Calmaria no caos: como a apneia pode te proporcionar mais energia e foco

Por Alexandra Iarussi

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Exercitar a apneia e a respiração consciente pode trazer mais energia e foco, além de liberar seu potencial pleno. Foto: Shutterstock.

Estou quase tonta. Já não focalizo mais no barulho lá fora: meu corpo em formato de “bola” rodopia aos movimentos impulsionados pela minha dupla de apneia, que simula na piscina uma queda de uma onda no mar – a popular “vaca” entre os surfistas. Tipo o que faz a máquina de lavar com as roupas.

Enquanto isso, exercito a calma sob pressão, redefinindo minhas sensações desagradáveis provocadas pela privação de ar. “Sei que ainda há oxigênio nas minhas células,” entoo o mantra à medida que o tempo avança. Ficam mais fortes as contrações do meu diafragma por conta da baixa de oxigênio no corpo.

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Prossigo na “zona de arrebentação” até que chego ao ápice do desconforto e subo imediatamente. Após emergir à superfície, deixo escapar uma risada, não sei exatamente de onde ela veio, mas logo concluí que se havia soltado esse riso, havia mais ar para me manter sob a água.

Esse foi um dos momentos da vivência de dois dias do curso “Respiração, Apneia e Sobrevivência Surf”, ministrado na praia de Camburi, São Sebastião, SP, com o surfista de ondas grandes e instrutor PADI, Ricardo Taveira e sua equipe. “Quem valorizar o ego aqui vai se dar mal,” dispara Taveira em nossa primeira aula teórica. De cara, após alguns exercícios iniciáticos de como “encontrar meu diafragma” percebo o quanto é fundamental estar “presente no momento” para praticar apneia. Taveira enfatiza o quanto treinar apneia resultará em mais energia, foco e concentração; em uma vida mais plena que irá destravar todo o potencial de cada um.

Afinal quem não quer responder aos problemas da vida de maneira serena e eficaz? A apneia é a chave para isso e muito mais, segundo Taveira, e a prática constante pode te tornar uma pessoa mais poderosa. Na prática observei que o trabalho de avançar nos próprios limiares sem ar é repleto de desafios. Fato que após tanto navegar pela minha zona de desconforto, cheguei ao final do curso energizada como nunca antes na vida.

DIAFRAGMA, A ORIGEM 

O diafragma é nosso principal músculo respiratório. Separando o tórax do abdômen, é responsável por cerca de 75% da nossa ventilação pulmonar em repouso. Sua principal função é inspirar o ar para os pulmões. Em contração, ele se abaixa e aumenta o volume da cavidade torácica, permitindo que o ar entre nos pulmões. Relaxado, retorna à sua posição original, empurrando o ar para fora dos pulmões na expiração.

Parece simples, né? E de certa forma é, afinal a respiração diafragmática é nossa respiração “original”: observe a barriga de um bebê e você terá uma visão do que é respirar corretamente. Porém, é muito comum que adultos “desaprendam” como respirar corretamente. Alguns motivos para isso podem ser falta de consciência corporal, estilo de vida sedentário, estresse e ansiedade.

O diafragma é nosso principal músculo respiratório. Separando o tórax do abdômen, é responsável por cerca de 75% da nossa ventilação pulmonar em repouso. Sua principal função é inspirar o ar para os pulmões. Em contração, ele se abaixa e aumenta o volume da cavidade torácica, permitindo que o ar entre nos pulmões. Relaxado, retorna à sua posição original, empurrando o ar para fora dos pulmões na expiração. 

Ao acionar o diafragma no seu ciclo respiratório, você experimenta ganhos valiosos: redução do estresse e ansiedade; melhora da função pulmonar, da circulação sanguínea, da digestão e do sono; fortalecimento do músculo do diafragma; redução da tensão muscular; melhora da postura e da estabilidade da coluna vertebral.

TRANQUILIDADE NA ZONA DE IMPACTO

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Existem diferentes técnicas e métodos para treinar apneia, e é importante praticar com segurança e sob orientação de um instrutor. Foto: Shutterstock.

Após práticas na piscina, fomos levados a campo no segundo e último dia do curso. Foi no quebra-cocos da praia de Maresias, em São Sebastião, SP, que coloquei à prova minha resiliência mental e física com uma série de exercícios de apneia sob as ondas que quebravam com força sobre nossas cabeças.

Também aprendemos manobras e movimentos básicos de primeiros socorros para prestar assistência a alguém afogado ou em afogamento, bem como a alguém com fratura na coluna. “Essas manobras salvam muitas vidas todos os dias,” reforça Taveira enquanto nos ensina como fazer uma ressuscitação cardiopulmonar, técnica de primeiros socorros utilizada em situações de emergência com a pessoa inconsciente.

Os afogamentos são a terceira principal causa de morte por lesões não intencionais em todo o mundo, ficando atrás apenas de acidentes de trânsito e quedas. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS) e estima-se que ocorram mais de 320 mil mortes por afogamento anualmente em todo o mundo. No Brasil, foram registrados cerca de 5.700 óbitos por afogamento em 2020, o que representa uma média de 16 mortes por dia, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA).

Durante as práticas de salvamento, alguém se recorda do waterman extremamente habilidoso, o surfista veterano de ondas grandes baiano Marcio Freire, uma lenda, que explorou a onda de Pe’ahi, em Maui, no Havaí, na remada, em uma época em que os locais havaianos surfavam essa onda apenas com auxílio de jet ski. Freire faleceu aos 47 anos surfando Nazaré, em Portugal, após uma parada cardiorrespiratória. Há quem diga que ele estaria a salvo caso tivesse entrado no mar com colete inflável, equipamento que se tornou indispensável para a segurança de um seletíssimo grupo – os melhores surfistas de ondas grandes do mundo.

No quebra-cocos da praia de Maresias, estou em um dos últimos exercícios com a minha parceira, em uma série que desafia nosso fôlego, praticada com cada vez menos reservas de oxigênio (e aumento de gás carbônico) no corpo. Em certo momento, meu diafragma começa a se debater como um peixe fora d’água. Em vez de alimentar a caótica mente, que me diz, a todo instante, ‘suba agora’, ’desista’, ‘você não vai conseguir’, reafirmo meu poder e entoo como um mantra as palavras que, espirituosamente, disse o professor no dia anterior:

“Te amo, contrações!”. Perservero até o final do exercício e sinto ter absorvido a experiência de empoderamento que vem da atitude positiva mental – um caminho sem volta.

Exatamente uma semana após o curso, rompi o leash da prancha enquanto surfava e foi muito gratificante já sentir a mudança da minha resposta frente ao imprevisto. Em ocasiões anteriores, assim que me via diante do inesperado, já sentia acelerar minha respiração. Desta vez foi diferente. Quando me dei conta de que a perna amarrada ao leash estava mais leve, automaticamente uma calma profunda tomou conta de mim e saí nadando tranquila.

SEMPRE EM COMPANHIA 

Existem diferentes técnicas e métodos para treinar apneia, e é importante praticar com segurança e sob orientação de um instrutor.  Sem supervisão ou experiência, a prática pode ser perigosa: em apnéias prolongadas, há redução significativa na oxigenação do sangue, podendo levar a sintomas como tontura, confusão mental, dor de cabeça, fadiga e, em casos mais graves, perda de consciência.

Confira alguns dos seus benefícios da apneia: 

– Melhora na capacidade pulmonar: a apneia requer controle da  respiração, e prender o ar por períodos mais longos, pode aumentar sua capacidade pulmonar e melhorar sua eficiência respiratória;

– Melhora no controle do corpo e da mente: a prática da apneia exige grande concentração e controle do corpo e da mente, o que pode ajudar a melhorar a capacidade de concentração, foco, e reduzir o estresse;

– Melhora na resistência: tanto física quanto mentalmente, aumentando a capacidade de suportar períodos mais longos sem respirar;

– Melhora na técnica: a respiração está intimamente relacionada ao ritmo, e portanto, estar consciente da respiração é crucial para encontrar o timing perfeito para tudo o que você faz;

– Aumento da confiança e da auto-estima, a partir do autocontrole do corpo e da mente em situações de alta pressão.

VÁ LÁ

“Esperamos que depois de mergulhar e treinar conosco você sinta uma conexão mais forte com o oceano e com você mesmo,” diz Ricardo Taveira, brasileiro, que há mais de 20 anos surfa as melhores ondas do mundo.

Após se mudar para o Havaí e se tornar instrutor de mergulho, em 2011 abriu a Hawaii Eco Divers, baseada em Haleiwa, com o objetivo de espalhar seu conhecimento, conexão e amor pelo oceano. Seu foco está na promoção mundial da segurança e educação oceânica por meio do Curso de Sobrevivência em Apneia e Surf.

Mais informações:
hawaiiecodivers.com
@hawaiiecodivers 

 







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