THE RESCUE (O Resgate), filme extraordinário de 2021 dirigido por Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi – o poderoso casal por trás de Free Solo –, conta a história dos 14 garotos que ficaram presos nas profundezas de uma caverna inundada na Tailândia e seu improvável e arriscado resgate.
Uma das cenas mais cativantes do filme aparece no começo, quando a namorada de um piloto de resgate descreve o início do namoro – a atração, os encontros, os bilhetes carinhosos.
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O entrevistador pergunta: “Você se apaixonou?”. Depois de uma pausa e de um sorriso encabulado, ela diz: “Sim!”. É um pequeno momento de afeto e vulnerabilidade no meio de um suspense que se desenrola em ritmo acelerado e nos conecta com as personagens de uma forma ainda mais forte que suas ações mais heroicas.
O Resgate é apenas um dos muitos documentários de aventura impressionantes que causaram considerável burburinho nos últimos anos.
É claro, todo mundo assistiu a Free Solo, mas The Alpinist (O Alpinista) e 14 Peaks (14 Montanhas) também deram o que falar. E que tal a série 100 Foot Wave, que acompanha a tentativa de Garrett McNamara de surfar um swell monstruoso e que me fez gritar apavorado na frente da TV? Ou The River Runner, sobre a ascensão e queda de Scott Lindgren, um dos melhores canoístas de águas brancas do mundo?
A lista continua: The Dawn Wall, Torn, Meru, Sunshine Superman, Icarus, Into the Canyon, Minding Cap, The Barkley Marathons e McConkey, para mencionar apenas alguns. Todos esses filmes vêm de cineastas que tiveram de trabalhar duro para dar vida a seus projetos.
Como escritor que passou várias décadas refinando o próprio ofício, posso compreender o quão desafiador é contar essas histórias com a pegada certa. E como entusiasta do cinema com uma queda por aventura – entre outras coisas, já fui moderador de debates no Mountainfilm Festival de Telluride e jurado no 5Point Film Festival, ambos no Colorado (EUA) –, posso dizer com segurança que nunca houve uma época tão rica em documentários de aventura de alta qualidade como agora.
Algumas razões por trás do sucesso são óbvias: orçamentos maiores, câmeras menores e mais acessíveis, melhor produção e tecnologia de edição, mais plataformas de distribuição – da Netflix ao YouTube – e uma audiência crescente e ávida por entretenimento focado no universo outdoor. Menos óbvia é a evolução das técnicas narrativas que tornaram esses projetos tão especiais.
“A questão central dos filmes de esportes de ação sempre foi conseguir imagens com a maior qualidade possível”, conta Todd Jones, cofundador da produtora Teton Gravity Research (TGR), que produziu Lindsey Vonn: The Final Season e o aclamado Kissed by God (Abençoado), sobre a vida e a morte do surfista Andy Irons.
“Mas quando nos dão uma história realmente boa e nos deixam aplicar nosso ofício e nossas técnicas de gravação para contá-la e quando combinamos imagens de alta qualidade com essa história, obtemos um documentário realmente bonito e sofisticado.”
CRESCI ASSISTINDO a filmes de esqui e de aventura, daqueles que prendem nossa atenção do começo ao fim, realizados por produtoras renomadas como Brain Farm, Matchstick Productions, Sherpas Cinema, TGR e outras. Eles eram em sua maioria desprovidos de narrativa, mas ainda assim eu os amava.
No entanto, com o passar do tempo, comecei a buscar opções mais profundas. Alimentei meu crescente apetite em festivais de cinema, procurei DVDs raros, desenterrei clássicos: Endless Summer, A Sunday in Hell, Mountain of Storms e muitos outros.
Também me deliciei com alguns trabalhos antigos, como Kon Tiki, documentário vencedor do Oscar de 1950 sobre a épica travessia do Pacífico de Thor Heyerdahl a bordo de uma jangada de madeira, e The Man Who Skied Down Everest, uma história melancólica e introspectiva da tentativa de Yuichiro Miura, realizada em 1970, de esquiar a montanha mais alta do mundo.
Mas encontrar documentários de aventura realmente bons era como garimpar ouro. Para mim, o filme que marcou o início de um novo estágio de empatia e narrativa foi Tocando o Vazio, docudrama baseado no best-seller de Joe Simpson sobre dois escaladores que lutaram para sobreviver a um terrível acidente no Siula Grande, pico de 6.344 metros no Peru.
Como não havia nenhuma gravação da expedição, o diretor escocês Kevin MacDonald – que já havia ganhado um Oscar pelo documentário One Day in September, de 2000 – usou atores para recriar os acontecimentos. Intercalando a ação com entrevistas de Joe e seu parceiro de escalada, Simon Yates, o filme gira ao redor de um dilema moral central: você abandonaria seu parceiro ferido para salvar a si mesmo? Você cortaria a corda?
Tocando o Vazio funciona bem pois une detalhes dramáticos de uma expedição de escalada alpina a questões universais que nos tornam humanos. “Era a solidão, a sensação de ter sido abandonado, o que estava lá o tempo todo”, diz Joe na penúltima cena do filme, com a câmera focada nele. “Não rastejei porque pensei que sobreviveria, mas porque queria morrer ao lado de alguém.”
Nossa safra atual de criadores parece ter feito a lição de casa. “O que chama as pessoas é a descarga de adrenalina de ver alguém ultrapassando seus limites, mas o que realmente as conecta com a história são os momentos humanos”, diz Max Lowe, cujo documentário Torn, de 2021, mostra como sua família lidou com a perda do pai, o célebre escalador Alex Lowe.
Quando o corpo de Alex foi encontrado no Tibete, 17 anos depois de sua morte numa avalanche no Shishapangma, de 8.027 metros de altura, sua esposa e filhos (incluindo o próprio cineasta) foram forçados a enfrentar muitos sentimentos não resolvidos.
Algumas histórias possibilitam uma conexão fácil. Outras, nem tanto. Em Lindsey Vonn, superar a multidão de amigos e treinadores ao redor da esquiadora superestrela acabou sendo uma das partes mais complicadas do projeto. Para capturar cenas em que os produtores não podiam chegar mais perto, eles prenderam um microfone a Lindsey e registraram tudo de longe.
Partes das gravações foram até mesmo feitas com um iPhone por um dos treinadores de Lindsey, em sessões a portas fechadas. O resultado é um documentário que esbanja honestidade e emoções cruas, um retrato comovente de uma grande atleta chegando no fim de sua carreira.
DIRETORES E PRODUTORES de cinema de aventura também entenderam que, às vezes, você precisa gravar sem equipe alguma. Em O Alpinista, perfil cativante realizado pela produtora Sender Films sobre o fenômeno canadense da escalada Marc-André Leclerc, algumas das cenas mais cativantes vêm do próprio atleta, enquanto ele está no meio de uma grande ascensão de escalada solo.
“O filme nos oferece intimidade com Marc-André, a dezenas de metros de altura numa parede da Torre Egger, com uma tempestade patagônica se aproximando”, relata o diretor Nick Rosen. “Ele dormiu num bivac nessa saliência e pegou a câmera para mandar uma mensagem à namorada. Esta talvez seja a minha parte favorita de todo o documentário.”
Em certo sentido, esse é o tipo de coisa que Hollywood sempre buscou – e frequentemente nunca alcançou – em seus filmes roteirizados, acabando com cenas ridiculamente dramáticas, em vez de personagens autênticos – estou falando de vocês, Cliffhanger (Risco Total) e Vertical Limit (Limite Vertical).
Até mesmo os melhores esforços, como a adaptação de Sean Penn do livro de Jon Krakauer Na Natureza Selvagem ou a versão de Wild (Livre), de Cheryl Strayed, dirigida por Jean-Marc Valleé – ambos excelentes livros –, tiveram menos impacto que, digamos, O Alpinista ou The Rescue. Mas isso também pode mudar em breve: como próximo projeto, Jimmy Chin e Elizabeth Vasarhelyi se comprometeram a dirigir Nyad, um longa-metragem baseado na vida da nadadora de longa distância Diana Nyad, que contará com a estrela Annette Bening como a protagonista e Jodie Foster como sua treinadora.
Não faz muito tempo, eu tinha a sensação de que o cinema de aventura ficava frequentemente abaixo das expectativas. Mas com tamanho talento atrás das câmeras, atualmente este já não é mais o caso. Novos documentários de aventura estão alcançando todo seu potencial, com uma cinematografia brilhante, às vezes audaz, e um sentido profundo da personagem, abordando as questões existenciais que nossas façanhas na natureza costumam provocar.
O longa sobre Diana Nyad que está por vir pode elevar o cinema hollywoodiano roteirizado a um novo patamar, mas alguns novos documentários de aventura bem legais também estão no horizonte, incluindo uma série da Teton Gravity Research sobre esportes extremos que está sendo produzida para a HBO. Já estou no sofá, pipoca na tigela, pronto para pegar a próxima onda.
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NOVA SAFRA A 12ª do Festival Rocky Spirit traz os melhores documentários de aventura produzidos no último ano – de graça
O cinema de aventura está em sua melhor fase. E o caminho percorrido por esses filmes incríveis antes de chegar às telas comerciais e às plataformas de streaming geralmente começa no mesmo lugar: os festivais de cinema.
É nesses festivais, como o Mountainfilm (Estados Unidos), o Banff (Canadá) e o European Outdoor Film Tour (Europa), que produtoras como Sender Films e diretores como Jimmy Chin apresentam seus trabalhos, que depois ganham o mundo.
O Festival Rocky Spirit traz esses filmes para o Brasil, exibindo uma fina amostra do que o Mountainfilm destacou por lá e adicionando a essa “playlist” uma seleção de produções brasileiras e estrangeiras, inscritas a cada ano por seus diretores, e escolhidas com a ajuda da equipe da Go Outside.
Nos dias 27 e 28 de agosto em São Paulo (SP) e nos dias 3 e 4 de setembro no Rio de Janeiro (RJ) o Rocky Spirit retomará as noites de cinema de aventura ao ar livre com exibições presenciais em um parque das capitais paulista e fluminense – uma experiência única de cinema sob as estrelas.
A partir de setembro, os filmes poderão ser vistos no site do festival, por tempo limitado, on-demand, em todo o território brasileiro. As duas programações são gratuitas e trarão personagens, cenas e momentos inspiradores. Imperdível!
Matéria originalmente publicada na edição 174 da revista Go Outside.