As bikes elétricas de montanha (e-MTBs) já não são mais anomalias nas trilhas — e alguns dizem que em breve elas superarão as bicicletas tradicionais em número. Se você sente que isso aconteceu rápido demais, não está sozinho
Foi no último outono que percebi que tudo havia mudado. Primeiro vieram os pedais consecutivos nas montanhas altas, onde meus amigos e eu éramos os únicos com bicicletas sem motor. Depois teve uma subida de 18 quilômetros, quando um trilheiro apertou os olhos para o meu pedivela, exclamou “Sem bateria!” e começou a bater palmas. Mais tarde, naquele mesmo dia, cruzamos com os únicos outros ciclistas que também estavam em bikes tradicionais, que gritaram ao passar: “Somos uma espécie em extinção!” E, por fim, houve o encontro no topo de um pico remoto na Sierra Nevada, quando um senhor olhou para minha bike e disse: “Lembro de ter pedalado essa trilha com minha bike analógica.”
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Dependendo de quem você pergunta, estamos nos aproximando, já alcançamos ou até mesmo passamos do ponto de virada das e-MTBs. Neste ano, a Santa Cruz Bicycles espera vender mais e-MTBs do que bicicletas convencionais, segundo o diretor de produtos da empresa, Josh Kissner. O modelo Turbo Levo, da Specialized, é a mountain bike mais vendida da marca há anos. E a Cannondale atualmente tem mais modelos elétricos em desenvolvimento do que analógicos. O ciclista profissional Paul Basagoitia, que pedala e-bikes desde que ficou paralisado em um acidente no Red Bull Rampage em 2015, riu quando perguntei se as e-MTBs eram o futuro do esporte. “Futuro?”, disse ele. “Do que você está falando? Isso já é o presente.”
Em toda a indústria, as lojas de bicicleta ainda vendem mais bikes convencionais do que elétricas. Mas os gerentes de produto das marcas citadas acreditam que, em breve, as e-bikes representarão mais da metade das bikes nas trilhas. Quanto mais? A Specialized foi a mais ousada: o diretor de produtos da linha Turbo, Marco Sonderegger, e o gerente de produto de e-MTBs, Joe Buckley, estimam que elas possam chegar a representar de 75% a 80% das vendas. Kissner, da Santa Cruz, acredita que podem chegar a dois terços. Já Mike Marro, gerente sênior de marketing global da Cannondale, acha que no futuro “o analógico ainda terá seu espaço”, mas será dominante apenas em “usos específicos”, como provas de cross-country e downhill.
“Quantas pessoas praticam esqui cross-country em comparação com o esqui alpino?”, perguntou Buckley, retoricamente. “É pra esse cenário que estamos indo.”
O ponto de inflexão que antes parecia impossível, depois improvável e, em seguida, distante, chegou de repente. Os modelos europeus de e-MTBs surgiram no início dos anos 2010, mas tinham baterias aparafusadas e carregavam peso como uma mochila JanSport cheia de enciclopédias. A Specialized é creditada por iniciar a revolução norte-americana das e-MTBs em 2015, com o lançamento da Turbo Levo 6Fattie — com menos de 23 quilos, bateria integrada e pilotagem refinada. Mas as e-MTBs ainda enfrentaram um longo caminho até a aceitação social. Em 2017, o colunista da Outside Marc Peruzzi se perguntava se elas eram “cafonas motorizadas ou salvadoras do universo”. Já em 2019, o crítico Aaron Gulley admitia que elas “evoluíram o suficiente para valerem a pena”. Por volta de 2020 ou 2021, segundo Sonderegger, a Levo passou a liderar as vendas de mountain bikes da Specialized. Hoje, ele me diz: “Não vejo mais um caminho de volta.”
Como você se sente em relação a essa mudança depende, sem surpresa, de você pedalar ou não uma e-MTB. A maioria dos e-bikers com quem falei disse que receberia bem um futuro em que fossem maioria (claro). A maioria dos profissionais do setor também expressou otimismo (pelo menos publicamente) quanto a um cenário em que as e-bikes aumentam o número de ciclistas, incentivam a construção de trilhas e ajudam mais americanos a se exercitarem. Um profissional do setor admitiu que se sentiria “um pouco triste” se um dia as e-MTBs superassem as bicicletas convencionais em número. E pediu anonimato.
Muitos ciclistas experientes provavelmente se identificam com esse sentimento — e com a relutância de expressá-lo em voz alta. Hoje em dia, não é mais socialmente aceitável ser anti-e-bike. A maioria de nós conhece ou ama alguém que pedala uma, muitas vezes porque não poderia (ou não gostaria de) pedalar de outro jeito. Se você ama o esporte, é difícil criticar pais grisalhos pedalando com os filhos, ciclistas lesionados voltando às trilhas ou qualquer pessoa que esteja acessando com mais facilidade a alegria do mountain bike.
Mas, ao mesmo tempo, se você ama o esporte, talvez não queira que ele mude. Muitos entusiastas das bikes convencionais se encontram, portanto, em uma posição desconfortável. Apoiar as e-MTBs não significa necessariamente querer que elas dominem tudo, ou deixar de se preocupar com um futuro em que elas sejam a regra. É ingênuo — ou desonesto — reduzir o debate a um simples “pedale o que te faz feliz”, como se os ciclistas tradicionais não tivessem nada a perder ao serem superados em número.
Ninguém quer ser ultrapassado o tempo todo em singletracks por ciclistas muito mais rápidos. E, apesar das alegações da indústria de que as e-MTBs não causam mais desgaste nas trilhas, a preocupação com o uso excessivo — já que elas permitem cobrir distâncias maiores — é legítima. Marro também me contou que um dos motivos pelos quais as pessoas compram e-bikes é para conseguir acompanhar os amigos. Na visão dele, ciclistas como eu em breve terão que decidir: compro outra bike analógica ou uma e-bike para continuar pedalando com o grupo? (Os gerentes de produto com quem conversei também concordaram que, se o crescimento das e-bikes continuar, as marcas provavelmente vão reduzir suas linhas de bikes convencionais.)
Nem todo mundo acredita que esse futuro elétrico seja inevitável. Kyle Young, fundador da Transition Cycles, por exemplo, não acha que isso vai acontecer (embora até sua marca, considerada purista no estado de Washington, venda uma e-MTB para cada quatro mountain bikes).
“Hoje em dia, não é mais socialmente aceitável ser contra as e-bikes. A maioria de nós conhece ou ama alguém que pedala uma — muitas dessas pessoas não poderiam (ou não gostariam de) pedalar de outro jeito.”
Mas, qualquer que seja o equilíbrio no longo prazo, já atingimos um ponto de virada inegável — as experiências alienantes que vivi recentemente teriam sido difíceis de imaginar até mesmo um ano atrás. Se houve algum momento em que a revolução das e-MTBs poderia ter sido barrada, Scott Vogelman, diretor de produtos da linha mountain bike da Cannondale, acredita que foi entre cinco e oito anos atrás, quando as disputas por acesso às trilhas estavam no auge. Desde então, os ciclistas de e-MTBs conquistaram acesso a muitas delas.
“A essa altura, a bola já está rolando ladeira abaixo”, ele diz. “E não acho que vá parar.”
A Turbo Levo completa dez anos este ano. Assim como outras mudanças tecnológicas da última década, as e-MTBs mostram que estamos vivendo uma época em que muita coisa está mudando muito rápido. Agora, impulsionada pelo sucesso das bikes elétricas, a indústria de atividades ao ar livre está experimentando o que mais pode ser motorizado.
Recentemente, empresas lançaram esquis de travessia eletrônicos, calças de trilha com exoesqueleto motorizado e até uma corda de reboque eletrônica para esqui fora de pista. Em um tópico no Reddit sobre os esquis eletrônicos, os comentaristas os classificaram como “aberrações” e disseram que eles nunca seriam permitidos em terras públicas, onde a maioria dos esquiadores de backcountry pratica. Eles podem estar certos. Mas me lembro de conversas bem parecidas quando vimos as primeiras e-MTBs.