Labirinto selvagem: um rolê cavernoso pela maior cidade de pedra do Brasil

Por Guilherme Haruo*

A Cidade de Pedra, em Goiás, foi construída pela ação do tempo, das chuvas e dos ventos. Foto: Arquivo Pessoal @guilhermeharuo.

Em agosto de 2023, fui convidado a praticar canionismo pela primeira vez por dois aventureiros de carteirinha: Weimar Pettengill, 53 anos, e Fabiano Nardotto, 49 anos, ambos escaladores e corredores de aventura. O convite era para explorar o Cânion da Cidade de Pedra, localizado entre os municípios de Cocalzinho e Pirenópolis, em Goiás.

“Mesmo acostumado a todo tipo de aventura, o Cânion da Cidade de Pedra ainda está entre os meus preferidos. É tão intensa a experiência que normalmente saio de lá com a sensação de que fiquei dias mergulhado naquele paraíso.” — Weimar Pettengill

A Cidade de Pedra foi descrita em 1871 pelo naturalista, médico e padre François Henry Trigant des Genettes, que relatou, em uma carta enviada ao imperador Dom Pedro II, acreditar ter encontrado uma cidade perdida no tempo, com monumentos, palácios, ruas e muralhas.

Vista aérea do Cânion da Cidade de Pedra. Foto: @guilhermeharuo.

A Cidade de Pedra não foi construída por humanos, mas pela ação do tempo, das chuvas e dos ventos sobre formações rochosas quartzíticas ruiniformes. Sua área abrange 500 hectares, onde predomina o puro cerrado rupestre de altitude, vegetação típica sobre rocha, com alto grau de endemismo. Um impressionante labirinto natural de pedras que parecem formar uma cidade encantada.

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A Cidade de Pedra foi decretada Monumento Natural Municipal em 4 de outubro de 2005, devido ao alto grau de relevância de suas formações rochosas, ao endemismo de espécies e à sua beleza cênica.

Para chegar até o cânion da Cidade de Pedra, é preciso atravessar um labirinto por uma trilha com nível de dificuldade de moderado a desafiador, em terreno acidentado, sem demarcação, com momentos de escaladas para passar por algumas fendas. Esse trajeto levou cerca de uma hora. No caminho, nos distraímos várias vezes contemplando as formações rochosas que lembram rostos, monumentos e animais, como uma cabra e um mamute. Um cenário único, sendo considerada a maior Cidade de Pedra do Brasil.

Para chegar até o cânion, é preciso atravessar um impressionante labirinto natural no Cerrado. Foto: Arquivo Pessoal @guilhermeharuo.

Ainda na Cidade de Pedra, atravessamos uma caverna, cuja saída era um buraco de 1 metro de diâmetro e cerca de 5 metros de altura até o chão. Essa caverna, na época das chuvas, fica inundada pelas águas, como relata Weimar em sua primeira vez fazendo o trajeto:

Fabiano: — Weimar, você confia em mim?
Weimar: — Não.
Fabiano: — Então me siga. Tire a mochila e traga na mão.

“E mergulhamos. Fui atrás, às cegas, me guiando pelo movimento dos seus pés, cuidando para não levar um coice. Quando percebi que voltávamos à tona, tentei aliviar a mente, quando ele segurou minha cabeça. Não acredito que ele vai me afogar, pensei! Mas, quando tentei voltar, senti que ele puxava minha cabeça para cima. Que desespero! Estávamos em um duto de ar, e para respirar era preciso apertar o nariz no teto da caverna.”

Fabiano me disse: “Pegue ar, a saída é ali na frente”, antes de tornar a desaparecer.

Segundos que pareceram uma eternidade. Conseguimos então acessar outro duto de ar, que dessa vez comportava nossos corpos. Rastejamos por alguns metros, com a água correndo pelas costas e o rosto virado para não ficar prensado no teto, até que comecei a perceber uma luz no fim do túnel — e, naquele caso, não parecia ser o trem! A caverna sai da rocha e forma uma cachoeira com cerca de 5 metros de altura. É só saltar!

Cidade de Pedra foi decretada Monumento Natural Municipal em 4 de outubro de 2005, Foto: @guilhermeharuo.

Depois de atravessarmos a caverna, a paisagem começou a mudar gradativamente: as formações rochosas começaram a diminuir e a vegetação de cerrado passou a predominar. Fizemos uma pausa para apreciar os deliciosos e doces cajuzinhos-do-cerrado (Anacardium humile). Nessa transição, observei um rio se formando — primeiro com pequenas poças acumuladas em praias de areia fina e branca, marcadas por pegadas de animais de várias espécies, como cachorro-do-mato, mão-pelada e jaguatirica — ressaltando a importância desse lugar como refúgio da vida silvestre. Mais adiante, já entrando em uma mata de galeria com o terreno acidentado, encontramos um lago de água verde-esmeralda, seguido por uma pequena corredeira entre raízes e rochas, até chegar a uma queda de 40 metros para dentro do cânion. No alto da cachoeira, fizemos uma pausa para um lanche e preparamos os equipamentos para o primeiro rapel.

Depois do primeiro rapel, já dentro do cânion, ali era só o começo de uma caminhada pelo rio de intensas 5 horas — uma infinidade de obstáculos a serem enfrentados, muitas vezes com piso escorregadio e poços atravessados a nado.

No canionismo, o caminho a seguir é sempre para frente, rio abaixo; não há opção de voltar. Estávamos em um lugar onde qualquer erro poderia custar caro: já não havia comunicação, e o acesso para um eventual resgate seria inviável. Encontramos ali um animal que devemos respeitar totalmente: uma jararaca repousava sobre as rochas, lembrando-nos de nosso papel de visitantes.

Ali dentro, me peguei numa sensação única: um estado de alerta, com todos os sentidos apurados, pisando em um solo sagrado. O som dos pássaros ecoava sobre as paredes do cânion — parecia um aviso de que havia intrusos por ali. O som das águas misturado ao das folhas das árvores, que cobriam o céu entre as paredes de rocha e balançavam com o vento, criava uma acústica de ambiente cavernoso.

Uma sensação de ser parte da natureza, um ser vulnerável e despido diante da força de um ambiente quase intocado. Ali, poucas pessoas já se aventuraram. Lembro de sentir essa mesma sensação na Gruta do Janelão, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no extremo norte de Minas Gerais.

Weimar estima que menos de dez pessoas tenham explorado o local antes de nós — fomos os primeiros a registrá-lo com câmera profissional e drone.

O rio que vimos se formar no alto da Cidade de Pedra ganhava volume à medida que avançávamos, apresentando mais duas quedas: uma de 10 metros e outra de 30 metros, a última quase na saída do cânion.

Ao final, adentramos um cerrado aberto. A paisagem era outra, com veredas de buritizeiros banhadas pela luz dourada do pôr do sol, chamada “hora mágica” pelos fotógrafos. Já era quase fim do dia e estávamos a 7 km do carro. Chegamos à noite, exaustos, mas com a gratidão de ter vivido algo tão primitivo, único e desafiador.

*Guilherme Haruo é fotógrafo e biólogo, apaixonado pela natureza e esportes radicais.