O ano de 2020 não foi bom para muitas coisas, mas foi muito, muito bom para quem curte comer peixe. À medida que o mundo ficava estranho e nos protegíamos em casa, milhares de nós ansiávamos por algo que fosse familiar, estável, normalzinho.
E lá estava o sanduíche de atum nos esperando, mais normalzinho impossível… Referências ao sanduíche apareciam nas receitas da internet. Novas receitas (mais parecidas ou totalmente diferentes das originais) pipocavam por todos os lados. Eu também senti vontade. No auge da pandemia, preparei para mim um almoço de grande satisfação: pão crocante e atum cremoso sob um cobertor quente de queijo. O que o tornou especialmente gratificante, no entanto, foi que era o primeiro sanduíche de atum com queijo da minha vida que não tinha peixe. Foi feito com um novo atum artificial à base de plantas da marca norte-americana Good Catch – e, embora eu não possa dizer que tenha mudado minha vida, definitivamente mudou meu almoço.
Comer peixe significa trabalho análogo ao escravo
Renunciei ao atum enlatado no ano passado, depois de ler The Outlaw Ocean [O Oceano Fora da Lei], um doloroso relato de Ian Urbina sobre os abusos dos direitos humanos na indústria pesqueira global. Durante anos, minha lista de frutos do mar moralmente aceitáveis foi diminuindo conforme eu aprendia sobre os impactos ambientais da pesca industrial. Comer peixe foi ficando cada vez mais difícil.
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O atum-rabilho, é claro, saiu de cena há muito tempo na minha vida. Em seguida, foram o robalo chileno, o peixe-espada e o salmão de viveiro. Bacalhau, então, foi embora totalmente. Camarão, já era. Mas me apeguei ao atum em lata, em parte por causa da conveniência. Uma dose de proteína altamente funcional, barata e de longa validade parecia moralmente defensável, desde que exibisse os logotipos certificando que era seguro para golfinhos e pescado de forma sustentável.
Mas comer peixe na forma de atum enlatado deixou de ser um ato inocente quando mergulhei no livro de Ian Urbina, resultado de mais de três anos relatando crimes em alto-mar, em todos os cinco oceanos e em 20 mares menores. Ele embarcou em traineiras infestadas de baratas, que mal navegavam, perseguiu piratas e caçadores, foi pego em guerras de fronteira e descobriu um vídeo de celular de assassinatos no mar.
Depois de tudo isso, perguntou Ian, realmente pensamos “que é possível pescar de forma sustentável, legalmente e usando trabalhadores com contrato, ganhando um salário digno, e ainda entregar uma lata de 140 gramas de atum por US$ 2,50 – que chega à prateleira do supermercado poucos dias depois que o peixe foi retirado da água a milhares de quilômetros de distância?”.
Alerta de spoiler: não é. Uma lata normal de atum arrasta atrás de si uma rede emaranhada de ecossistemas destruídos, tubarões mutilados, servidão por dívidas, trabalho infantil, tráfico de pessoas, abuso físico e assassinato. Quando terminei The Outlaw Ocean, não conseguia abrir uma lata de atum sem imaginar um filete de sangue humano escorrendo. E não é só o atum. Comer peixe em geral, seja espadarte, pargo, mahi mahi, cavala, sardinha, lula e anchova, estão todos contaminados pela escravidão. Assim como o salmão cultivado, o camarão cultivado e a ração para gatos, que se baseia em farinha feita de pequenos peixes capturados em pescarias repletas de sofrimento humano.
Muitos barcos de pesca são tripulados por imigrantes de países pobres que estão desesperados por trabalho. Os barcos podem passar anos no mar, descarregando periodicamente o pescado em navios-mãe refrigerados e levando novos suprimentos. A supervisão é quase inexistente. Os homens são forçados a trabalhar por horas e horas, em condições sujas. Espancamentos são comuns. Assim como as mortes.
Uma experiência típica é a de Lang Long, um cambojano que Ian conheceu na Tailândia. Lang foi contrabandeado para a costa tailandesa por um traficante que prometeu arranjar para ele um emprego na construção, mas o trabalho nunca se concretizou. Em vez disso, Lang foi vendido a um capitão pesqueiro por US$ 530 para cobrir sua dívida de tráfico. Uma vez no barco, ele não viu terra novamente por três anos. Durante esse tempo, Lang foi espancado regularmente, forçado a trabalhar até 23 horas por dia, recebendo comida e água insuficientes. Depois de tentar escapar, era acorrentado pelo pescoço ao convés sempre que seu barco se aproximava de outro navio.
Mas Lang foi relativamente sortudo. Ele sobreviveu e foi devolvido à terra depois que uma instituição católica de caridade pagou ao capitão do barco US$ 750 por sua liberdade. Outros escravos do mar descreveram marinheiros doentes sendo jogados no oceano, trancados no porão, chicoteados ou decapitados. Tudo isso acontece em alto-mar. Quando uma embarcação atraca em um porto, pode estar transportando uma vasta mistura de peixes capturados legal e ilegalmente. E é assim que uma lata de atum chega à prateleira do supermercado por US$ 2,50.
Alternativas: peixe vegano
Depois de saber de tudo isso, dei adeus ao atum. Comer peixe ficou um pouco mais complicado, mas daí a Good Catch apareceu na prateleira do supermercado. Em vez de uma lata, o produto vem em uma embalagem sofisticada com a foto de um prato cheio de pedaços extremamente parecidos com os de atum. Atum sem peixe, dizia no rótulo. Textura De Pedaços De Albacora. A lista de ingredientes revelou que o produto é feito com uma mistura de seis leguminosas – soja, ervilha, grão-de-bico, fava, lentilha e feijão marinho – com um pouco de óleo de algas e pó de algas marinhas misturado para dar “Sabor Real de Frutos do Mar”. Com o valor de US$ 5 por uma porção de 93 gramas, era mais caro do que o atum enlatado, mas não exatamente um prejuízo no orçamento.
Escrevi muito sobre a batalha pela supremacia do hambúrguer sem carne entre fabricantes do mercado dos EUA e sabia o padrão que esses pioneiros tinham que seguir: campanhas de mídia para convencer as pessoas de que suas imitações de carne não eram bizarras, lançamentos lentos de produtos em uns poucos restaurantes descolados e depois mais anos de luta para desenvolver a produção e distribuição necessárias para atingir o público tradicional. Achei que os frutos do mar alternativos seguiriam o mesmo caminho tortuoso. No entanto aqui estava a Good Catch, já nas gôndolas de supermercados tradicionais como Whole Foods e Giant. Talvez o caminho já tenha sido aberto. E isso me fez pensar se o mundo dos frutos do mar estava prestes a ser atingido por uma onda de peixes sem peixes.
Segundo alerta de spoiler: está. Muitos dos frutos do mar mais populares agora enfrentam repentinamente a competição direta de dezenas de startups que oferecem alternativas sem animais. A indústria ainda é pequena, mas as vendas de alimentos de base vegetal aumentaram 29% nos últimos dois anos, em comparação com apenas 4% no geral para alimentos de varejo nos EUA, e muitos esperam que a categoria siga a tendência dos leites vegetais, que agora correspondem a 14% de todas as vendas de leite no varejo em território norte-americano.
Isso está acontecendo no momento em que a indústria de frutos do mar enfrenta a pandemia, que forçou mudanças em seu modelo de negócios – as vendas de frutos do mar frescos em restaurantes despencaram, enquanto frutos do mar enlatados e congelados aumentaram. O corredor de frutos do mar de 2021 vai ter uma cara bem diferente do mesmo corredor no primeiro trimestre de 2020. E, pelo que vi e provei, grande parte pode não ter nada a ver com o mar.
Comprei um sachê de Good Catch e uma lata de albacora branca sólida para comparar. Em casa, abri o sachê e despejei os pedaços, que tinham a mesma aparência pálida do atum. A textura estava bem firme, o que me impressionou. A elasticidade é uma das principais atrações da carne e algo difícil de replicar usando plantas. A albacora, sem acessórios, era mais estranha do que eu lembrava. Você sabia que o atum é enlatado em caldo de legumes para dar sabor? Drenado, não tem gosto de nada até que você adicione maionese, aipo e sal.
Por que eu estava matando alguns dos peixes mais sexy do mar por essa carne sem graça para o almoço? Eu preferia Good Catch em todos os sentidos. Não tinha muito sabor – tipo peito de frango com aroma de algas marinhas –, mas a textura era viciante, e me vi testando as pequenas fibras elásticas entre os dentes.
Não usei tanto como atum, mas, sim, para adicionar textura. Salpiquei na salada caprese para dar mais sustância, coloquei embaixo do queijo derretido sobre um pedaço de torrada. Fiz saborosos hambúrgueres e bolinhos de peixe. Ficou bem bonito na pasta al tonno, cozido em molho de tomate com alho. Em outras palavras, passou no teste. Adeus, Grande Atum.
Quando liguei para Chris Kerr, cofundador e presidente executivo da Good Catch, ele me disse que eu não fui o único a descobrir seu produto recentemente. A pandemia havia desencadeado uma corrida por produtos de longa validade, e ele estava se virando para manter os estoques.
Sua nova fábrica de 3.900 m² em Heath, em Ohio, entrou no mercado de vendas online bem a tempo. Chris me perguntou como seu produto estava se saindo. Eu lhe disse que nunca iria dominar o Instagram, mas era bom o suficiente. Ele concordou, e acrescentou que era tudo que precisava ser. “Pelo amor de Deus”, acrescentou, “é só um sanduíche de atum!”
Chris, de 53 anos, é irreverente e experiente, um cara de visão. Vegano de longa data, trabalhou na Humane Society por sete anos, mas um dia achou frustrantes as táticas tradicionais da ONG que combate maus tratos de animais. “Não estávamos indo muito longe em termos de melhorar o bem-estar animal”, contou. “Os veganos ainda são 0,5% da população.” Ele saiu em 2014 e foi recrutado para lançar a New Crop Capital, empresa de capital de risco que investe em startups de comida vegana. A New Crop foi uma das primeiras a apoiar a marca Beyond Meat e agora tem participação em mais de 40 empresas.
Chris foi um dos primeiros a ver a necessidade de um Beyond Meat dos frutos do mar. Como os fundadores da Beyond Meat e da Impossible Foods, ele abordou o problema da perspectiva do bem-estar animal. Estamos tão acostumados com a pesca tradicional que raramente nos damos conta de que envolve matança em massa de animais selvagens, em geral de maneira dolorosa, o que nunca seria aceitável com aves ou mamíferos (tente fisgar um veado pela boca e arrastá-lo esperneando e gritando por quilômetros).
Pesca sustentável?
Mas até as revelações dos abusos dos direitos humanos na indústria pesqueira, o maior problema gerado pela pesca era ambiental. De acordo com Daniel Pauly, importante cientista marinho baseado na Colúmbia Britânica, no Canadá, quase nenhuma pesca é verdadeiramente sustentável. “É muito ruim”, diz. “Sustentável não é mais um termo confiável. Muitos pesqueiros foram reduzidos a uma pequena fração do que eram antes. É possível pescar de forma ‘sustentável’ nesse nível reduzido, mas realmente precisam ser reconstruídos para apoiar o ecossistema.” De acordo com uma série de artigos publicados por cientistas renomados, as agências que certificam a pesca são profundamente falhas, e muitos peixes que têm o rótulo de “sustentável” são tudo menos isso.
E ainda há a captura acidental – outros animais apanhados sem querer e mortos nas redes de pesca. Cerca de 40% do peso bruto de capturas da indústria pesqueira são acidentais, um total de 30 milhões de toneladas por ano. Essa carnificina inclui cerca de 650 mil mamíferos marinhos, 1 milhão de aves marinhas, 8,5 milhões de tartarugas marinhas e 10 milhões de tubarões. No Oceano Índico, mais de 80% da população original de golfinhos – 4 milhões de animais – foi morta em redes de atum.
A aquicultura não foi a salvação que muitos esperavam. A criação de peixes acaba gerando os mesmos problemas que a criação de gado em ambientes industriais: questões de bem-estar animal, doenças e parasitas, uso excessivo de antibióticos e poluição maciça. Por todas essas razões, Chris sentiu a necessidade de ajudar a impulsionar a indústria de frutos do mar à base de vegetais. “Mas não consegui encontrar nada sólido em que investir. Daí decidi: foda-se, vou começar meu próprio negócio.”
Agora, mais investidores tradicionais – tendo visto Beyond Meat e Impossible Foods tomarem o mundo de assalto – estão lutando para alcançá-los. Em janeiro deste ano, a General Mills se juntou a um grupo de empresas que investiu US$ 32 milhões na Good Catch. Logo vieram as celebridades: Lance Bass, Paris Hilton, Woody Harrelson e Shailene Woodley investiram na empresa.
Mas o maior desenvolvimento chegou em março, quando a Bumble Bee Foods, gigante internacional do atum, anunciou uma nova parceria para distribuir o atum sem peixe da Good Catch em muitos lugares onde o Bumble Bee vende seu produto. “Eles vieram nos procurar!”, contou Chris. “Estávamos preparados para um ataque dessa mesma empresa, não para uma parceria.”
Isso chocou a indústria, explica Monica Talbert, CEO da Van Cleve Seafood, empresa do estado norte-americano da Virgínia que lançou uma subsidiária, Plant Based Seafood, que vende uma linha de produtos sem peixe. “A indústria pesqueira vê os frutos do mar de base vegetal como traição. Estão tentando esmagá-los. Por isso uma empresa gigante e global como a Bumble Bee assumir isso foi algo enorme.” Monica acha que já são favas contadas. “Os consumidores estão exigindo. Caberia à indústria apenas embarcar”.
No comunicado de imprensa da Bumble Bee anunciando a parceria, a CEO Jan Tharp explicou o pensamento por trás da estratégia. “É extremamente importante que, como indústria, continuemos a encontrar soluções inovadoras para dissociar crescimento de impacto ambiental”, disse. “Fornecer formas alternativas saborosas para os consumidores desfrutarem de alimentos inspirados no oceano é um pilar fundamental de nosso compromisso de longo prazo com a saúde do oceano.” Tradução: o atum enlatado está afundando, precisamos urgentemente entrar no movimento dos alimentos à base de plantas.
Se a Good Catch é basicamente o Beyond Meat dos frutos do mar, a Van Cleve é algo possivelmente mais significativo: um negócio tradicional transformando-se avidamente em uma potência sem carne. “Eu amo frutos do mar à base de vegetais”, diz Monica, “porque nos dá uma plataforma para jogar os holofotes nas situações desagradáveis que acontecem na indústria de frutos do mar, assim como a carne à base de vegetal fez para a indústria pecuária.”
A Van Cleve Seafood começou em 2001 como uma barraca de caranguejo na Virgínia, lançada por Shelly Van Cleve e suas filhas adolescentes, Monica e Allie. O restaurante e a loja logo se tornaram um destino famoso, e a família expandiu os negócios. Em 2013, a empresa começou a vender produtos premium em supermercados e descobriu que suas necessidades de abastecimento superavam as opções locais. Quando Monica pesquisou fontes internacionais, ficou horrorizada. “A ilegalidade”, diz ela. “A etiquetagem errada. O peixe ilegalmente embebido em produtos químicos. O trabalho infantil, a escravidão e o tráfico de pessoas. Práticas horrendas. Foi extremamente desanimador.”
Monica estava fazendo a transição para uma dieta baseada em vegetais, então decidiu fazer o mesmo com a empresa – começando, naturalmente, com bolinhos de caranguejo. “É provável que tenhamos feito 1 milhão de bolinhos de caranguejo nos últimos 20 anos”, conta Monica. “Há uma trama muito específica na textura de um bolinho de caranguejo. Passamos por mais de uma centena de versões até acertar.”
Alcachofra, palmito e repolho desempenham o papel de carne de caranguejo no produto final, com farinha de arroz e amido de batata usados para dar liga e uma pitada de tempero para o sabor. O bolinho vem congelado e é fácil de preparar: descongele, frite, cubra com molho tártaro. O crocante por fora e o macio por dentro é tudo o que um bolinho de caranguejo deve ter. Será que eu sabia que estava basicamente comendo um hambúrguer de alcachofra? Sim, sabia. Era um problema? Nem um pouco.
E os frutos do mar?
SE VOCÊ DESEJA empunhar seu garfo pela justiça alimentar, caranguejo é café pequeno. O norte-americano médio consome 225 gramas desse fruto do mar por ano, o que faz dele apenas o nono mais popular. Os três grandes são: atum enlatado (952 gramas por pessoa), salmão (1.180 gramas) e camarão (2 kg).
Se alguma coisa pode fazer a pesca do atum parecer ética é a pesca do camarão. O camarão selvagem é capturado por meio de uma prática altamente destrutiva chamada arrasto de fundo, que John Hocevar, diretor de campanha dos oceanos do Greenpeace, descreve assim: “Os arrastões de fundo pescam com redes que pesam algumas toneladas e são grandes o suficiente para pegar dois 747s lado a lado e arrastá-los pelo fundo do oceano. É insano”. Para cada puxada de camarão, uma grande quantidade de animais frutos de captura acidental é trazida a bordo e jogada de lado, todos mortos.
A maior parte do camarão é cultivada, e isso é ainda pior. Para sua alimentação, as operações dependem de pequenos peixes capturados por barcos usando trabalho forçado e ferramentas implacáveis que limpam o oceano. “Na Tailândia”, explica John, “os barcos pescam com redes de malha muito fina projetadas para coar até o último ser vivo. É exterminador.”
O camarão é cultivado ao longo da costa tropical em lagoas rasas feitas com a devastação de manguezais, árvores que protegem as linhas costeiras e fornecem hábitat essencial para muitas espécies marinhas. As lagoas se transformam em fossas. Depois de alguns anos, o solo está tão contaminado que o local deve ser abandonado e trocado por um novo. “Simplesmente é uma devastação de litoral após a outra”, diz o cientista pesqueiro Daniel Pauly.
Apesar desse caos, o camarão não sofreu com a resistência do consumidor como outros frutos do mar. “A maioria das pessoas é superficialmente ciente de que o camarão tem grandes problemas e que não deveria comê-lo”, diz John. “Mas elas adoram e não há alternativa real, então não estão dispostas a desistir.” Por essas razões, segundo ele, “uma alternativa à base de plantas seria incrível”.
Daniel ficou ainda mais entusiasmado com a proposta. “Quanto mais rápido, melhor. Se for possível produzir alguma gosma que possa tomar o lugar dessas operações nojentas com camarão, seria maravilhoso.” Bem, acontece que tenho um pouco dessa gosma bem na minha frente. Chama-se raiz konjac e é popular na culinária japonesa e coreana. Por ser rica em fibras solúveis, quando fervida, vira um gel de textura firme.
O produto que estou experimentando – PlantBased Crunchy Coconut Shrimp [Camarão Vegetal Crocante ao Coco] – vem na forma de meias-luas gorduchas rosadas com cobertura de coco (o rosado é devido à páprica). Fritei em óleo até dourar e servi com molho de coquetel. E, vamos ser honestos, qualquer produto empanado – camarão, nuggets de frango, o que for – exige muito pouco de sua proteína essencial. Tudo o que realmente precisa fazer é agradar ao paladar, e o camarão vegetal foi bem-sucedido no teste. O exterior estava crocante, com aroma de coco e ligeiramente doce. O interior era branco como a neve (se você for apegado ao veio escuro que divide em dois o camarão real, deu azar). Esse foi o único produto que testei e que gerou reações empolgadas à mesa, e me fez perceber que John não está totalmente correto. As pessoas pensam que amam camarão. Mas basta uma alternativa um pouco mais doce e limpa para que elas comecem a repensar seu amor por aqueles bichinhos retorcidos.
A maior parte das notícias sobre frutos do mar sem animais concentra-se no que é conhecido como aquicultura celular – peixe na placa de Petri, sem cabeça, órgãos ou cauda. Rumores de sua grandiosidade iminente têm circulado por alguns anos, incentivados por capitalistas de risco que investiram dezenas de milhões em startups como a Wild Type (salmão), Finless Foods (atum) e BlueNalu (olho de boi e mahi mahi). Antes de mergulhar no mundo dos peixes sem peixe, esperava que esses produtos de laboratório fossem os destaques. Mas, como acontece com a carne cultivada em laboratório, a propaganda ficou bem à frente da ciência.
A teoria parece bastante sólida. Em animais, as células musculares são abastecidas por um fluxo de nutrientes fornecido pelo sistema circulatório. Mas essas células podem ser cultivadas em um tanque se forem banhadas em um caldo com os mesmos nutrientes, junto com fatores de crescimento semelhantes a hormônios que lhes dizem como se desenvolver. Essa é a ideia por trás da carne cultivada em laboratório, que funcionou com várias espécies de peixes. Dá para entender o apelo. Frutos do mar celulares não têm parasitas. Não são contaminados por mercúrio ou microplásticos. Não são manchados pela escravidão ou devastação ecológica. E não têm uma morte horrível.
Mas o setor enfrenta vários desafios que até agora não têm solução. O cultivo de células vivas em laboratório é extremamente caro e consome muita energia (uma análise do ciclo de vida da carne cultivada mostrou que sua pegada ambiental é ainda maior do que a carne bovina convencional). E ninguém dominou o cultivo de carne em grande escala. Em um tanque comercial de 20 mil litros, as células podem ser esmagadas pelo peso da água ou mortas pela força das pás que mantêm tudo circulando. O soro que banha as células custa centenas de dólares por litro e são necessários 50 litros para produzir uma porção de carne. A contaminação microbiana é uma ameaça constante. Textura e sabor ainda estão em andamento.
Mas Jennifer Jacquet, professora de estudos ambientais da Universidade de Nova
York que estudou extensivamente a indústria pesqueira, acha que o progresso pode vir surpreendentemente rápido. “Não acredito que se possa julgar o preço de mercado de um produto por seus protótipos, especialmente em uma indústria em seus primórdios”, diz ela. “Existem muitos exemplos, de relógios a computadores, que nos mostram o quanto os preços podem cair com o desenvolvimento dos produtos e do mercado.” Claro, uma única porção de peixe ou carne celular custa atualmente centenas de dólares, mas não há muito tempo custava centenas de milhares. Jennifer aponta que os governos podem influenciar fortemente a acessibilidade – e o sucesso – de novas tecnologias benéficas.
“É tipo energia renovável”, explica. “No momento, os produtos de origem animal celular,
incluindo frutos do mar, precisam competir em condições muito desiguais com as empresas de carnes, laticínios e frutos do mar que recebem enormes subsídios do governo, o que torna ainda mais difícil se tornarem competitivos em preços”. Jennifer acredita que, se a indústria de frutos do mar parasse de receber esses subsídios, os frutos do mar celulares teriam sucesso rapidamente.
Nenhuma das startups da Califórnia tinha intenção de me deixar provar suas criações de laboratório. A BlueNalu prevê ter seu mahi disponível no fim de 2021 em alguns restaurantes em San Diego, mas os especialistas estimam que levará de cinco a dez anos até que o marisco celular seja comercialmente viável. Daí pode ser tarde demais. Frutos do mar à base de plantas já existem, e com mais uma década de pesquisa e desenvolvimento vai ser muito bom e barato. Claro, ainda haverá redutos de gente querendo peixes de verdade que vieram do mar. Mas quem exatamente vai exigir peixes de um laboratório?
Nem todos os frutos do mar à base de plantas que experimentei foram tão bem-sucedidos quanto os mencionados aqui. Eu queria muito gostar do Ahimi, um substituto do ahi cuja produção é a própria simplicidade: um tomate sem pele e sem sementes levemente concentrado em molho de soja, água, açúcar e óleo de gergelim. Infelizmente, o sabor é exatamente o descrito nos ingredientes. Se você fechar os olhos e fizer um esforço, vai parecer um pouco com uma fatia rosa de ahi, mas não há como negar que sobre o arroz há um pedaço de tomate mole (aparentemente, outros sentiram o mesmo; a empresa encerrou as operações recentemente).
Eu também queria experimentar o Kuleana – um substituto do atum feito de uma mistura de algas, proteína da ervilha, água do mar, ferro do koji fermentado e beterraba (para colorir) –, mas seu fundador me disse que não estava pronto para ser testado como sashimi. Por enquanto, os verdadeiros análogos do sushi estão fora de nosso alcance, e teremos que nos limitar a frutos do mar como atum em lata, bolinhos de caranguejo e camarão empanado.
Mas em alguns anos espero que você encontre o balcão de sushi transformado também. A essa altura, devo estar pronto para virar a chave para a dieta à base de plantas. Abrirei exceções para alguns destaques de frutos do mar – moluscos americanos e salmão do Alasca, por exemplo, são modelos de sustentabilidade deliciosos –, porém deixarei o resto para o oceano. A menos, é claro, que a indústria de frutos do mar consiga resolver seu problema de ilegalidade de uma vez por todas.
*Reportagem publicada originalmente na edição 166 da revista Go Outside