Presidente da UCI é candidato à presidência do COI — o que isso pode significar para o ciclismo

Por Andrew Hood, da Velo/Outside USA

David Lappartient, candidato à presidência do COI
Foto: Divulgação/UCI

A candidatura de David Lappartient à presidência do COI (Comitê Olímpico Internacional) é um dos maiores jogos de poder nos bastidores da história do ciclismo. O que isso significará para o ciclismo nas Olimpíadas e além? Nós investigamos.

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David Lappartient, presidente da UCI (Union Cycliste International), está entre os sete candidatos que disputam a presidência do Comitê Olímpico Internacional, em um verdadeiro jogo de poder digno de Game of Thrones no mundo do esporte.

O francês — que comanda o órgão máximo do ciclismo global desde 2017 — é um operador astuto na política esportiva, conhecido por navegar as águas turvas com finesse e eficiência implacável.

Com essa nova investida pelo poder, o dirigente de 51 anos parece estar cumprindo o que considera ser seu destino final em uma carreira internacional meteórica, embora por vezes controversa.

Mas quais são as implicações para o ciclismo, tanto no nível olímpico quanto no profissional, caso ele vença?

Se ganhar a eleição — cujo resultado é esperado para quinta-feira — ele não apenas assumirá um dos cargos mais influentes do esporte, mas poderá redefinir o futuro do ciclismo dentro do movimento olímpico e além dele.

Aqui está o que a eleição (ou derrota) de Lappartient pode significar para o ciclismo:

Ciclismo com um chefe no COI: uma oportunidade de ouro

A nomeação de Lappartient para o cargo mais alto do COI seria um divisor de águas para o futuro olímpico do ciclismo.

O esporte já tem uma posição forte nas Olimpíadas, sendo uma das modalidades com mais medalhas em disputa, mas, com ele no comando, esse espaço pode crescer ainda mais. Imagine um aumento no número de atletas, uma participação nacional mais ampla.

Mais exposição olímpica pode significar mais dinheiro, mais patrocinadores e maior influência para o ciclismo em nível global.

Além disso, e o antigo sonho de incluir o ciclocross nos Jogos Olímpicos de Inverno? A Velo, da Outside USA, relatou no ano passado que a modalidade já está no radar para ser incorporada ao programa olímpico, e ter um presidente do COI com laços profundos no ciclismo pode ser o empurrão final que falta.

Ou quem sabe o downhill no mountain bike? Mais provas no velódromo? Ou até o gravel? Por que não?

Com um líder do COI favorável ao ciclismo, tudo é possível.

Um operador de poder nos bastidores do ciclismo

O COI pode se concentrar em esportes amadores, mas sua influência política vai muito além disso.

Como presidente da UCI, Lappartient trabalhou incansavelmente nos bastidores para manter um controle rígido sobre os mecanismos de poder que regem tanto o ciclismo amador quanto o profissional. Ele construiu cuidadosamente uma rede de contatos que não apenas pode garantir sua eleição ao COI, mas também pode fortalecer sua influência caso ele vença.

Se ele for para o COI, prometeu renunciar a todos os seus outros cargos, incluindo a presidência da UCI.

Mas isso não significa que ele perderia toda a influência que acumulou no ciclismo ao longo das décadas. Pelo contrário, ele poderia se tornar ainda mais poderoso.

Muitos dos principais cargos dentro dos comitês e comissões da UCI permaneceriam nas mãos de aliados de Lappartient, garantindo que qualquer reforma ou iniciativa continue alinhada com sua visão.

Mesmo que assuma um cargo elevado em Lausanne, ele ainda teria uma influência significativa sobre o futuro do ciclismo.

Um golpe para a ASO e o Tour de France?

Uma das maiores reviravoltas possíveis seria a mudança na dinâmica de poder entre a UCI e a Amaury Sport Organisation (ASO), dona do Tour de France.

Lappartient sempre administrou com cuidado sua relação com a poderosa ASO, trabalhando para amenizar conflitos passados e reconstruir laços entre a entidade máxima do ciclismo e a maior organizadora de eventos da modalidade.

Como francês, ele sabe muito bem o peso da influência política da ASO dentro do establishment francês, e fez de tudo para evitar confrontos desnecessários enquanto esteve à frente da UCI.

Mas se ele sair, quem ocupará esse espaço? Circulam rumores de que Lappartient já estaria preparando sua sucessora: Amina Lanaya, diretora-geral da UCI desde 2017.

Sem Lappartient como aliado, a ASO pode enfrentar desafios inéditos. Sua saída pode encorajar novas disputas pelo controle da UCI.

Seja quem for seu sucessor, é improvável que tenha o mesmo peso e influência que Lappartient, e um novo presidente poderia estar mais disposto a remodelar a estrutura de poder do ciclismo profissional.

Uma UCI enfraquecida também poderia dar mais força às equipes e a organizadores rivais para pressionar por um novo modelo de negócios, como o projeto ONE Cycling, que já vem sendo articulado nos bastidores.

A ASO, que há décadas detém um controle absoluto sobre o Tour e outras provas importantes, poderia ser forçada a negociar com as equipes sobre direitos de transmissão e novas expansões? Talvez.

Se Lappartient perder, o ciclismo também sai perdendo?

Caso Lappartient fracasse em sua tentativa de assumir o COI, o ciclismo pode sofrer consequências inesperadas.

O COI é um jogo político implacável, onde o vencedor leva tudo.

É especulação, mas quem derrotá-lo pode muito bem deixar o ciclismo de lado em favor de outros esportes. Se Sebastian Coe vencer, por exemplo, não seria natural que ele favorecesse o atletismo?

Isso pode significar menos financiamento, menos vagas olímpicas ou até menos investimentos estratégicos no futuro do ciclismo.

A derrota de Lappartient pode ter um efeito cascata caso ele passe a ser visto como um rival.

O mundo da governança esportiva é um jogo de alianças em que o vencedor leva tudo, e se Lappartient perder, o ciclismo pode acabar marginalizado no cenário olímpico.

Ainda assim, ele é um operador tão hábil que provavelmente já tem um plano caso não vença a eleição do COI.

De qualquer forma, o ciclismo pode sair prejudicado, mesmo que Lappartient não seja eleito.

Sem o COI? Lappartient ainda tem a UCI

Perder a corrida pelo COI não significaria o fim do reinado de Lappartient no ciclismo. Longe disso.

Ele conquistou a presidência da UCI em uma vitória esmagadora sobre Brian Cookson em 2017 e garantiu a reeleição em 2021. Pelas regras da UCI, ele pode concorrer a um terceiro mandato de quatro anos em 2025.

Ele tentaria um novo mandato? Até agora, Lappartient tem mantido segredo sobre seus planos caso perca a eleição do COI.

Embora tenha avançado em pautas como igualdade de gênero e combate à fraude tecnológica, sua gestão tem sido questionada, especialmente após a morte trágica de um jovem ciclista suíço no Mundial de Estrada de Zurique, em setembro, e sua postura inflexível quanto à polêmica realização do Mundial de 2025 em Ruanda.

Uma derrota no COI pode torná-lo ainda mais determinado a consolidar seu legado na UCI.

Ele já vem promovendo reformas no ciclismo profissional, embora muitas delas sejam mudanças superficiais, como ajustes no calendário e nos critérios de convite para provas.

No entanto, uma derrota pode torná-lo vulnerável e abrir espaço para novos concorrentes na eleição presidencial da UCI, ainda neste ano.

Tempos sem precedentes

A candidatura de Lappartient ao COI é uma das maiores jogadas de poder da história dos bastidores do ciclismo.

Nenhum presidente da UCI teve tanta influência desde a gestão autoritária de Hein Verbruggen nos anos 1990.

O ex-prefeito de uma pequena cidade francesa, como certa vez o descreveu David Brailsford, ex-chefe da Team Sky, tem muitos detratores.

Mas ele jogou o jogo político com tamanha maestria que pode, de fato, conquistar o cobiçado cargo mais alto do COI.

Vale lembrar que as eleições do COI não são democráticas. São mais um jogo de promessas de campanha e alianças políticas do que um processo transparente.

Sua eleição pode elevar o status do ciclismo nos Jogos Olímpicos. Se perder, o esporte pode perder prestígio dentro do movimento olímpico.

De qualquer forma, Lappartient está apostando alto no jogo de pôquer mais arriscado do esporte.

O resultado da eleição será conhecido na quinta-feira.