Um dos principais motivos da pandemia do novo coronavírus ser tão devastadora é o fato de o vírus ainda não ser totalmente conhecido por médicos e cientistas. Por isso, muitas pessoas que tiveram a Covid-19 têm dúvidas sobre como proceder após a doença — principalmente em relação às atividades físicas.
Seja para atletas ou qualquer pessoa que pratique exercícios, a volta às atividades físicas é muito importante. Mas como essa retomada deve ser feita? O fisiologista do exercício Tiago Peçanha, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP e doutor em Ciências pela Escola de Educação Física também da Universidade de São Paulo, explica que a volta às atividades físicas depende das consequências geradas pela Covid-19 na saúde de cada pessoa.
Segundo Tiago, nos casos assintomáticos, o ideal é que a retomada aconteça sete dias após o último dia de infecção. Em casos leves em que não ocorreu hospitalização e que não tenha havido sequelas, após sete dias sem sintomas é possível retomar as atividades. Nos dois casos, Tiago diz que não há problema em retomar as atividades na mesma intensidade em que eram realizadas antes da infecção — caso a pessoa se sinta preparada para isso.
Já nos casos em que ocorreram sintomas graves e de internação, é preciso passar por um retorno gradual aos exercícios físicos. O mesmo serve para as pessoas que, após a Covid-19, tiveram sequelas respiratórias, como falta de ar e tosse persistente, sequelas cardiovasculares, como aumento da pressão arterial e alterações dos batimentos cardíacos e/ou sequelas físicas como fadiga intensa e fraqueza muscular.
Fases da retomada gradual
Segundo Tiago, esse retorno gradual deve começar com uma fase leve, com exercícios respiratórios, de mobilidade e de equilíbrio. Depois, na fase moderada, o indicado é realizar atividades domésticas ou qualquer uma que aumente um pouco os batimentos cardíacos e o ritmo respiratório. Por fim, estão liberados os exercícios aeróbicos e de força, de intensidade gradual. “A Sociedade Britânica de Medicina do Esporte orienta esse retorno baseado em fases, com cada uma delas durando de 7 a 14 dias”, diz o pesquisador.
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A cardiologista Cléa Colombo, presidente do Grupo de Estudos de Cardiologia e do Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia, recomenda que exercícios de alta intensidade e muito prolongados sejam evitados nas primeiras três semanas de retomada dos treinos.
A princípio, não existem restrições de exercícios a serem realizados por pessoas que tiveram a Covid-19. Mas Cléa enfatiza que aqueles que tiveram casos graves e/ou sequelas devem, idealmente, seguir recomendações de médicos, profissionais de educação física e fisioterapeutas para a reabilitação do paciente. A médica explica que, com a ajuda de profissionais, as atividades de retomada são feitas a partir de porcentagens de frequência cardíaca e de intensidade.
Dificuldades na volta aos treinos
Os obstáculos na retomada de atividades físicas após a Covid-19 podem variar. Para casos mais leves, pode haver cansaço e descondicionamento físico. Nessas circunstâncias, Tiago recomenda uma diminuição da intensidade do exercício até a pessoa readquirir a sua antiga forma. “A perda de forma pode acontecer por consequência direta do vírus, por parâmetros cardiorrespiratórios ou musculares, ou pelo repouso que foi feito durante o período de contaminação, por uma atrofia muscular.”
Já para aqueles que tiveram sequelas graves, a dificuldade para voltar aos exercícios é maior. Essas pessoas podem apresentar sintomas cardiorrespiratórios como tontura, arritmia, desmaio e febre. Cléa explica também que, até dois meses depois da Covid, pode ocorrer uma complicação no coração. “A miocardite, uma inflamação no coração, nos preocupa porque ela pode ser causa de arritmias durante o exercício, o que pode colocar o indivíduo em risco. Mas esse é um problema raro”, diz a cardiologista.
Quais atividades fazer?
Tiago explica que para as pessoas que ficaram assintomáticas ou tiveram apenas sintomas leves da Covid-19, a orientação de atividade física é semelhante à da população em geral: “Tentar atingir pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana, privilegiando atividades de caráter aeróbio e complementando com exercícios de fortalecimento muscular e flexibilidade”.
Nos casos graves da doença, as atividades mais indicadas no início são apenas as leves, como exercícios respiratórios e que simulam tarefas domésticas. A intensidade aumenta de acordo com a evolução do paciente a partir da redução das complicações, como indicado nas fases de retomada da Sociedade Britânica de Medicina do Esporte citadas por Tiago.
Atividade física e saúde pública
Tiago Peçanha diz que 20% a 30% das pessoas que pegam Covid têm sequelas cardiometabólicas ou problemas neurológicos. Ele acredita que a atividade física deve ser usada como estratégia de saúde pública. “Ainda não conhecemos os impactos a longo prazo do coronavírus, mas, por todos os efeitos conhecidos que a atividade física traz, ela tem o potencial de ajudar na recuperação das pessoas que tiveram sequelas da Covid-19”.