ar suficiente ao correr ao ar livre, mas, para usar a faixa em ambientes fechados, em uma esteira ou bicicleta estacionária, será necessário um ventilador. Leschly desaconselha o uso ao andar de bicicleta ao ar livre, pois as unidades de resfriamento não têm propriedades adequadas para impactos.
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Não há realmente dúvida de que o design “funciona” no sentido de criar um efeito de resfriamento. A evaporação e sua relação com a área de superfície não são ideias novas ou não testadas. Provavelmente, o melhor endosso vem das tentativas de Desroches de criar uma faixa de cabeça placebo para seu estudo, o que foi crucial por razões que discutiremos adiante.
Desroches fez grandes esforços para criar cubos de resfriamento falsos realistas com uma impressora 3D, pintando-os para imitar o visual manchado dos reais, e depois os encaixou na faixa Omius autêntica. Mas, para imitar a sensação da faixa de cabeça verdadeira, ele teve que armazenar a falsa na geladeira — porque a faixa real é visivelmente fria assim que você a coloca.
Você pode pensar que o objetivo de retirar todo esse calor da testa é resfriar o corpo todo. Essa foi a alegação de alguns dispositivos de resfriamento anteriores, como os resfriadores de palma, que diziam diminuir a temperatura central do corpo. Mas a Omius não segue essa linha. “Obviamente, não muda sua temperatura central”, diz Leschly. “Nada muda sua temperatura central”. Em vez disso, ele afirma, é um efeito local que faz você se sentir mais fresco, permitindo que corra mais rápido. Essa não é uma alegação absurda: um estudo, por exemplo, descobriu que a aplicação de uma pequena quantidade de calor através de uma almofada térmica fez ciclistas reduzirem a velocidade, mesmo que sua temperatura central não tivesse mudado. Mas isso torna as alegações da Omius muito mais difíceis de testar.
O que o novo estudo encontrou
O estudo de Desroches envolveu dez voluntários que completaram um teste de corrida duas vezes: uma com a faixa de cabeça real e outra com a falsa. O teste envolveu 70 minutos de corrida em uma câmara de calor ajustada para 35°C com 56% de umidade, em um ritmo moderado predeterminado, seguido de uma prova de 5 km no máximo de esforço. Os pesquisadores mediram vários dados fisiológicos, incluindo a temperatura central com um termômetro retal, temperatura da pele com quatro sondas diferentes e temperatura da testa com um termômetro infravermelho.
Durante a corrida de 70 minutos, a faixa de cabeça reduziu a temperatura da testa e melhorou o conforto térmico, mas não alterou a temperatura central ou a frequência cardíaca. Isso é o esperado. No entanto, durante a prova de 5 km, não houve diferenças significativas em nenhum dos parâmetros relevantes, incluindo temperatura, conforto ou tempo total. Superficialmente, isso é uma má notícia para a Omius. Uma das objeções de Cadena é que ninguém borrifou água nas faixas durante os 5 km (enquanto que, durante a corrida de 70 minutos, elas foram borrifadas a cada dez minutos), então elas podem ter secado. E, de modo geral, com apenas dez participantes, teria que haver uma grande diferença de desempenho para produzir um resultado estatisticamente significativo.
Desroches permanece aberto à ideia de que até uma pequena redução na percepção do calor pode ser agradável e, possivelmente, até melhorar o desempenho dos atletas, assim como eu. Mas, no mínimo, os novos resultados colocam um limite no quão grande é o efeito. As faixas não são os novos “supertênis” e não foram o que garantiu a medalha de ouro olímpica de Hassan.
Existe uma opção mais barata?
Vale mencionar que a faixa de cabeça básica com peças de resfriamento custa atualmente $204 [cerca de R$1.100] [no site da Omius, que faz entrega no Brasil]. Isso é consideravelmente mais caro do que outras opções de resfriamento, como, por exemplo, jogar água na cabeça. Acontece que há um novo estudo, recém-publicado no International Journal of Sports Physiology and Performance, liderado por Samuel Chalmers da University of South Australia, que explora os benefícios de jogar água no corpo durante corridas em ambientes quentes.
Embora os detalhes sejam diferentes, os dois estudos são notavelmente semelhantes. Neste caso, 13 corredores realizaram uma prova de 10 km, seguida uma hora depois por uma corrida moderada de 60 minutos, em uma sala ajustada a 30,5°C e 47% de umidade. Eles completaram esse protocolo duas vezes; em uma das sessões, despejaram dois copos de água sobre a cabeça, rosto e braços a cada 2,5 km ou dez minutos. Assim como a faixa, molhar o corpo fez com que os corredores se sentissem mais frescos e reduziu a temperatura da pele, mas não alterou a temperatura central. No entanto, há uma diferença chave em relação à faixa de cabeça: eles correram 1,0% mais rápido na prova com água, o que foi um benefício estatisticamente significativo.
Por causa das diferenças no protocolo — a ausência de um teste com placebo no estudo da água, por exemplo — seria um erro simplesmente dizer “Jogar água na cabeça faz você correr mais rápido, e faixas sofisticadas não”. Ambas as abordagens parecem fazer com que os corredores se sintam mais frescos. Mais pesquisas serão necessárias para determinar até que ponto, se é que isso ocorre, essa sensação se traduz em tempos de corrida melhores. E só você pode decidir se esse potencial benefício vale R$ 1.000. Mas há uma conclusão da qual podemos estar confiantes: se você comprar uma faixa de cabeça da Omius, ao borrifá-la com água, talvez seja uma boa ideia molhar a si mesmo também.