Cientistas vão buscar peixe-elétrico misterioso em expedição no Rio Negro

Por Agência FAPESP

peixe-elétrico
Os peixes-elétricos mais conhecidos são os poraquês, que, a depender da espécie, podem emitir descargas elétricas de até 860 volts. Foto: Acervo dos pesquisadores

André Julião | Agência FAPESP – O poraquê (Electrophorus spp.) é o mais conhecido peixe-elétrico, em parte por conta do tamanho (até 2,5 metros de comprimento), mas principalmente pela capacidade de emitir descargas elétricas de até 860 volts. O choque é capaz de paralisar presas e mesmo afetar um ser humano por alguns segundos.

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No entanto, a maior parte das cerca de 250 espécies da ordem a que pertence, a dos Gymnotiformes, são peixinhos alongados e de olhos pequenos, que habitam rios, lagos e igarapés e emitem sinais elétricos fracos, suficientes para se comunicarem e navegarem. Uma espécie com essas características, por exemplo, é Iracema caiana, coletada uma única vez em 1968, e nunca mais encontrada.

Entre amanhã (20/02) e o dia 2 de março, um grupo de cientistas vai vasculhar o fundo do rio Negro, no Estado do Amazonas, igarapés e outros ambientes na região em busca de Gymnotiformes pouco conhecidos, como Iracema caiana, além de exemplares que possam subsidiar estudos em andamento e mesmo dar origem à descrição de novas espécies.

A bordo da embarcação Comandante Gomes, cerca de 20 pessoas, incluindo tripulação, pesquisadores e uma equipe da Agência FAPESP, vão subir o rio de Manaus (AM) até Santa Isabel do Rio Negro, passando por unidades de conservação e outros municípios amazonenses. Os detalhes do trabalho de campo serão descritos pela reportagem em uma nova edição da série Diário de Bordo.

Pesquisadores vão passar duas semanas num barco semelhante ao usado em uma série de expedições realizadas nos anos 1990, no âmbito do projeto Calhamazon (Foto: Acervo dos pesquisadores)

Durante as duas semanas de viagem, a equipe vai percorrer uma trajetória parecida com a de Alfred Russel Wallace (1823-1913) em 1850, quando o naturalista – coautor da teoria da evolução – documentou parte da fauna e da flora amazônica.

A expedição é parte do projeto “Diversidade e Evolução de Gymnotiformes”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Naercio Menezes, professor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP).

“Nos quase sete anos em que o projeto está em andamento, fizemos uma série de descobertas e coletamos uma grande quantidade de exemplares para a nossa coleção que, em função das pesquisas em andamento e a serem realizadas, ainda vão gerar resultados inovadores por mais alguns anos. Passada a grande seca que afetou a região amazônica recentemente, esperamos encontrar os peixes concentrados em ambientes aquáticos menores, o que deve facilitar a coleta e os estudos”, explica Menezes.

Peixe misterioso

Uma grande expectativa do grupo é coletar novos exemplares, além de material genético, de Iracema caiana, o peixe-elétrico misterioso coletado pelo pesquisador Tyson Roberts em 1968 e descrito por Mauro Luís Triques em 1996, com apoio da FAPESP.

Atualmente, os únicos cinco indivíduos conhecidos desse peixe-elétrico estão depositados no MZ-USP. Nem mesmo grandes projetos envolvendo expedições na Amazônia, como o Calhamazon, que nos anos 1990 coletou mais de 20 mil exemplares, de 510 espécies, conseguiu encontrar novos espécimes de Iracema caiana.

“Havia pouca precisão na determinação geográfica do local de coleta na época que os exemplares foram capturados, haja vista a inexistência de aparelhos de georreferenciamento preciso, como o GPS, comumente empregados em expedições científicas modernas. Com ferramentas de geoprocessamento, estimamos uma área onde provavelmente houve a coleta de Iracema caiana por Tyson Roberts, baseados em sua descrição do local de amostragem, no que atualmente é a Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi”, conta Raimundo Nonato Mendes Gomes Júnior, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e doutorando no MZ-USP.