ICMBio tenta tirar do papel o projeto Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso

Por Thaís Valverde*

Imagine uma trilha que vá do Oiapoque (extremo norte do Brasil, no Amapá) ao Chuí (extremo sul, no Rio Grande do Sul), passando por diversos parques e formando um enorme corredor pelas áreas verdes próximas ao litoral, com mais de 8.000 km. O sonho de muitos trilheiros do país pode, enfim, estar se tornando realidade.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que coordena nossas unidades de conservação, está canalizando esforços para tirar do papel a ideia de um Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso. Inicialmente estão sendo previstos quatro grandes corredores: Corredor Litorâneo, Trilha Missão Cruls, Caminhos do Peabiru e a Estrada Real.

O projeto é inspirado em vários semelhantes já existentes no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sistema nacional de trilhas existe há 50 anos e liga mais de 90% das unidades de conservação daquele país. Sua trilha de longo percurso mais famosa, a Appalachian Trail, tem 3.500 km e atrai 2 milhões de visitantes todos os anos, dos quais mais de 2.000 já a percorrem de ponta a ponta.

Mas não é só para atrair turistas que o sistema está sendo pensado. Trilhas de longo curso podem incluir também importantes estratégias de conservação. A diretoria de biodiversidade do ICMBio identificou, por exemplo, que áreas que compõem o Corredor Litorâneo (do Oiapoque ao Chuí) fazem parte da principal rota migratória de pássaros no Brasil.

Trilha do Rio do Boi, no Parque Nacional Aparados daSerra (RS e SC) – Foto: Júnior Scandolara Claudino

O Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso é um esforço do ICMBio que também está inserido no contexto do Programa Conectividade de Paisagens – Corredores Ecológicos. A iniciativa do Ministério do Meio Ambiente busca conservar ecossistemas florestais biologicamente prioritários e viáveis para a conservação da biodiversidade.

A proposta do sistema é que as trilhas nacionais de longo curso sejam formadas por várias outras regionais, em que o fim de uma coincide com o início da seguinte. A goiana Trilha Missão Cruls, por exemplo, será um traçado de 600 km formado por outros três principais percursos: Caminho de Cora Coralina, Trilha União + Circuito Flona + Circuito Serrinha do Paranoá e Travessia das Sete Quedas (veja quadro para saber mais sobre os percursos). O trajeto ligará a cidade de Goiás Velho até a Chapada dos Veadeiros, no mesmo Estado.

O percurso da Estrada Real, uma iniciativa do Instituto da Estrada Real, percorrido principalmente por carros e bicicletas, ganhará também um trajeto paralelo à rodovia para ser feito a pé. A rota Caminhos do Peabiru ligará o Parque Nacional do Iguaçu (PR) ao litoral paranaense.

Sinalização proposta pelo ICMBio – Foto: Marcello Cavalcanti

A sinalização do Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Percurso será a mesma que o ICMBio tem usado nas demais unidades de conservação: uma pegada amarela pintada diretamente em árvores ou rochas. Pode ser uma pegada de bota, de um pé descalço ou de uma pata de animal, e a ideia é que represente cada local e região, mas respeitando o padrão de cores. “Devemos manter a linguagem cognitiva única e não perder padrões técnicos, para que um sujeito do Acre entenda, assim como alguém do Rio Grande do Sul”, explica Pedro Menezes, coordenador-geral de Uso Público e Negócios do ICMBio.

De acordo com Pedro, o traçado dos caminhos que compõem a rede de trilhas não é definitivo. “A implementação depende do envolvimento de diferentes esferas de governo, proprietários privados e a comunidade em geral. As alterações estão abertas para as necessidades que surgirem.” O tempo médio de implementação de sistemas de trilhas no mundo foi de 20 a 30 anos, e no Brasil calcula-se o mesmo tempo, sem ainda uma data definida de finalização.

A Transcarioca foi primeira trilha de longa distância a ser inaugurada e sinalizada no Brasil. A trilha cruza o Rio de Janeiro por um percurso de aproximadamente 180 km e foi aberta oficialmente em 2017. Foram 20 anos de planejamento e implementação por voluntários e profissionais. Segundo Kika Bradford, presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), que acompanhou de perto o projeto da Transcarioca, sua inauguração foi importante para fazer com que o tema das trilhas fosse novamente debatido na mídia e pela sociedade em geral.

“A Transcarioca atraiu muita gente não só para praticar, mas também para pegar a responsabilidade de construir esse sonho. Mexeu com as emoções das pessoas de forma muito positiva”, afirma.

Trecho da Transcarioca (RJ) – Foto: Marcello Cavalcanti

Sabendo que ainda são poucos os usuários que percorrem longas distâncias, o ICMBio está priorizando caminhos regionais que possam ser completados em torno de 20 dias, principalmente em épocas de férias. O administrador de empresas Francisco de Assis Cardoso, que já fez a Serra do Espinhaço mineira, partindo de Bocaiúva até Caraça, em Minas Gerais, sente a necessidade de interligar as trilhas locais. “Isso permitirá que o montanhista possa contar com referências confi áveis e trocar experiências com outros praticantes. Além de poder criar estruturas de apoio ao longo da rota, gerando renda para quem mora nesses lugares”, comenta.

Praticante de montanhismo há 24 anos, Francisco acredita que o Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso é o futuro da vida outdoor no Brasil. Para Francisco, é uma chance de maior reconhecimento e divulgação de atividades ao ar livre e oportunidade para conhecer as grandes regiões geográficas do país. Entretanto ele faz apontamentos. “Sinto uma lentidão dos parques no estabelecimento de relações confiáveis com clubes, associações, grupos independentes ou mesmo imprensa especializada e blogs de montanhismo. Isso difi culta a circulação das informações.”

Caminho das Araucárias no Parque Nacional de São Joaquim – Fotos: Acervo Parna de São Joaquim

Pedro ressalta que a concretização do sistema dependerá principalmente da participação da sociedade. Serão os próprios caminhantes que ajudarão na pressão da implementação de “linhas tracejadas” nos percursos. “Com o sistema queremos criar a sensação de pertencimento, ou seja, de que o espaço público pertence a todos, tanto da parte dos visitantes como de quem nasceu ali. Essa força coletiva acaba se tornando uma ferramenta crucial de preservação.”

 

 

Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso

Corredor Litorâneo (Estados que formam o litoral brasileiro)

Tamanho: Mais de 8.000 km

Característica: construído em seis percursos, passará por mais de cem unidades de conservação federais, estaduais, municipais e privadas ao longo da costa brasileira
Áreas do percurso:

  • Caminho das Araucárias (Florestas Nacionais de Canela e de São Francisco de Paula e Parques Nacionais de Aparados da Serra, Serra Geral e São Joaquim)
  • Transmantiqueira (Parque Nacional do Itatiaia, APA da Serra da Mantiqueira, Parques Estaduais da Pedra Selada, da Serra do Papagaio e de Campos do Jordão, Monumento Natural Estadual da Pedra do Baú e Monumento Natural Municipal da Pedra do Picu)
  • Trilha Transcarioca (Parque Nacional da Tijuca, Parque Natural Municipal de Grumari e Parque estadual da Pedra Branca Caminhos da Serra do Mar (Parque Nacional da Serra dos Órgãos)
  • Rota do Descobrimento (Parques nacionais do Pau Brasil e do Monte Pascoal)
  • Rota das Emoções (Parques Nacionais de Jericoacoara e Lençóis Maranhenses)
Trilha Missão Cruls (GO)

Tamanho: 600 km

Características: ligará a chapada dos veadeiros ao município de Goiás velho. O traçado seguirá o caminho percorrido por luiz cruls em 1892, quando liderou uma expedição para estudar o Planalto central e delimitar a área onde seria construída Brasília. O percurso de 136 km já sinalizado no distrito Federal também pode ser percorrido de bicicleta

Áreas do percurso:

  • Caminho de Cora Coralina (Parques Estaduais da Serra dos Pirineus, Serra Dourada e Serra de Jaraguá)
  • Trilha União + Circuito Flona + Circuito Serrinha do Paranoá (Parque Nacional de Brasília, Floresta Nacional de Brasília e Área de Proteção Ambiental do Planalto Central)
  • Travessia das Sete Quedas (Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros)
Caminhos do Peabiru (PR e SC)

Tamanho: cerca de 1.000 km

Característica: É o caminho histórico dos índios guarani que ligava o atlântico aos Andes

Áreas do percurso:

  • Parque Nacional do Iguaçu
  • Estação Ecológica da Mata Preta
  • Parques Nacionais das Araucárias, Guaricana e Saint-Hilaire/Lange
  • Floresta Nacional de Três Barras Floresta Nacional do Assungui, entre outras ainda não definidas totalmente
Estrada Real (MG, SP e RJ)

Tamanho: 1.700 km

Característica: É o caminho histórico oficializado pela coroa Portuguesa no século 17, que passa por Minas Gerais, rio de Janeiro e São Paulo

Áreas do percurso:

*Parte da reportagem “Brasil da Trilhas” da edição nº 151 da Revista Go Outside

 







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