Como a Nova Zelândia se tornou referência mundial em sustentabilidade

Por Jade Rezende

Como a Nova Zelândia se tornou referência mundial em sustentabilidade
O monte Taranaki, ao fundo, tem o status de ser humano legal, com tutela de oito tribos Maori e do governo neozelandês. Foto: Shutterstock

Entre ancestralidade e marketing, entenda como a Nova Zelândia construiu sua reputação de referência mundial em sustentabilidade

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Kaitiakitanga significa proteção ativa e guarda do mundo natural. Esse é um dos conceitos mais importantes do povo Maori, os nativos da Nova Zelândia. A filosofia dos indígenas de lá sempre reiterou o que muitas nações só foram perceber após a percepção dos efeitos desastrosos das mudanças climáticas: é preciso cuidar das pessoas e dos lugares e deveria ser óbvio que proteger a natureza é um papel primordial dos seres humanos. Mas por essas bandas de cá da Terra, não é.

Para se ter uma ideia: o monte Taranaki, localizado na Ilha Norte do país, ganhou o status de ser humano legal em 2017. O título especial de “personalidade jurídica” passou a garantir ao vulcão ativo de 2.518 metros de altitude os mesmos direitos legais de um cidadão neozelandês, assim como acontece com outros patrimônios naturais do território. A tutela da montanha foi colocada nas mãos de oito tribos Maori e do governo, como se o Monte fosse um ancestral desses povos. 

A consciência coletiva natural e ancestral de preservação foi um dos principais fatores levados em conta na reputação da Nova Zelândia como referência mundial em sustentabilidade.

No ano passado, um estudo publicado na revista “Sustainability” afirmou que o território é o melhor do mundo para sobreviver a catástrofes socioambientais globais. Os critérios utilizados para a classificação foram a capacidade do país de cultivar alimentos para sua população, manter uma rede elétrica saudável e proteger suas fronteiras de migração indesejada.

Em 2019, a Universidade de Auckland foi eleita a mais sustentável do mundo, segundo um ranking elaborado pela “Times Higher Education”, com base nos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU). No mesmo ano, o CEO da Tourism Industry Aotearoa, associação que organiza o mais importante evento da indústria de viagens do país, apresentou um programa de desenvolvimento até 2025 com foco no crescimento sustentável das comunidades, do meio ambiente, da economia e até do número de visitantes no país.

Não é somente a mentalidade inata de cuidado com a natureza do povo Maori, porém, que influencia as práticas sustentáveis do país: os nativos também têm voz ativa nas políticas e ações locais. “O que a Nova Zelândia tem de diferencial em relação a outras nações no mundo é a participação da sua população indígena nas decisões em vários níveis”, afirma Silvia Serrao-Neumann, professora da Universidade de Waikato. A brasileira é a coordenadora do Programa de Planejamento Ambiental da universidade neozelandesa. “As decisões das quais os nativos participam vão do âmbito local ao nacional, principalmente no que se refere ao modelo de co-governança de recursos naturais, onde há destaque ao Te Ao Māori (visāo Maori do mundo) e Mātauranga Māori (conhecimento Maori)”, completa.

Turismo sustentável

Outro pilar da “reputação verde” da Nova Zelândia é o seu esforço para consolidar a atividade turística sustentável. Junto à agricultura, o setor de viagens é um dos que mais movimenta a economia do país. Na estratégia de criação de sua marca para o mundo, a Nova Zelândia sempre destacou as paisagens e natureza intocadas – o que motivaria os visitantes a manterem o local desta forma. Para Christian Schott, professor da área de turismo da Universidade Victoria de Wellington, é preciso mudar a expectativa dos turistas antes de sua chegada na Nova Zelândia e, por isso, a abordagem de sustentabilidade nos órgãos e propagandas turísticas foi tão importante para o país.

Há mais de 100 anos, ainda em 1909, a nação já destacava a sua natureza única na propaganda turística. “A imagem a ser transmitida era da Nova Zelândia como uma “scenic wonderland” [algo como uma terra de maravilhas cênicas] alimentando a mitologia em torno do país e de suas belezas naturais, os atributos então ressaltados no posicionamento do destino”, afirma Diana Pereira Branisso em um estudo do branding da Nova Zelândia publicado pela Fundação Getulio Vargas.

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No início dos anos 2000, o slogan100% Pure New Zealand” (Nova Zelândia 100% Pura, em tradução livre) foi adotado para o turismo e o mercado internacional como um todo, tanto pelo setor público quanto pelo privado. Inicialmente, a ideia era mostrar que o destino era único, e não apenas um país parecido com os seus concorrentes diretos (Austrália, Canadá e Islândia). Com o fortalecimento da marca, no entanto, o slogan passou a remeter a um local intocado, como explica Christian Schott. Segundo o professor, o marketing utilizado pelo país foi um sucesso ao “educar” os turistas. “Assim, os visitantes passam a se comportar como convidados, e não como consumidores,” aponta.

O desenvolvimento da identidade da Nova Zelândia para o mundo também impulsionou mudanças dentro do país, que incorporou a imagem divulgada internacionalmente. “O governo estava ciente de que não bastava promover uma imagem forte se não houvesse a ‘entrega do produto’, por isso fez um trabalho paralelo de promoção e de desenvolvimento de infraestrutura”, afirma Diana Pereira em sua pesquisa. Assim, o país alinhou as expectativas de seus habitantes e dos visitantes, consolidando assim sua marca de turismo sustentável.

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Por trás do marketing

Como nem tudo são flores, porém, a realidade da Nova Zelândia não é 100% aquela vendida pelo destino. “O país enfrenta problemas ambientais sérios, principalmente no que se refere à qualidade das águas, devido à intensificação da agricultura leiteira nas últimas décadas”, afirma Silvia Serrao-Neumann. Existe também, como em outros países, declínio da biodiversidade. No entanto, o país já criou novas políticas públicas, que ainda estão em fase de implantação.

Conheça algumas das práticas de sustentabilidade da Nova Zelândia:

  • Em 2019, foi aprovado o projeto de lei para tornar a Nova Zelândia carbono zero até 2050;
  • Climate Action Toolbox: ferramenta on-line do governo neozelandês para ajudar pessoas e empresas a reduzirem a sua pegada de carbono;
  • Sustainable Business Network: associação comercial que busca construir uma rede de empresas sustentáveis e premia organizações que se destacam;
  • A primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, busca encerrar toda a geração de energia não renovável na Nova Zelândia até o final da década;
  • O Penguin Place resgata e reabilita pinguins-de-olho-amarelo, espécie que vive no país e está cada vez mais ameaçada pela pesca predatória;
  • O país já realizou reintroduções de fauna de diversas espécies com sucesso, como as aves hihi (Notiomystis cincta) e toutouwai (Petroica longipes);
  • 96% dos 1.840 vinhedos e 310 vinícolas da Nova Zelândia são considerados sustentáveis, de acordo com a certificação do Sustainable Winegrowing New Zealand (SWNZ);
  • O país foi o  primeiro do mundo a propor uma lei de transparência ambiental no setor financeiro, que obrigaria bancos, seguradoras e empresas de investimento a informar as consequências de seus investimentos para a mudança climática.






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